CAPÍTULO 46
"Amo a filosofia otimista que o clima me faz adotar: há dias chuvosos, há dias ensolarados e há dias de neve. Há pontos positivos e negativos a respeito de todos eles: você sempre acaba encharcado quando está chovendo, suando quando o sol está muito forte e gripado durante uma nevasca, - e no meu caso, nem precisa haver neve para isso. Mas você também pode ficar sob um cobertor lendo e tomando chocolate quente durante uma tempestade, aproveitar o dia quente e sair ao ar livre e se divertir construindo bonecos de gelo quando a neve cai. JJ diz que o segredo para a felicidade é tentar enxergar o lado bom das coisas, mesmo quando tudo parece sair do seu controle. É bem desafiador, eu admito. Mas apesar de nem sempre dar certo, continuo tentando."
Diário de Amélia, 17/11/2018
Amélia
Sebastian desceu do carro que havia parado em frente a minha casa com um meio sorriso no rosto, seus olhos cobertos por óculos de sol que o deixavam com ares de um bad boy perigoso e conquistador que acabara de encontrar sua próxima vítima.
Tentei controlar sem sucesso o meu coração, que havia disparado como louco assim que tive a primeira visão do rapaz que parecia brilhar de alegria enquanto caminhava em minha direção. Como foi que você conseguiu se apaixonar tanto assim?, pensei comigo mesma, mal tendo tempo para raciocinar antes que os lábios de Sebastian encontrassem os meus.
— Agora o dia acabou de começar — disse ele, deslizando o polegar pelo meu lábio inferior. — Animada para o nosso passeio, meu coração?
— Tão animada quando alguém que foi dormir às quatro da manhã e teve que levantar às sete — fechei os olhos, que ainda estavam meio pesados de sono, enquanto Sebastian me beijava mais uma vez. — E você está com um gosto tão bom…
Ele ergueu um copo térmico que nem percebi que estava em sua mão.
— Vitamina de açaí. Pra te dar energia. Está bem geladinha.
Abri a tampa, tomando um gole considerável.
— Hmmm… e você bateu até chegar no ponto perfeito — suspirei em apreciação. — Está doce e cremosa.
Ele sorriu de satisfação, entrelaçando nossos dedos enquanto andávamos até o carro.
— Que bom que acertei, porque tive que fazer duas dessas. Uma mais densa do jeito que você gosta e outra mais parecida com um suco, que é como eu costumo beber.
— Sebastian, você não tinha que ter se dado ao trabalho — falei, um pouco envergonhada por ele ter perdido tempo tentando achar a textura perfeita da vitamina só para se adequar aos meus gostos. — Você também foi dormir tarde ontem. Deve estar cansado.
— Não estou cansado, e se ficar, eu tenho um energético — disse ele, abrindo a porta do veículo para que eu entrasse. — E com licença? Eu só quero mimar um pouco a minha namorada. Você pode me deixar fazer as coisas por você sem reclamar?
— Aff, você é tão irritante — eu disse, deslizando no banco de couro, erguendo os olhos para o rosto dele, que estava de pé do lado de fora. — E muito atencioso também. Obrigada.
— Não há de quê — disse ele, fechando a minha porta com um sorrisinho irônico de aprovação, logo depois dando a volta no carro e ocupando o assento do motorista ao meu lado antes de prender o cinto de segurança, se virar para mim e dizer: — E se criarmos um código secreto?
Franzi a testa, confusa.
— Como assim?
— Alguma coisa que seja só nossa. — ele começou, me olhando com verdadeiro interesse. — Por exemplo, você me agradece demais. Por que ao invés de falar, você simplesmente não me dá um beijo? Toda vez que você quiser me agradecer, venha e me dê um beijo, que tal? Eu não vou ligar.
Eu ri, incrédula.
— Sebastian… é a sua maneira criativa de dizer que quer me beijar?
Ele fez uma cara de espanto.
— Meu Deus, um milagre. Ela entendeu!
Lhe dei um tapa no braço, ofendida.
— Ei!
— Desculpe, amor, mas você tem tipo, o raciocínio mais lento do mundo quando se trata de reconhecer um flerte.
— Não acho??? — protestei, ultrajada.
Sebastian deu risada, tirando os óculos. Um raio de sol pincelou metade do rosto dele, mostrando com clareza a cor de seus olhos. Observei com um sorriso que eles estavam mais castanhos do que verdes, o que havia tempos não acontecia.
— Amélia, eu literalmente dei em cima de você desde o primeiro segundo em que a gente começou a se falar e você nunca teria desconfiado se eu não tivesse me cansado de esconder o jogo e tivesse deixado bem claras quais eram as minhas intenções com você.
Senti meu rosto esquentar.
— Isso não é um pouco injusto? Como eu ia saber que você tinha se aproximado de mim já no intuito de me conquistar?
— É bem óbvio quando um homem deseja uma mulher como mais que amiga dele. E eu em especial nunca soube esconder muito bem. Qualquer um que prestasse atenção sacava, menos você.
Revirei os olhos.
— Em minha legítima defesa, Mestre na Arte da Sedução, eu não pensava em você desse jeito e achei que você também não pensasse em mim assim.
— Teve uma vez — ele começou a contar, segurando o riso. — Uns meses atrás, naquele dia em que você e eu matamos aula, em que estávamos parados no sinal vermelho, eu estava te secando o tempo todo e, quando me aproximei e perguntei se você gostava de mim, você empurrou o meu rosto para longe e disse: “somos amigos, é claro que eu gosto de você”.
Foi a minha vez de rir. Eu lembrava desse dia.
— Primeiro: essa vozinha que você usou para me representar não tem nada a ver com a minha. Segundo: tem certeza de que você estava mesmo me secando? Porque eu não percebi. E terceiro: e mesmo se eu tivesse percebido, o que você acha que eu diria? “Sim, eu gosto de você, então por favor, encosta o carro e me beija”?
— Está bem, você está certa.
Não me dei por convencida.
— Ou talvez: “Sebastian, pelo amor de Deus, você vai me beijar ou eu vou ter que cuidar disso”?
— Você venceu, Amélia.
— “Bash, você deveria parar de olhar e fazer alguma coisa…
Ele ligou o rádio, me entregando o telefone dele.
— Por que você não escolhe uma música para irmos ouvindo no caminho? — ofereceu, com um sorriso tenso.
— Tudo bem... — eu falei, resolvendo não comentar nada sobre sua súbita mudança de comportamento. A fim de perguntar a Sebastian se ele tem alguma preferência do que ouvir, me viro em sua direção no exato momento em que ele está se ajeitando no banco, meus olhos não perdendo o volume em sua calça.
Desvio o olhar o mais rápido que posso, toda a pele desde a base do meu pescoço até a raiz dos meus cabelos ardendo com tamanho constrangimento.
— Eu não vi nada — murmurei, mortificada.
— É, isso explica o motivo de você estar com a aparência de alguém que ficou durante horas de molho numa piscina cheia de extrato de tomate.
Escondi o rosto com as mãos.
— Desculpa de verdade.
— Amélia — ele riu, tocando meu pulso. — Ei, não precisa ficar tão constrangida. Eu sou seu namorado. Isso iria acontecer mais cedo ou mais tarde. E, além do mais, pelo menos pude comprovar meu argumento com toda essa situação embaraçosa.
— Qual?
— Que é muito óbvio quando um homem quer uma mulher — respondeu, o carro ganhando vida sob nossos pés.
Humilhantemente, não consegui cumprir com o meu papel de parceira de viagem e dormi como um bebê depois de somente vinte minutos de estrada. Acordei somente quando o carro havia parado de se movimentar, meus olhos se abrindo repentinamente diante da luz do sol que atravessava o vidro.
— Você sonhou com o quê? — foi a primeira coisa que saiu da boca de Sebastian ao perceber que eu havia despertado. Ele olhava para mim atentamente, sua cabeça e braços apoiados contra o volante.
Esfreguei os olhos, ainda me adequando à luz.
— Como assim?
— Você estava murmurando alguma coisa enquanto dormia. E suas pálpebras tremiam o tempo todo, como se seus olhos estivessem se mexendo. Você estava sonhando.
— Eu murmurei? — que horror, pensei. — O que mais eu fiz? Me sacudi? Babei? Falei algo que não devia? Eu sou meio inquieta quando estou dormindo. — falei, em tom de desculpas.
— Não pareceu. Na verdade, você fala muito baixo, então quase não dá para ouvir. E você é quietinha até quando dorme — ele falou, com ares de quem está a discorrer sobre uma maravilhosa descoberta científica. — Caiu no sono de braços cruzados com a cabeça encostada na janela e não moveu um músculo sequer. Se não fosse o movimento dos seus olhos e dos seus lábios, eu já teria conferido a sua respiração.
Imaginei a mim mesma dormindo de modo tão perturbador e fiz uma careta.
— Você bem que podia ter me acordado ao invés de ficar aí parado só olhando. Por quanto tempo eu dormi?
— Somando o tempo que faz que estamos parados aqui mais o tempo que você passou dormindo enquanto eu dirigia, cerca de uma hora e meia — Sebastian suspirou, conferindo o relógio antes de me encarar com seriedade: — E eu não ousaria te acordar. Você é uma visão e tanto.
Respirei fundo, sentindo meu rosto esquentar. Ele não podia ser real.
— Eu tenho certeza de que você fala essas coisas de propósito — falei, destravando o cinto de segurança.
Ele dá uma risadinha, pegando uma enorme cesta do banco de trás.
Arregalo os olhos.
— Nós vamos fazer um piquenique?! — perguntei, animada. E talvez um tanto assustada com o tamanho da cesta. — Por que você não me disse? Eu podia ter ajudado a preparar as coisas.
— Claro que podia, mas a minha intenção era fazer uma surpresa — ele disse, abrindo a porta do carro. Fiz o mesmo, pondo uma mão ao redor dos olhos para não enfrentar toda a intensidade do sol. Logo, logo seria verão. — E você trouxe a sua câmera, não foi?
Assenti com a cabeça, tocando o cordão da máquina fotográfica polaroid ao redor do meu pescoço. Sebastian não tinha revelado as atividades que faríamos durante o dia, mas havia me mandado uma lista minúscula de coisas que eu precisaria levar, entre elas: a câmera, meu diário e roupas de banho.
E eu estava em posse de todos os itens, incluindo um maiô em um tom pastel de lilás por debaixo dos meus shorts jeans e blusão azul escuro. (Não que eu estivesse planejando entrar na água, de qualquer jeito).
— Tome — Sebastian apareceu do meu lado, erguendo seus óculos de sol e os colocando em meu rosto. — Pronto — ele disse, assobiando em puro deleite. — Minha garota de óculos escuros. Muito melhor em você do que em mim.
Sorri, me sentindo derreter de amor por dentro. Era comovente o quanto ele prestava atenção aos detalhes e nunca deixava passar nada, nem uma coisinha sequer. Estava sempre atento a mim, pronto para me dar aquilo de que eu nem sabia que precisava. Fosse o calor de seus braços, uma música, uma vitamina gelada ou um simples par de óculos para proteger meus olhos do sol. Meu ponto de segurança em meio ao caos.
Segurei sua mão, envolvendo-a com firmeza entre meus dedos.
— Obrigada — murmurei, beijando seu dorso. — Agora, para onde vamos? — dou uma olhada ao redor, vendo somente árvores, grama e pedras. E azul. Uma imensidão de céu azul. — É lindo aqui.
— Ainda não chegamos. Temos que andar um pouquinho antes — ele respondeu, puxando a minha mão. — Por aqui.
Deixando para trás a calçada asfaltada onde estávamos, seguimos por uma estreita trilha de areia, a grama alta fazendo cócegas em minhas pernas. Andamos durante cerca de cinco minutos antes que eu percebesse que aquele era somente o topo de uma grande depressão; mais abaixo, uma enorme porção de areia se estendia adiante até encontrar o mar, que, em toda a sua imensidão, tocava um horizonte inteiro que estava muito além do que a nossa vista era capaz de alcançar.
Deus. A visão de tudo aquilo...
— Isso aqui parece de outro mundo — falei, mal recuperando o fôlego. — É… lindo de uma forma que não me cabe explicar. Acima de qualquer cenário de filme. O tipo de coisa que serviria de inspiração para a poesia.
— Eu sabia que você iria gostar — Sebastian disse, respirando fundo. — Esse lugar é uma das poucas coisas que parecem terem sido intocadas pelas mãos da humanidade. Não há barulho, superlotação, barracas de venda ou lixo. Só… o silêncio, ar puro e a canção do mar.
Olhei para ele, extasiada.
— Guarda essa expressão. Quero tirar uma foto sua.
— Minha?
— Uhum — eu ri da sua cara toda embasbacada. — E qual é a surpresa? É tão chocante assim eu querer uma foto do meu namorado lindo no lugar mais bonito em que já estive?
Ele coçou a nuca, parecendo todo sem graça. Tentei não revirar os olhos pensando em como alguém podia não ter vergonha de ser pego com uma ereção na frente da garota de quem gostava, mas ficava parecendo uma criança envergonhada quando ela pedia para tirar uma foto dele.
— Acho que… não? — respondeu, meio em dúvida.
— É claro que não — falei, me afastando enquanto ligava a câmera, levantando-a na altura dos meus olhos. — Agora, senhor Dubrov, você vai olhar para mim e me dar aquele sorriso.
— Por que não tiramos uma foto juntos? — ele indagou, franzindo a testa. — Fico me sentindo meio sem jeito de tirar uma sozinho.
Sacudi a cabeça.
— Depois tiramos uma juntos. Quero uma só sua.
Ele deu risada, estendendo a mão na minha direção em um sinal claro para que eu a pegasse e fosse ficar ao lado dele. Flash.
Minha máquina polaroid fez um leve ruído, a foto de Sebastian aparecendo em minhas mãos um segundo depois.
— Nossa, mas que fotogênico! Essa com certeza vai para a capa de revista. Mais um clique aqui para nós, senhor Dubrov — pedi, segurando o riso.
— Ah, como você está toda piadista. Você vai ver uma coisa… — ele disse, vindo até mim.
Com medo de acabar presa em mais uma das suas sessões de cócegas torturadoras, corri para o outro lado, aproveitando o fato de que estava praticamente de mãos vazias enquanto ele tinha de carregar aquela cesta de piquenique tamanho família. No entanto, descobri que isso não mudava o fato de que Sebastian ainda tinha pernas mais longas, então mudei minha estratégia de fuga e segui em direção às escadas de madeira que levavam até a praia logo abaixo.
Quando meus pés tocaram a areia, mal tive tempo de dar três passos antes que braços fortes envolvessem minha cintura, me erguendo do chão no ato.
— Sebastiaaaan! — gritei, enquanto gargalhava. — E a cesta, Sebastian?
— Primeiro eu pego a garota e depois a cesta. — disse ele, girando a nós dois, fazendo com os óculos saíssem voando do meu rosto.
— Assim você vai acabar quebrando todas as nossas coisas! — avisei, ao passo que ele fingiu não me ouvir e nos girou mais uma vez antes de finalmente me pôr no chão. — Graças a Deus — murmurei, indo apanhar os óculos da areia e limpando-os na barra da blusa antes de tirar a câmera do pescoço e colocá-la sobre a cesta de vime que Sebastian havia abandonado na areia, tomando o cuidado de pôr a foto por baixo para que o vento não a levasse.
— Você tem sorte de eu estar me sentindo caridoso hoje — Sebastian falou, tirando a camisa. — Ou estaríamos os dois rolando na areia.
— Hmm, ok, mas… por que você está tirando a roupa? — perguntei, tentando muito não encarar seu peito e abdômen definidos. Parece que instrumentos musicais não são as únicas coisas que ele levanta.
— Estamos numa praia — disse ele, em tom de obviedade, abrindo o zíper da calça e abaixando-as até os pés, exibindo um calção de banho preto que não cobria nem metade das coxas dele. E que coxas, me peguei admirando, ruborizando com o pensamento. — Vem, vamos dar um mergulho.
Balancei a cabeça.
— É que… eu não estou muito a fim — falei, me sentindo terrivelmente mal por mentir. — Mas você pode ir. E enquanto você nada, eu posso ficar aqui arrumando as coisas para o nosso piquenique.
Por alguns segundos, Sebastian não disse nada; apenas me encarou em silêncio, como se estivesse pensando no que dizer. Contudo, parecendo desistir, ele assentiu uma vez e então me deu as costas.
Sentindo boa parte da minha animação murchar, também me afasto, mas logo me viro de novo em sua direção ao ouvi-lo dizer bem atrás de mim:
— Talvez eu não devesse estar tocando nesse assunto e talvez eu esteja correndo um grande risco de estragar um dia que era para ser perfeito, mas… o motivo de você não querer tirar a roupa na minha frente são as cicatrizes no seu ombro?
Senti como se meu estômago afundasse.
— Naquele dia, você… você chegou a vê-las?
— Sim, eu as vi de relance — Sebastian assentiu, lentamente. — Mas não é isso o que me incomoda. Eu não ligo se você tem algumas cicatrizes na pele. Não é por causa disso que eu estou com você.
— Eu sei que não é — murmurei, num fiapo de voz.
Ele suspirou.
— Olha, Amélia. Essa conversa que estamos tendo agora… ela não é para pressionar você a entrar na água comigo ou a me deixar tirar a sua roupa da próxima vez em que estivermos juntos e as coisas ficarem mais intensas. Não é sobre isso. — ele fez uma pausa, e eu ergui o olhar dos meus próprios pés para que pudéssemos falar da maneira correta, que era olho a olho. Ao encará-lo, vi que o semblante de Sebastian estava tranquilo, suave até, apesar de eu conseguir identificar a seriedade ali dentro. — Amélia, você sabe que… você sabe que eu te amo, não sabe?
Senti a minha respiração falhar. Eu definitivamente não estava esperando isso.
— Bem, se você não sabia — ele deu um meio sorriso — o que, aliás, é a sua cara, agora sabe. Eu amo você, Amélia. Eu amo absolutamente tudo sobre você. Amo a maneira com a qual você segura a caneta e escreve no seu diário, o jeito como você fica concentrada quando está lendo e como consegue corar com as coisas mais bobas. Eu amo o seu sorriso, seus olhos, as sardas no seu nariz, a sua franja e a cor do seu cabelo. Idolatro a sua boca, tanto por você sempre saber a coisa certa a se dizer quanto pelas coisas que ela me faz sentir quando me beija.
— Sebastian...
— Você é a coisa mais importante do mundo para mim. É a inspiração para cada uma das minhas músicas, a primeira pessoa na qual penso quando acordo e a última com quem falo antes de dormir. Todas as vezes em que alguém me pergunta sobre como eu me imagino no futuro, eu quero responder que é com você, porque a verdade é que não existe um maldito lugar para mim que não seja do seu lado — ele disse, chegando mais perto. — Eu literalmente morreria por você. Então, se você não está se sentindo segura ou confiante o suficiente para deixar de viver se preocupando em cobrir essas cicatrizes, não precisa inventar um motivo qualquer e fingir que está tudo bem. É só conversar comigo. Eu não estou aqui para te julgar. Nunca, entendeu?
Toquei o braço dele, tentando achar alguma coisa na qual me firmar. Mais do que tudo, tentando achar a minha própria voz.
— Eu…
— Eu não pretendia te contar todas essas coisas agora porque sei que você não sente o mesmo, mas… — a oscilação que ouvi na voz de Sebastian quebrou meu coração. — Eu queria que você soubesse que, independente do que seja, vou estar aqui para te entender e te apoiar. Então a única coisa que eu peço a você é que me deixe ser o seu parceiro. Por favor, me deixe ser essa pessoa para você.
— Bash — eu o chamei, levando minhas mãos ao rosto dele, alinhando os nossos olhos. A emoção que vi dentro daquela infinitude de verde e castanho me atingiu bem no cerne do meu ser, fazendo com que eu me tornasse forte. Porque Sebastian estava tão vulnerável; ele havia desnudado seu coração por completo, por minha causa. Por ele, eu tinha que fazer o mesmo. — Você não precisa pedir por favor. Não precisa implorar por um lugar que já é seu. E que bobagem é essa de saber que não sinto o mesmo? É claro que eu sinto, Sebastian. Eu amo você.
Seus olhos me fitaram com o que pareceu ser genuína descrença.
— Você…
— Sim — eu assenti, balançando a cabeça. — Eu te amo, Sebastian — repeti, enxugando as lágrimas que haviam no canto dos seus olhos. — Por que você está chorando? Eu te amo muito.
Ele abriu um sorriso, piscando, mais lágrimas escorrendo pelo seu rosto.
— Não é nada, eu… — ele pigarreou, clareando a garganta. — Deus. Eu só não estava esperando que você me desse essa resposta. Eu não esperava mesmo.
— Sebastian, como não esperava? — eu indaguei, com carinho, beijando o canto dos seus lábios. — É claro que eu te amo. E é óbvio que você é meu parceiro. Quem mais seria se não o cara que devolveu o meu diário sem nem pensar em ler o que havia nele? Quem mais seria se não aquele que me escreve as músicas mais bonitas sem querer absolutamente nada em troca? — passei a mão pelos seus cabelos, penteando as mechas sedosas com os dedos. — Quem mais seria o meu parceiro se não o meu melhor amigo? — os ombros dele tremeram e eu o abracei com força, massageando suas omoplatas. — Não chora, meu amor.
— Desculpa. — Ele riu, me apertando contra si. — É que eu te amo muito. E é bom demais poder dizer em voz alta. Eu só preciso de um momento e nós voltamos para o nosso piquenique.
Acariciei suas costas, meu dedos saltitando pelos músculos lisos em seu corpo.
— E quanto àquele mergulho? — indaguei, abrindo espaço entre nós dois para poder olhar bem para o rosto dele. — Você… não quer mais?
Confusão cintilou em seus olhos.
— Amélia, você não precisa…
Assenti com a cabeça. Eu sabia que não precisava. Eu sabia que não tinha problema ficar em minha zona de conforto e não viver coisas novas. Eu sabia que estaria tudo bem somente admirar toda aquela extensão de água azul e não aproveitá-la. Mas aí era que estava.
Porque eu queria.
— Sebastian, hoje eu me despi na sua frente da maneira mais íntima que alguém pode fazer. Que diferença algumas roupas a menos fazem? — falei, me afastando e caminhando até onde a nossa cesta havia ficado. Inspirando com força, abri o zíper dos meus shorts jeans, soltando o ar quando os tirei pelos meus pés. Segurando a barra do blusão que estava usando, meus dedos tremeram apenas uma vez antes que eu o tirasse pela cabeça, sentindo o vento arrepiar os pelos em minha nuca.
As cicatrizes eram tiras de pele avermelhadas que começavam na parte lateral do meu ombro e desciam até quase o meu cotovelo. Elas já tinham diminuído até o ponto de se tornaram regulares com o tratamento, mas nunca desapareceriam se não fosse por cirurgia. E o risco de novas surgirem com um procedimento desses era o bastante para que eu não quisesse tentar.
Dobrando as roupas rapidamente e deixando-as em uma pilha na areia, respirei fundo antes de me virar para Sebastian, que estava de pé mais a frente, me encarando, a mão estendida em minha direção. Andei até ele e uni nossas palmas, recebendo um dos sorrisos mais luminosos que já tinha visto até então. Impossível de não brindar à felicidade do momento, lhe sorri de volta, alegria sincera enchendo o meu peito enquanto caminhávamos até o mar.
Conforme avançava mais ao fundo na límpida água azul-esverdeada, uma liberdade que nunca havia sentido antes começou a tomar conta de mim, chamando o meu nome cada vez mais e mais alto.
— Você lembra quando eu te disse que queria ser uma nova versão de mim? — perguntei a Sebastian, que nadava ao meu redor. Ele anuiu, com um leve assentir. — Eu acho que, naquele dia, só considerei mudar algumas partes e deixei o resto na teoria, porque, apesar de ter tentado coisas diferentes das quais eu estava habituada, sempre me impus limites. — Ele veio até mim, a água ondulando entre nós dois quando suas mãos tocaram minha cintura. — Você sabe, para o que eu podia e não podia fazer.
— Não existe nada que você não possa fazer, meu coração — Sebastian disse, sua mão tocando a dobra do meu joelho. Mesmo que ele estivesse agachado debaixo dʼágua, a nossa diferença de altura ainda era gritante. Entendendo o que ele queria fazer, passei os braços por seu pescoço e imediatamente fui levantada, minhas pernas abraçando o seu tronco. Ele sorriu, nos levando um pouco mais para o fundo. — Viu só? Todas essas limitações… elas estão só na sua mente.
— Agora eu sei disso. — murmurei, suspirando ao senti-lo beijar o meu ombro. — As cicatrizes não te incomodam mesmo? Nem um pouco?
Ele sacudiu a cabeça, beijando-as outra vez.
— Nem um pouco.
— Eu parei de usar roupas que mostrassem meus ombros e braços porque as pessoas sempre me olhavam estranho na rua — contei, não mais acanhada de falar a respeito. — Uma vez uma senhora perguntou se eu havia me automutilado e então me deu um sermão sobre como eu deveria ter vergonha de dar esse mau exemplo para as meninas da minha idade.
— Mas que intrometida detestável — ele falou, em tom desaprovador. — Se eu estivesse lá, ela teria ouvido um monte sobre empatia, bons modos e o conceituado ato de manter a boca fechada quando não se tem nada de bom pra dizer.
Eu ri.
— Pode deixar que da próxima vez eu não vou ficar calada. — Então engoli em seco, lembrando de uma coisa que estava me incomodando há algum tempo: — Bash… sobre você se mudar para Nova York com os meninos…
— Amor, você não precisa se preocupar com isso agora.
— Mas eu me preocupo — insisti, procurando os olhos dele. — Eu fiquei chateada por ter ouvido essa história pelo Charles. Meu namorado vai se mudar para outra cidade e todo mundo sabe menos eu?
— Eu não queria guardar segredo de você. — ele começou, a voz rouca e baixa. — Eu só queria esperar um pouco para poder te perguntar sobre quais eram os seus planos.
— Os meus planos? — questionei, perplexa.
Sebastian assentiu.
— É. Os meus planos dependem da sua resposta.
— Eu… — começo, meio incerta do que dizer. — A verdade é que não sei o que pretendo fazer ainda. Gosto muito de escrita criativa, mas também considero psicologia, porque são profissionais dessa área que ajudam pessoas que sofrem dos mesmos problemas que eu. Mas também há a dúvida sobre ter a habilidade necessária para trabalhar com isso. E também não sei se faria um bom trabalho como escritora.
Sebastian emitiu um som de descrença.
— Ei, fala sério. Você seria incrível fazendo qualquer coisa. E o papo sobre parar de criar limitações?
— Você tem razão — falei, culpada. — Tenho que abandonar esse hábito.
— Tem mesmo — ele concordou, tocando minhas costas. — Mas você sabe que se não estiver pronta para começar nada agora, pode tirar um ano só pra você, né? Para pensar um pouco, espairecer. Seguir o seu tempo.
Considerei a possibilidade. Um ano para compreender o que eu realmente queria fazer da vida. Um ano para me conhecer melhor. Um ano para renascer como uma Amélia diferente.
— Talvez eu faça isso — pensei, formigando de empolgação. — Seria bom para mim.
— Não é?! — ele exclamou, soando ainda mais animado do que eu. E então, contendo a si mesmo, continuou: — Se você for tirar mesmo um ano sabático, você consideraria ir para Nova York comigo?
Fiquei sem reação, boquiaberta por alguns segundos.
— Sebastian… c-como assim? — gaguejei, um pouco tonta. — Você está falando de… morarmos juntos? Eu entendi direito?
— Se você quiser, é claro — ele continuou, timidamente. — No início dessa semana eu e a banda vamos até lá por causa de um convite que recebemos para fazer parte de um programa, então vou aproveitar para ver alguns lugares. — continuou, devagar. — Eu sei que, se você viesse ficar comigo, eu gostaria muito. Mas se não funcionar pra você, então que se dane a distância: pego um avião e venho te ver toda semana.
Eu ri, ainda meio sem acreditar. (Apesar de a ideia parecer cada vez menos louca conforme eu me acostumava com ela.)
— Eu vou pensar nisso — foi a minha resposta final. — Mas sem expectativas.
— Sem expectativas. — Sebastian se prontificou, erguendo o mindinho. — Mas me prometa que vai pensar com carinho
— Eu prometo — falei, selando nosso acordo. — E vocês vão aparecer em um programa de TV em Nova York? Que chique.
Ele abriu um sorriso malicioso, me segurando mais firme contra seu peito.
— Esse é o só o começo do sucesso do seu namorado, amor. Quero ver você se gabando de mim.
Eu semicerrei os olhos, aproximando nossos rostos.
— Eu já tenho muito do que me gabar sobre você, seu cantorzinho convencido… — o beijei, antes de Sebastian mergulhar a nós dentro dʼágua, nossas bocas ainda juntas quando submergimos.
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