CAPÍTULO 44

“É engraçado pensar no início de algo. Como quando você começa uma coisa que no princípio parece ser tão pequena e que de repente se torna uma das partes mais importantes da sua vida. Acho que esse pode ser realmente um ótimo passatempo: anotar em meu diário o momento em que comecei a fazer uma coisa nova e alguns meses depois escrever o desfecho que ela teve.”

  Diário de Amélia, 27/06/2019

Amélia

Durante as três semanas que se seguem após o jantar na casa de Sebastian, toda a empolgação e ansiedade pré-lançamento do álbum da banda vai aumentando tanto quanto a temperatura de um forno ligado. A agenda dos meninos tem estado tão lotada que eles chegaram ao ponto em que precisam escolher entre os lugares em que vão tocar e aqueles nos quais não vão poder comparecer. O single da banda, “No matter how I try, I can't get you off my mind”, é uma febre total e Sebastian disse que não há uma só vez em que o público do lugar onde se apresentam não pede para que eles a toquem, – mesmo que essa seja sempre a primeira faixa no repertório deles.

Era uma quinta-feira à tarde e estávamos todos – Alison, os meninos e eu, – reunidos na sala de estar da casa de Sebastian logo após o fim de mais um ensaio da banda (que por um milagre tinha acabado antes das seis da tarde), quando Zaden pulou do sofá gritando:

— Faltam dois dias para que o álbum seja lançado e o nosso vídeo tocando na festa da Caitlin já ultrapassou mais de quatro milhões e meio de visualizações no YouTube — ele anunciou, erguendo o telefone para que todos nós pudéssemos ver. — Isso, tipo, em menos de três meses! Estamos famosos pra caralho!

— Olha a boca! — Martha gritou da cozinha.

— Foi mal, Mart! — Zaden gritou de volta, com uma careta de culpa — Mas como eu estava dizendo, estamos famosos pra caramba!

— O vídeo da nossa apresentação foi assistido mais de quatro milhões de vezes? — Sebastian indagou, perplexo. — Uau. Tipo, isso é…

— Incrível! — Lorenzo completou, pesquisando o vídeo em seu próprio telefone. — E olha que dessa vez eu juro que não coloquei o vídeo no modo repetir para ficar assistindo trezentas mil vezes por dia. Será que chega a dez milhões de views até a festa de lançamento no sábado?

— Talvez, mas não é só isso — Charles disse, sorrindo como uma criança que tinha acabado de ganhar um doce. — Já tem mais de seiscentas mil curtidas. Sabe o que significa? Que seiscentas mil pessoas clicaram no nosso vídeo e gostaram.

— Cara, isso é tão perto de um milhão — Sebastian disse, sua voz falhando em conter o entusiasmo. — Quase um milhão de pessoas já ouviu a nossa música.

— E do jeito que as coisas estão indo, daqui a pouco um milhão de pessoas vai seguir o papai aqui no Instagram — Zaden se gabou, realizando um high five com Lorenzo, que riu.

Alison estalou a língua, se inclinando na minha direção ao dizer:

— É possível existir alguém mais egocêntrico?

— É possível existir alguém mais estraga-prazeres? — ele revidou, olhando diretamente para ela. Seus doces olhos azuis pareciam duros como gelo agora. — Você deveria tentar não agir como uma criança pelo menos uma vez na vida, Alison. Esse é o nosso último ano no colégio antes de cairmos no mundo, então seria legal você ficar feliz por estarmos sendo bem sucedidos. Sei que implicamos um com o outro, mas somos amigos e isso já tá ficando chato.

— Eu? Agindo como criança? — ela repetiu, se levantando da poltrona ao meu lado onde estava sentada para encarar Zaden de frente. Com as botas que estava usando, o tamanho de Alison quase se equiparava ao dele. — E nosso último ano? Talvez tenha esquecido, mas eu não sou da mesma turma que vocês. Pode ser o último ano para todos aqui, mas não é o meu. Todo mundo de quem sou próxima está prestes a ir embora e eu vou ficar sozinha. E você vem me falar sobre seguidores e cair no mundo, Zaden? É exatamente como eu disse: você é tão egocêntrico que só vê a si mesmo e a mais ninguém.

Zaden, aquele que sempre tinha uma tirada ou réplica engraçada na ponta da língua, pareceu ficar sem palavras pela primeira vez.

— Alis, eu não... — ele começou, passando a mão pelos cabelos loiros. — Você sabe que eu não quis…

— E mais uma coisa — ela disse a ele, passando a alça da bolsa pelo ombro. — Você e eu não somos amigos.

E então saiu andando em direção à porta, deixando-o estático e boquiaberto no mesmo lugar.

— O que acabou de acontecer aqui? — Loren deixou escapar, perplexo.

— Vou atrás da Alison — eu disse, me levantando do sofá. — Acho que seria bom pra ela ter uma amiga com quem conversar agora.

— Obrigado, Amélia — Charles agradeceu, com o semblante preocupado. — E qualquer coisa, você me chama. Eu tenho notado que a Ali anda cada vez mais estressada conforme o final do ano vai se aproximando. Nós não sabemos como vai ser com a banda, mas é certo que não vamos continuar na cidade…

— Charles — Sebastian o interrompeu, tão suavemente que eu quase não consegui captar a intenção por trás do seu tom: ele não queria que eu soubesse.

Absorvi a informação em silêncio, sem demonstrar estar abalada.

— Eu vou falar com ela — repeti, me virando para seguir na direção da saída.

— Você volta? — Sebastian perguntou, segurando minha mão.

— Hmm… Eu tenho umas coisas pra fazer — menti, lhe dando um sorriso sem mostrar os dentes. — Nos vemos amanhã.

Sem dar a ele a chance de dizer algo a mais e me segurar por mais tempo, aperto sua mão levemente antes de soltá-la e seguir a passos apressados para o lado de fora.

Encontro Alison muito mais a frente, quase no final da rua, virada de costas para mim.

— Alison! — eu chamo seu nome, andando na direção dela, que olha de relance para trás antes de se virar mais uma vez. E é aí que eu percebo. — Ali, você… está chorando?

— É claro que não, oras. Você acha mesmo que eu choraria por causa de qualquer coisa que saísse da boca daquele idiota riquinho estúpido? — ela riu, finalmente me encarando. Estava sorrindo, mas o início do inchaço e as lágrimas no canto dos seus olhos eram inegáveis. — Mesmo que seja ele jogando na minha cara que todos os meus amigos e o meu irmão vão seguir em frente sem mim no ano que vem? Que eu vou ficar aqui, patética e esquecida enquanto eles…

Não esperei que continuasse e a abracei, dando a deixa de que ela precisava para colocar para fora o que estava sentindo sem se sentir constrangida por chorar.

— Eu estou aqui. Você pode se abrir comigo.

— Você consegue me entender, não é, Ames? Meu irmão é o meu melhor amigo, então mesmo quando ele se juntou aos meninos sempre fez questão de me incluir em tudo o que podia para que eu não ficasse de fora — ela tentou conter um soluço, sem sucesso. — Eu cresci com todos eles, Amélia. Aprendemos a andar de bicicleta juntos. Vou sentir muitas saudades.

Pisquei para afastar as minhas próprias lágrimas. Eu podia imaginar como ela estava se sentindo e era de partir o coração. Poucas coisas eram tão assustadoras quanto ficar sozinha. E eu, apesar de ter passado a maior parte da vida contando apenas comigo mesma além dos meus avós, sabia bem disso. Quando você se habituava à presença de alguém, quando começava a contar com ela para dividir todas as coisas e a ansiar por sua companhia… a noção de saber que em breve vocês iriam se separar era o pior tipo de balde de água fria.

“Nós não sabemos como vai ser com a banda, mas é certo que não vamos continuar na cidade.”

— Você não vai ficar patética e esquecida, Ali. — eu disse, engolindo o bolo que se formava em minha garganta e abrindo espaço entre nosso abraço para poder olhar para ela. — Você é literalmente a garota mais incrível que eu conheço. É engraçada, inteligente, talentosa, justa, compreensiva e ainda tem um excelente gosto para moda. E você ainda vai continuar sendo tudo isso, não importa onde esteja e com quem esteja. Você ainda vai ser você, Alison.

— Olha, eu já vim aqui para fora pra não chorar na frente de ninguém e você vem aqui e fala essas coisas? Sua chata — ela resmunga, antes de cair no choro mais uma vez por exatos dez segundos antes de se calar de repente, enxugando as lágrimas. — Pronto, passou. Meu rímel borrou?

Eu ri, negando com a cabeça.

— Nem um pouquinho.

— Ainda bem, porque esse chororô de agora foi só para testar se ele era mesmo a prova d'água.

— Que mentirosa! — exclamei.

Ela gargalhou.

— Eu diria que fiz da adversidade uma oportunidade.

— Você não existe.

— É, nem você. Somos boas demais para ser verdade — disse, me dando o braço. — Nós podemos ir para sua casa ou dar uma volta no shopping? Não quero voltar para casa do Sebastian com a cara inchada e dar esse gostinho ao ridículo do Zaden.

— Ele não quis magoar você, sabe. — franzi a testa, parando para pensar um pouco no assunto: — Na verdade, se quer minha opinião, ele gosta muito de você. Mais do que você gosta dele.

O rosto de Alison se contorceu em uma expressão de nojo.

— Ew! Quem disse que eu gosto dele? Eu o detesto. E depois de ele ter me humilhado na frente de todo mundo daquele jeito, eu definitivamente o odeio.

— Até parece. Você vai sentir falta dele.

— No meu coração não tem espaço para sentir falta do Zaden, Amélia. Vou estar muito ocupada morrendo de saudade do meu irmão — ela então olhou para mim, pigarreando: — E você e o Sebastian? Já conversaram sobre isso?

— Para ser sincera, eu só fui saber hoje que eles pretendiam deixar a cidade logo após a formatura. E isso só por causa do seu desentendimento com o Zaden, porque caso contrário, eu não faria mesmo a menor ideia — soltei o ar, expirando profundamente. — Mas eu entendo. Acho que Sebastian não planeja que o nosso namoro dure até lá.

Alison parou de andar, erguendo as sobrancelhas.

— Com licença? — ela disse, incrédula. — É óbvio que ele planeja. Na real, se eu fosse você, já teria dado uma chacoalhada no Seb para ele se tocar de que vocês não vão se casar aos dezoito anos. Ou vão?

Engasguei.

— Você está louca? É claro que não! Quem é que está falando de casamento aqui?

Ela deu de ombros.

— Bom, ninguém, mas eu conheço o Sebastian e sei que isso já passou pela cabeça dele pelo menos umas vinte vezes. Tenho certeza de que em um dos cadernos dele de cálculo avançado deve ter “Sebastian + Amélia = amor eterno” circulado por uma série de corações.

Eu revirei os olhos.

— Agora você só está se divertindo.

— Um pouco disso também, mas uma coisa é certa: ele não planeja que o relacionamento de vocês acabe daqui a dois meses. Mesmo que ele não tenha conversado com você sobre os planos da banda, pode ter certeza de que em algum momento ele vai.

— É, eu meio que sei disso. Mas ainda assim foi meio chato ficar sabendo disso por outra pessoa.

— Imagino que sim. Mas logo, logo vocês dois vão resolver isso, você vai ver.

Espero que sim, pensei.



Sebastian




— O anúncio sobre a festa de lançamento do álbum da banda está em todo lugar e o número de compartilhamentos só aumenta — Jonas, nosso empresário, comemorou, virando o notebook para que pudéssemos conferir os índices de interesse do público quanto ao nosso primeiro trabalho. Sorri, porque absolutamente tudo o que se referia à The Noisy estava em alta. — A repercussão foi muito maior do que eu imaginava, rapazes. Jornalistas de cinco revistas diferentes estão vindo para entrevistar vocês nessa festa. Isso vai promover demais o álbum, porque os artigos que eles vão publicar sobre a banda vai fazer com que ainda mais gente fique sabendo da The Noisy.

— Estou com as expectativas lá em cima para essa festa — eu disse, esfregando as mãos. — Como andam todos os preparativos, aliás?

— Não se preocupe com isso, a minha assistente já está cuidando de tudo. O seu foco deve ser em descansar essa voz para o show. Lembre do que o seu otorrinolaringologista disse: poupar esforços quando não forem necessários e beber bastante água.

— Já tenho seguido as recomendações à risca.

— Saca só isso, Zad — Loren disse, apontando para a tela. — As visualizações do nosso vídeo no YouTube duplicaram.

— Legal — ele respondeu, sem mover um músculo de onde estava, no divã da sala de ensaios da gravadora, a palheta da guitarra entre os dentes e o instrumento nas mãos.

Jonas franziu a testa, baixando o tom de voz:

— O que há com ele? Já faz uns dois dias que está assim meio borocoxô.

— Eu consigo escutar você daqui, Jon.

— Sendo assim, por que não me diz o que aconteceu para eu ver como posso ajudar? — diante do silêncio de Zaden, Jonas começou a listar possibilidades: — Brigou com o pai? Uma das suas irmãs se meteu em confusão de novo? Aquela dor no pulso voltou e você não está conseguindo tocar direito?

— Ele falou merda para a minha irmã e agora ela não olha mais na cara dele — Charles respondeu por ele, enquanto examinava sua bateria com o cuidado e criticismo de um cirurgião.

— Ah. Nesse caso, acho que não vou poder ajudar — Jonas se desculpou. — Mas o que foi que você falou pra ela?

— Eu fiz um comentário bobo sobre ganhar um monte de seguidores e ficar famoso, daí ela me chamou de egocêntrico — ele disse, sem tirar os olhos das cordas da guitarra. — Não foi nada demais, sabe, é assim que a gente se entende. Só que dessa vez eu meio que me doí com o que ela falou e acabei agindo feito um idiota, dizendo umas coisas sem pensar que foram muito injustas e que ela não merecia ter ouvido.

— É, você foi bem babacão mesmo. — Loren concordou, arrancando um sorriso meu e de Charlie.

— Eu já disse pra você que ela só vai te perdoar se você implorar — falei.

— Isso é perda de tempo, cara. Você sabe como a Alison é rancorosa. Ela não perdoa ninguém.

— Ela perdoaria você. Vocês são amigos.

— Somos nada, você não ouviu o que ela disse?

— Pô, Zad, você vai chorar? — Loren riu, recebendo um tapa de Jonas na cabeça.

— Não dê ouvidos pro Lorenzo. — ele começou, olhando para Loren com repreensão. — Mas vem cá, rapaz, que desânimo é esse? Você é Zaden Philip Le Blanc, o cara, o guitarrista da The Noisy. Se a sua amizade com a Alison é tão importante, você vai fazer o que for preciso para não perdê-la. Qual é, estou com vocês desde a época em que nem tinham que fazer a barba. — Jonas fez uma pausa, murmurando: — Bom, um de vocês ainda não tem.

— Ai, se for vir com essa de novo, eu vou vazar. — Loren avisou, cruzando os braços.

Todos nós o ignoramos.

— O meu ponto é: vocês são homens agora. E homens de sucesso. Em tudo o que fazem, ok? Vai fundo. — ele concluiu, antes de seu telefone começar a tocar e ele precisar sair para atender. — Jonas Blake falando.

— Eu acho que acabei de ter uma ideia — Zaden disse, animado, antes de voltar a se concentrar em sua guitarra.

— É... agora quero saber quando você vai falar com a sua namorada sobre a gente se mudar para Nova York com o Jonas no ano que vem — Charles falou, sentando do meu lado.

— Ainda não temos nada definitivo, Chuck. Eu não quero conversar com Amélia sobre isso até saber que vou estar dizendo tudo exatamente como vai ser.

— Tudo bem, eu entendo. Mas todos nós vimos a cara que ela fez quando eu toquei no assunto.

— É, ela ficou claramente desconfortável — Loren assentiu.

Não pude evitar uma careta. Eu sei.

— Quando eu tiver ajeitado tudo, ela vai ser a primeira a saber. A única coisa que eu não quero é fazê-la acreditar em algo que não vai acontecer.

— Bom, você quem sabe.

— GAROTOS! — Jonas gritou, fazendo com que todos nós olhássemos para ele parado do lado de fora da porta do estúdio. — A The Noisy acaba de ser convidada para se apresentar em um dos programas de maior audiência do país. Em Nova York!

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