CAPÍTULO 47

“O ensino médio é uma fase difícil para todo mundo. Tem sempre um monte de cobrança sobre as notas que tiramos, sobre as coisas que estamos ou não fazendo (como assim você não vai à festas? como assim você nunca beijou ninguém?) e sobre qual a carreira que pretendemos seguir no futuro. É como se, durante apenas um ano, o último ano que temos na escola, tivéssemos que planejar todo o restante da nossa vida. Uma corrida contra o tempo que ninguém consegue vencer. Não sem precisar de uma ou duas sessões de terapia, pelo menos.”

Diário de Amélia, 07/09/2020


Amélia




Doze de setembro. Sebastian tinha se despedido de seus pais antes de sair de casa, prometendo ligar quando chegasse à Nova York e todos os outros dias também, para falar sobre como tudo estava correndo por lá. Ele e os meninos tinham combinado de se encontrar no aeroporto, onde Jonas Blake, o empresário deles, já estava esperando. O grupo se reuniu rapidamente e, após alguns cumprimentos e a compra das passagens, uma iminente atmosfera de despedida começou a pairar sobre todos nós.

— Isso é tão surreal — Alison disse, de repente, enquanto andávamos com os meninos até a sala de embarque do aeroporto. — E pensar que, somente alguns anos atrás, Sebastian falava pela primeira vez sobre a ideia de montar uma banda...

— Parece que foi ontem — ele concordou, se virando na minha direção. — A nossa primeira plateia foi a Alison, no primeiro ensaio que fizemos na casa do Charlie. Ela se empolgou tanto que quis até criar uma coreografia para que a gente incrementasse nas apresentações. Não preciso dizer que não deu muito certo.

— É, porque vocês não levavam jeito, mas teria ficado incrível — ela disse, estourando uma bola de chiclete. — Teria mesmo.

— Quem lembra da audição que a Ali fez para tentar entrar na banda? — Loren perguntou, com um sorrisinho irônico no rosto.

— E tem como esquecer? — Zaden concordou, rindo baixinho. — Acho que ela não tinha se dado conta na época de que para fazer parte de uma banda era preciso saber cantar ou tocar algum instrumento — ele continuou, olhando para Alison de relance, como se revivendo a cena. — Lembro que, de repente, ela começou a dançar igual a uma doida varrida pra gente, fazendo aquelas piruetas de balé e tudo.

— Ha-ha-ha, Zaden, por que você não cala um pouco a boca? — ela disse, parecendo um tanto constrangida. — Ou quer que eu comece a falar sobre você? Cabelo entupido de gel, sapatos engraxados à perfeição, suéter e gravata? Eis aqui o guitarrista da The Noisy, senhoras e senhores.

— Eu tinha treze anos, Alison, fala sério. Nem era eu que escolhia minhas próprias roupas. — e, com uma expressão de quem sabia das coisas, completou: — Já você… olá, collant rosa choque e meia calça azul.

— A minha roupa era vintage, para a sua informação… e tem mais: para quem não gostou da minha apresentação, está parecendo que você estava bem atento aos detalhes — ela alfinetou.

— Sim, mas e quanto a você? Até especificou o quão engraxados os meus sapatos eram — ele zombou.

— Porque todo o seu visual era tão ridículo que foi impossível não notar — rebateu, jogando as tranças por cima dos ombros.

— Pois eu digo o mesmo — Zaden retrucou, fingindo também jogar o comprimento imaginário de seus cabelos para trás de si.

Loren olhou para mim e para Sebastian, nós três compartilhando sorrisos divertidos.

— Sou só eu que estou feliz por estar deixando toda essa vibe de último ano do ensino médio para trás? — Charles indagou, parecendo a serenidade em pessoa enquanto arrancava um fiapo invisível de seu sobretudo bordô. — Tivemos sorte de conseguir uma licença para sair bem na semana do MYH.

“Make Your History” – ou “Faça a sua história”, – é uma atividade que acontece todo final de ano para os alunos que estão prestes a se formar. Basicamente, você precisa escrever um pequeno artigo sobre si mesmo e pedir para outras pessoas adicionarem a opinião delas a respeito de quem você foi para a comunidade escolar. Com o passar dos anos, o MYH virou uma tradição e a maioria dos alunos adora tudo isso: a chance de fazer história uma última vez – além de haver um enorme mural no corredor principal do Instituto St. Davencrown, onde quadros individuais são emoldurados com as fotos e artigos dos estudantes que deixaram a escola no ano anterior.

— Vocês quatro têm mesmo sorte — concordei, com um suspiro. — Não vão ter que ficar no meio de todo o tumulto de alunos negociando uns com os outros em troca de receberem apenas comentários positivos em seus artigos.

— Eu já tinha esquecido desse aspecto decadente do nosso corpo estudantil. — Loren disse, com uma expressão altiva. — Se bem que, no meu caso, eu nem precisaria me dar ao trabalho de fazer uma negociação desse tipo. Todo mundo sabe que eu sou o mais simpático entre nós.

— Você, o mais simpático? Desse jeito? — Charles ergueu as sobrancelhas. — Não me faça rir, Ferrara.

— Como assim, Walters? Eu estou falando sério! Todo mundo que me conhece gosta de mim. Pode sair perguntando por aí.

— Nossa, como você apelou agora — Zaden debochou. — Todo mundo sabe que eu…

—  É óbvio que o Sebastian é o mais simpático. — Alison o cortou, dando um soquinho no braço do meu namorado, que riu.

O quê?  — Zaden exalou, em choque. — Dizer que o Sebastian é o mais bonito, ok, tudo bem, mas o mais simpático?

— Realmente, simpático ainda é muito pouco para ele. — Alison recomeçou, então estalando os dedos: — Carisma é a palavra certa!

— Alison, mas sou eu que…

— O Sebastian é mesmo o mais carismático — Charles assentiu para a irmã.

— É… eu acho que, se tratando do Seb, vou ter que dar o braço a torcer. — Loren adicionou, resignado. — Tem alguma coisa nele que faz mesmo com que as pessoas se sintam bem.

— É o sorriso — eu revelei.

Todos parecem ter um estalo, compartilhando da mesma opinião quase instantaneamente:

— O sorriso! — Alison exclamou. — Como eu não tinha me dado conta antes…

— O que é isso gente? Vocês querem que eu passe o contato do meu dentista? — Sebastian gargalhou, incrédulo.

— Ainda não acredito que vocês nem mesmo me consideraram para a posição — Zaden resmungou, emburrado. — Fala sério, Sebastian deveria ser aquele que é o mais gentil. Charles é o intelectual, Loren é o metido e eu sou o simpático. Ou carismático, sei lá.

— Ser um Don Juan não é ser carismático, Zaden — Alison afirmou.

— Ah, então agora só porque eu sou gostoso, não posso ser simpático? Isso chega até a ser descriminação.

— Se serve de alguma coisa, eu acho que você é tão simpático quanto o Sebastian — falei.

— Amor, como assim? Você tem que ficar do lado do seu namorado — Bash disse, então indicando Alison com o queixo. — Deixa que a Ali defende o Zaden.

Como foi que você disse? — ela começou, em um tom claramente ameaçador. — Amélia, bata nele antes que eu bata.

— ATENÇÃO SENHORES PASSAGEIROS  DO VÔO SK3042 COM DESTINO À NOVA YORK…

— Ah, vocês estão aí! — uma voz masculina falou atrás de nós. — Eu estava começando a ficar preocupado. Da próxima vez, vamos vir todos juntos como eu sugeri. Já está na hora do embarque.

— É, nós estamos sabendo — Loren murmurou, olhando o relógio. — Só espero que não haja confusão com a minha bagagem de novo.

— Se você não tiver repetido a idiotice de enfiar todo o seu guarda roupa em uma mala, então não vamos ter problemas — o empresário dos meninos falou, logo abrindo um sorriso caloroso. — Alison, menina, já faz um tempo que não te vejo! Alguém aqui deu uma esticada, hein?

— Crescendo até o estrelato, Jonas — ela sorriu de volta, alegre.

— E é assim que deve ser — ele concordou, se virando para mim e estendendo a mão em cumprimento. — E você deve ser a famosa Amélia! É um grande prazer poder finalmente conhecê-la!

Assenti, sorrindo, apertando a mão dele determinada a combater a minha timidez:

— O prazer é todo meu, senhor Blake. Sebastian fala muito do senhor.

O homem sorriu.

— Não tanto quanto ele fala de você, isso é certo. E só Jonas, por favor. — ele pediu, cortando as formalidades. — É mesmo uma pena que tenhamos tão pouco tempo para conversar. Espero que Sebastian a leve em breve para uma visita ao meu estúdio.

— Eu vou levar — ele garantiu.

— Bem, eu vou deixar vocês se despedindo e vou esperar bem ali — Jonas apontou para a área de embarque. — Mas não demorem.

— Pode deixar — Charles assentiu, se virando para Alison, que já olhava para ele com olhos tristes. — Ei, que cara é essa? Eu vou estar de volta em uma semana. Enquanto isso, tente não arranjar encrenca com ninguém e nem exigir demais de si mesma durante os treinos de dança. E por favor, não vá começar a chorar.

— Eu não vou. — disse ela, fungando.

— Que bom. Agora venha aqui dar um abraço no seu… — ele não precisou terminar; em segundos Alison o tinha envolvido em um enorme abraço de urso.

Senti meu coração apertar quando os dedos de Sebastian tocaram os meus. Não tinha como adiar mais aquela despedida.

— Eu vou estar de volta em breve — ele disse, em voz baixa.

— Eu sei que vai — respondi, segurando seu rosto. — Se cuida por lá, está bem? E aproveita muito.

— Eu vou. E você, tome cuidado por aqui. — advertiu, muito seriamente. — Não se meta em nada que pareça ser perigoso. E se alimente direito. Me ligue todos os dias para contar como estão as coisas.

Revirei os olhos.

— Não é pra tanto, Sebastian. E eu vou ligar — assegurei.

Ele me encarou em silêncio por alguns segundos antes de se aproximar e me envolver em um abraço apertado. Segurei firmemente sua cintura, querendo sentir mais daquele calor que eu já conhecia e inspirando seu cheiro com força na esperança de que ele continuasse comigo mesmo depois que Sebastian fosse embora.

Ficamos juntos assim por um tempo que pareceu ser curto demais, apesar de eu saber que já estava prestes a se esgotar. Me afastei primeiro, porque sabia que Sebastian não seria capaz de dar um passo para trás.

— Está na hora — falei, sorrindo.

Ele assentiu, antes de me puxar para um último beijo que foi uma série de coisas: forte, intenso, apaixonado e cheio de promessas.

Perdi o ar.

— Eu te amo — Sebastian disse, acariciando meu queixo.

— Eu também te amo — balbuciei, sem ter um pingo de força para dizer em voz alta. Não se quisesse manter a compostura. Ele ouvira, no entanto.

— E tomem cuidado para que o Zaden não acabe sendo uma das bagagens extraviadas — Alison disse, ganhando sorrisos de Charles e Loren, que receberam Sebastian com alguns tapinhas nas costas assim que ele se juntou a eles. — Afinal, se ele não estiver lá, quem vai ser o guitarrista de vocês?

— O Sr. Sebastian Simpático sabe tocar guitarra — Zaden disse, antes de abrir um sorriso malicioso. — E não precisa ter medo, Alis. Eu vou voltar para te atazanar.

— Ah, vê se me erra.

— Você tem que parar de me acertar primeiro.

Mostrando o dedo do meio (gesto que Zaden retribuiu), Alison veio para o meu lado, e nós duas assistimos a Jonas e a cada um dos meninos passarem pela fila de embarque, até que não restasse mais ninguém além de nós duas e as poucas pessoas que haviam continuado ali mesmo após terem se despedido de seus entes queridos.

— Deveríamos ir embora — ela suspirou. — Ou pelo menos ver o avião deles decolar.

Arrepios percorreram a minha espinha com a ideia.

— Se você quiser ir, então eu te espero, mas prefiro ficar aqui. Assistir à aviões decolando me deixa uma pilha de nervos.

— Então vamos embora — ela disse, passando os braços pelos meus ombros. — Está a fim de tomar um sorvete? Porque eu definitivamente preciso de um.

— E eu não sabia que precisava até ouvir você falar.


— Sorvete de creme de avelã com amendoim é pra sempre o melhor — Alison disse, enquanto tomava sua última colherada.

— Chocolate e maracujá ainda supera — discordei, com a boca quase dormente de tanto tomar sorvete. Eu estava na minha terceira taça e Alison… bem, acho que na sexta? Ela devorava tudo rápido demais.

— Hmm, talvez chegue perto, mas a superar? Acho que não.

— Você que pensa — eu disse, colocando mais uma colher na boca. — O que você acha que os meninos estão fazendo agora? — perguntei, sem me conter.

— Bom, deixe me ver... O meu irmão provavelmente está lendo. Ele comprou um e-book sobre a história de um baterista famoso e anda meio obcecado. — ela começou, pensativa. — Loren deve estar dormindo. Ele sempre cai no sono com facilidade. Zaden com certeza está enchendo o saco de alguma aeromoça azarada e Sebastian está olhando fotos suas ao som de “Take My Breath Away”.

— Ha-ha-ha, você é tão engraçada.

— Você acha? Porque eu também acho — ela riu, roubando um pouco do meu sorvete. — Mas sério, eu acredito piamente que ele esteja fazendo isso.

Minha réplica irônica foi interrompida a meio caminho de ser pronunciada quando avisto uma figura familiar atravessar a rua e seguir em direção à esquina da avenida principal.

Me levanto imediatamente. Talvez o plano de espionagem que eu havia bolado meses atrás ainda estivesse de pé.

— Para onde você vai? — Alison questionou, franzindo a testa em confusão.

— A história é longa, mas em um breve resumo eu meio que acabei de avistar a mãe que andou desaparecida da minha vida durante dez anos atravessar a rua e tenho que descobrir para onde é que ela está indo.

A garota sentada à minha frente se levantou em um pulo, pegando sua bolsa antes de se colocar de pé ao meu lado.

— E o que é que estamos esperando?

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