CAPÍTULO 33
“Querido Diário,
Há tantas coisas que são difíceis de falar. Tantas coisas que são até mesmo difíceis de sentir. E as vezes eu só tenho vontade de gritar e colocar tudo para fora, mas não sei como e nem se consigo. A minha terapeuta diz que chorar faz bem e que gritar trará uma sensação libertadora. Não vou ser fraca por causa disso. E talvez ela tenha razão. Talvez eu só tenha que me permitir ficar triste, me permitir chorar e então finalmente seguir em frente. Mas de novo: tudo isso é tão dolorosamente difícil. E desistir é um caminho tão mais fácil.”
Diário de Amélia, 15/12/2019
Amélia
Estou saindo de uma longa e cansativa aula de biologia quando sou interceptada por três animadas e tagarelas Alison, Kimmie e Pamela.
— Aí está você! — Ali exclamou, com um sorriso de orelha a orelha. — Viemos te chamar para assistir a apresentação do meu clube de dança.
— Que apresentação? — perguntei, confusa, só agora notando a nova roupa de Alison, que incluía meia-calça arrastão, coturnos pretos brilhantes, uma saia cinza xadrez cheia de tule rosa por baixo e um cropped justo com pontos brilhantes que juntos formavam a palavra B.O.S.S, num modelo que deixava os ombros à mostra e descia em um tecido transparente até os pulsos. — E uau. Você trocou o uniforme por um visual bem punk. Combinou bem com você.
As tranças de seu cabelo rosa claro estavam presas em um rabo de cavalo alto, e seus olhos estavam com um delineado rosa perfeito. Parecia uma diva do pop-rock.
— Essa era a ideia — ela bateu palmas, mal contendo a empolgação. — Eu sou a líder do grupo de dança que vai se apresentar hoje e todas nós estamos vestidas de acordo com as músicas que vamos coreografar. Vai começar em vinte minutos, no auditório do segundo andar. Eu já deveria estar lá, mas dei uma fugida para te encontrar e te chamar para assistir e me dar um pouco apoio moral.
— Isso é incrível, Ali! — exclamei, surpresa com o fato de ela liderar um clube de dança. Se bem que realmente era a cara dela, levando em conta o quão elétrica e genuína ela era. — Será um prazer te dar apoio moral, mesmo que você claramente não precise dele.
— Isso! — ela deu um gritinho de ansiedade, me abraçando rapidamente. — Estou tão feliz que você vai! — então se virou para Kimmie e Pamela. — Quase esqueci. Estas são minhas amigas do jornal da escola, Kim e…
— Já nos conhecemos — Pamela disse, sorrindo amigavelmente para mim. — Fazemos aula de francês juntas, não é? Você é a caladona. Na verdade, acho que só estou te ouvindo falar agora.
Assenti, um tanto sem graça.
— É, essa sou eu.
— Amélia é muito reservada e uma pessoa bastante tímida, então cuidem bem dela — Alison avisou, fazendo sua melhor imitação de mãe coruja. — Bem, tendo deixado você em boas mãos, vou correr para ver como estão as meninas. Vejo vocês lá, beijos! — e então saiu em disparada pelo corredor, atraindo olhares de todos por quem passou.
Kimmie riu.
— Acho que ela poderia iluminar um bairro inteiro com toda essa energia. — disse a ruiva, se virando para mim. — Então Amélia, não me lembro de ter te visto por aqui. Você estuda no Instituto há muito tempo?
Cocei a lateral do rosto, me sentindo um tanto constrangida.
— É, bem… na verdade, eu estudo aqui desde os sete anos — dei um sorriso sem mostrar os dentes.
Kimmie corou.
— Meu Deus, sério? Ai, agora estou morrendo de vergonha.
Vendo como ela estava se sentindo culpada, imediatamente neguei com a cabeça, erguendo as mãos em um sinal para que ela não se preocupasse:
— Não, não, não precisa ficar com vergonha. — falei, meio rindo. — É culpa minha, na verdade. Eu não faço parte de nenhum grupo, como você e a Pamela do jornal da escola ou como a Alison, que até lidera um grupo de dança. E além disso, faço um ótimo trabalho em ficar nos bastidores, então… é totalmente compreensível que você não tenha me notado.
— Hmmm, pode até ser, mas nos últimos dias você não tem feito um trabalho assim tão bom em ficar nos bastidores — Pamela me cutucou, com um sorrisinho de quem sabia das coisas. — E sim, estou falando de você e Sebastian Dubrov.
Kimmie arregalou os olhos, dando um tapinha no ombro da amiga.
— O quê? Por isso que os dois chegaram juntos hoje de manhã! — então se virou para mim, com um sorriso malicioso: — Garota, você é perigosíssima! Saindo do anonimato direto para ocupar o título de namorada de uma lenda. Sebastian é tipo, uma celebridade local, não é, Pam?
— M-mas nós não estamos…
— Tipo não, ele é uma celebridade local. Você lembra daquele episódio no qual uma garota tweetou que estudava na mesma escola que os caras da The Noisy e um monte de meninas montaram guarda do lado de fora dos portões com cartazes que estampavam a foto do Sebastian? — ela riu, sacudindo a cabeça. — Foi a maior loucura! E ele ainda deu autógrafos para todas elas!
Se não em choque, eu estava no mínimo assombrada. Quer dizer, naquele dia no pub em que os meninos se apresentaram o lugar estava lotado, mas eu nunca tinha parado para pensar que aquela gente toda estava ali só para vê-los. E agora estava ouvindo a história sobre um surto de fãs que ficaram fazendo hora na frente de um colégio para terem a oportunidade de simplesmente falar com Sebastian.
A cada minuto que passava ficava ainda mais surreal o fato de ele ter escolhido gostar logo de mim.
Me recuperando da notícia, eu falei:
— Acho que houve um mal entendido. Não é como vocês estão pensando. — sorri, tentando convencer a elas e a mim mesma também. — Sebastian e eu somos apenas amigos. Viemos juntos porque somos vizinhos e ele se ofereceu para me dar uma carona, mas nada além disso.
Pamela ergueu uma sobrancelha.
— Ah, é? Então parece que vocês dois estão em duas páginas diferentes de um relacionamento, porque o jeito como ele te olhou quando você se afastou para falar com a Alison foi de deixar qualquer um suspirando pelos cantos.
— Sim!, você também notou? — Kimmie exclamou, balançando a cabeça em concordância. — Eu poderia jurar que havia pequenos corações naqueles dois olhos verdes.
— Ah, parem com isso — falei, já sem nenhuma convicção.
— Você só está negando por pura humildade — a garota de cabelos ruivos e óculos tocou o meu ombro. — Ser modesta é bom, mas você pode se gabar por namorar o cara mais desejado da cidade.
— Eu já disse que nós não estamos…
— E veja só quem está vindo aí! — Pamela anunciou, indicando um ponto atrás de mim com o queixo.
Me virando na direção que ela apontou, eu me deparei com uma visão que poderia muito bem ter sido uma cena cortada de algum filme ou série adolescente.
Sebastian, Charles, Zaden e Lorenzo caminhavam – ou talvez a maneira mais apropriada fosse desfilavam – lado a lado pelo corredor, com as pessoas que também passavam por ali literalmente abrindo alas para que o quarteto tivesse total passe livre para onde quer que estivessem indo.
E para o infeliz e cada vez mais rápido declínio da minha carreira em me manter nos bastidores, eles estavam se dirigindo direto para onde eu estava, trazendo consigo quatro enormes e cegantes holofotes.
Metaforicamente falando, é claro.
— Olha só pra eles — Kimmie zombou, cruzando os braços. — Andando iguais a astros em um clipe, com as tietes enlouquecidas gritando seus nomes e a música Womanizer da Britney Spears tocando no fundo.
Sufoquei uma risada no exato segundo em que Sebastian parou à nossa frente, os amigos logo atrás.
— Damas — ele cumprimentou, lançando um rápido olhar para Pamela e Kimmie antes de se voltar para mim, fazendo uma reverência dramática. — Milady. Poderia este pobre servo ter a honra de saber o motivo de tão belo sorriso em vosso rosto esta manhã? — indagou, enquanto pegava minha mão e a levava até a altura de seus lábios. — Ou é demasiada ousadia de minha parte? — sussurrou, antes de depositar um beijo lento e suave no dorso da minha mão.
Sentindo o calor cobrir minhas bochechas com força total, eu tirei a minha mão da dele, soltando um riso de nervoso:
— Hum, err… Sebastian, o que deu em você? — perguntei, a fim de saber se ele havia perdido o pouco juízo que tinha.
Charles tossiu, tentando disfarçar a risada.
Zaden, também exibindo um sorriso largo, respondeu a minha pergunta:
— Acabamos de ter uma aula chata sobre Shakespeare e parece que o nosso amiguinho aqui saiu meio empolgado. — disse, dando uns tapinhas nas costas de Sebastian, que parecia altamente orgulhoso de sua encenação.
— E aí, como eu me saí? Quando li um trecho de Romeu e Julieta na aula, todo mundo aplaudiu. O professor disse até que eu levava jeito para ser ator!
— O que na minha opinião foi um grande exagero — Lorenzo adicionou – o que foi uma surpresa, visto que da última vez em que interagimos ele não parecia muito disposto a participar da conversa.
— É mentira do Loren, ele só está com inveja porque foi o primeiro a ser chamado para recitar e depois que o professor ouviu a interpretação ruim dele, disse: “parabéns, nota zero”.
— Para de inventar! Em nenhum momento ele disse isso!
— O professor pode até não ter dito, mas pela cara que ele fez, era exatamente isso o que ele estava pensando em dizer — Charles balançou a cabeça, como quem parava para avaliar uma situação. — Sejamos honestos: você podia ter feito bem melhor que aquilo.
— É, eu sei. Eu estava meio sonolento — Lorenzo tentou se justificar.
— Espera, então babar em cima da página que estávamos lendo agora é estar meio sonolento? — Zaden questionou, franzindo a testa de um jeito que deixava claro que estava sendo sarcástico. — Fico até me perguntando em que estado a Bela Adormecida deveria estar, coitada.
Nesse momento, Kimmie e Pamela explodiram em risadas, ao passo que eu comprimi os lábios com força para não acompanhá-las.
Pigarreando, toquei o braço de Sebastian.
— Eu e as meninas estávamos indo para o auditório assistir a apresentação de dança do grupo da Allie — falei, recebendo acenos de confirmação das garotas logo em seguida. — Vocês vão?
— Claro que sim — Sebastian assentiu. — Aliás, eu e os meninos viemos te chamar exatamente para isso. Queríamos que viesse com a gente.
— Sério? — ergui as sobrancelhas. — Todos vocês querem que eu vá?
Charles e Zaden fizeram que sim com a cabeça, enquanto Lorenzo suspirou.
— É. Todos nós queremos que você vá. — disse ele.
— E… — Sebastian instigou, o que fez com que eu olhasse na sua direção.
— O que está acontecendo? — perguntei, sem entender nada.
— Loren quer falar uma coisa com você. — ele respondeu, tocando minhas costas com uma mão e fazendo um gesto para que os meninos se juntassem a ele com a outra. — Eu, Zad e Charlie vamos indo na frente com Kimmie e Pamela enquanto vocês conversam.
Meio desesperada, agarrei o pulso dele.
— Sebastian…
— Está tudo bem. Confia em mim. — ele falou, em voz baixa, antes de beijar a minha testa e apontar para Lorenzo. — E você, cuide bem dela por enquanto e não me decepcione de novo.
— Gente, o que é que está haven… — Pamela começou, antes de Zaden pôr as mãos em seus ombros e virá-la para a direção oposta.
— Nada, não está havendo nada. Vamos logo andando que eu quero achar um lugar bom. — disse ele, seguindo pelo corredor junto a Sebastian, Charles e uma Kimmie muito desconfiada.
Deixando a mim e a Lorenzo em um silêncio pesado que achei que não terminaria nunca, até ele limpar a garganta e dizer:
— Eu… err, queria… você sabe, me desculpar por ontem.
Consegui dar um sorriso pequeno, extremamente desconfortável.
— Hmm. Achei que você já tinha se desculpado.
Lorenzo coçou a nuca, tendo ao menos a decência de parecer estar embaraçado.
— Acho que você e eu sabemos que não fui sincero.
Por essa eu não esperava.
— Eu agi como um… babaca com você. Te julguei mal antes mesmo de trocarmos meia palavra. Então me desc…
— Por quê? — perguntei, sem conter a mim mesma.
Ele pareceu desconcertado.
— Por que o quê?
— Ontem você me perguntou se eu fingia “ser muda” só para chamar atenção. — repeti o que ele tinha dito, sentindo uma leve pontada de mágoa. — Eu queria saber o porquê te dei a impressão de ser alguém que faria uma coisa dessas só para que um garoto bonito qualquer se interessasse por mim.
— Sebastian não é bem um “garoto bonito qualquer”.
Eu concordei.
— Sim. Agora que eu o conheço, sei que ele não é. Mas antes de correr para me ajudar durante aquela confusão no pub, ele era sim, pelo menos para mim, só um garoto bonito qualquer. — falei, coçando o cotovelo para não ter que encará-lo.
Nos últimos dias, falar tem se tornado fácil. Rir tem se tornado fácil. Dizer o que eu quero dizer tem se tornado fácil.
Porque Sebastian tem feito ser fácil. Com todos os seus sorrisos, as suas piadinhas impertinentes, flertes, preocupação e olhar atencioso. Um olhar de quem se importa. Não o de alguém que está se preparando para julgar ou zombar; de alguém que está pronto para te ouvir e te aceitar. E eu sei bem como é difícil ser aceita.
Falar com Alison também não tinha sido exatamente difícil, mas por causa da visão favorável que Sebastian já havia pintado de mim para ela. Me perguntei se por um acaso nós tivéssemos nos conhecido sem a intervenção dele ela teria gostado de mim do mesmo jeito.
Quero pensar que a resposta é sim, mas a verdade é que não sei.
E agora, nesse momento, onde estou tendo que ficar frente a frente a uma pessoa que não se deixou influenciar por qualquer coisa boa que tenha ouvido a meu respeito e tirou suas próprias conclusões sobre mim, a coisa definitivamente não está fácil.
Fazer a pergunta que fiz a Lorenzo foi um ato de coragem, porque a vontade que tenho é de sair correndo. Uma velha, irracional e traumatizada versão de mim me diz para ter medo do que ele pode fazer comigo caso eu diga algo que o desagrade, mas há também uma nova, destemida e relutantemente corajosa versão de mim que me diz para fincar pé e não sair daqui até a conversa ter se encerrado. Além do mais, eu confiava em Sebastian, e se ele dissera que estava tudo bem, então está tudo bem.
— E então? — perguntei novamente, depois de um minuto inteiro se passar e eu não receber uma resposta. — O que fez você me tratar daquele jeito?
Lorenzo bufou, deixando os braços colidirem um de cada lado do seu corpo.
— Por que eu estava com ciúmes. Satisfeita?
De todas as coisas que achei que ele poderia me dizer, nenhuma delas tinha passado nem perto dessa.
— OK. Ciúmes de quê? — franzi a testa, completamente perdida. E então arregalei os olhos, entendendo tudo. — Meu Deus, você é gay. Você é gay e está apaixonado pelo Sebastian!
Foi a vez de Lorenzo franzir a testa, sacudindo a cabeça.
— O quê? — ele revirou os olhos. — Por que todo mundo me pergunta se eu sou gay? — abri a boca para dizer algumas coisas no modo de agir dele que podiam fazer as pessoas terem dúvidas quanto ao fato de ele ser hétero. — Quer saber? Não precisa responder. Enfim, eu senti ciúme de você não por ser o grande amor e musa inspiradora do Sebastian, mas sim porque ele mal conheceu você e já quis te apresentar para os melhores amigos dele.
— Acho que você vai ter que ser um pouco mais claro do que isso, porque eu ainda não entendi o que fez com que você sentisse ciúmes.
Loren suspirou, apertando a ponte do nariz.
— Provavelmente você não deve saber, mas eu fui o último a entrar no grupo. Assim como você, antes de Sebastian fazer amizade comigo, eu era sozinho. Ninguém trocava uma palavra comigo. — ele gesticulou para indicar a si mesmo. — Eu era tipo, só o garoto estrangeiro, órfão e patético que tinha chegado no meio do ano letivo e que morava com os tios porque os pais tinham morrido num acidente de carro.
— Eu não sabia sobre os seus pais. Sinto muito. — falei, agora olhando-o com outros olhos. Deve ter sido difícil. — Você deve ter sofrido muito tendo que deixar a sua vida toda para trás.
Lorenzo engoliu em seco, assentindo.
— É, não é algo que eu particularmente goste de lembrar — murmurou. — Mas um dia, na aula de história, quando eu estava fazendo a batida de uma música da Imagine Dragons, o garoto que sentava do meu lado começou a me acompanhar. — ele riu, provavelmente visualizando a cena mentalmente. — No final fomos expulsos de sala, mas tudo bem, porque tinha sido a primeira vez em que eu havia me divertido desde que perdera os meus pais. E o garoto tinha sido legal enquanto esperávamos a nossa advertência na antessala da diretoria, até tinha dividido o sanduíche dele comigo! E no final de tudo, eu pensei, aliviado: é isso aí, finalmente fiz um amigo. Só que mais tarde eu descobri que aquele com quem eu havia sido expulso de sala não era só um garoto qualquer, mas sim Sebastian Asher Dubrov, a lenda da St. Davencrown. Todos os professores o amavam, os meninos queriam ser amigos dele, as meninas queriam que ele gostasse delas.
— E com você não foi diferente — eu adivinhei.
— Exato. — ele confirmou. — Comigo não foi nem um pouco diferente. Queria ser amigo dele. E eu até que era, porque ele sempre parava para falar comigo quando nos esbarrávamos no corredor e durante as aulas de história. Mas a coisa sobre Sebastian é: ele só considera amigo de verdade quem ele apresenta para o círculo íntimo dele.
— Do qual naquela época você não fazia parte.
— Sim. Eu não fazia. E só fui fazer parte quando, muitos meses depois, Sebastian disse que se eu estivesse livre, ele gostaria que eu fosse à festa de aniversário dele. Pensei que ia ser uma festona, porque esses caras populares sempre dão festonas, mas quando eu cheguei na casa dele, fora eu, só havia dois outros meninos. — Loren fez uma pausa, olhando para mim. — Foi assim que eu conheci Charles e Zaden. E como nós nos demos bem de cara, eu entrei oficialmente para o grupo. Cinco longos meses depois. E você precisa de quê? Cinco dias e ele te põe num pedestal.
Dessa vez não me contive; o riso escapou sem aviso dos meus lábios.
— Lorenzo, você não percebe o quanto isso é ridículo? — eu perguntei. — Eu estudo com Sebastian desde os sete anos de idade e só dez anos depois ele veio falar comigo. Dez longos anos. Com você foram cinco meses. Entendeu a diferença? E outra: você agora faz parte do círculo íntimo dele. Foi uma honra ele querer me apresentar para você, a Ali e os meninos. Então do que é que você tem ciúme? De Sebastian ter demorado mais tempo para falar comigo do que com que você?
O rapaz a minha frente parecia estar chocado, e isso me deixava com ainda mais vontade de rir.
— Você não tinha pensado nisso até agora, não foi?
Ele corou, coçando a cabeça.
— E-eu nunca tinha parado para encarar d-dessa forma.
— Eu notei. — falei, achando graça.
— Eu sou um idiota.
— Não me peça para discordar.
— Não, é sério. — Lorenzo insistiu, se aproximando. — Por favor, me desculpe pelo que eu disse ontem. Eu fui… um não sei nem o que. Um cuzão.
Fiz uma careta.
— Está tudo bem. Eu desculpo você. Eu já tinha desculpado você ontem, mesmo com as desculpas falsas. Eu não queria que Sebastian ficasse com raiva de você.
— Só com raiva? — Ele ergueu as sobrancelhas, rindo. — Ele teria chutado a minha bunda, isso sim. E depois a minha cara. E depois alguma outra parte do meu corpo onde um chute seria bem doloroso.
— Mas que exagero — falei, achando graça. — Sebastian não faria tudo isso.
— Sério? Você nunca deve ter visto ele no taekwondo então.
— Sebastian luta? — indaguei, descrente.
— Tá brincando? Ele é faixa preta. Não acredito que nunca te contou.
— E ao que parece nem vou precisar, porque você já me fez o favor. — a voz de Sebastian ecoou até nós, e Lorenzo e eu nos viramos para vê-lo vindo pelo corredor.
— Ei, cara. Por que você voltou? A nossa conversa estava começando a ficar divertida.
— É, Sebastian. Por que você voltou? — fingi chateação.
Ele sorriu, passando o braço ao redor dos meus ombros enquanto olhava de mim para Lorenzo.
— Ora, ora, então quer dizer que você e o Sr. Fofoqueiro são amiguinhos agora. Fico feliz com isso.
— Sim. Viramos amigos no momento em que ele começou a contar fofocas a seu respeito — eu sorri de volta.
— É, estávamos prestes a falar sobre como você se mijou de tanto rir quando Zaden caiu de skate e quebrou um dente na calçada.
— Foi só uma vez, eu estava com muita vontade de ir ao banheiro e além do mais, você viu a cara do Zad? Se tem algo que pode fazer alguém se mijar de rir, é aquele cara sem o dente da frente.
Os dois caíram na gargalhada.
— Vocês são muito maus com ele. — comentei, com pena do pobrezinho do Zaden.
— Acredite em mim, você daria boas risadas se tivesse visto. — Sebastian garantiu. — A minha mãe tirou uma foto de nós quatro nesse dia. Depois eu te mostro — então olhou para o relógio em seu pulso. — Agora é melhor nós três nos apressarmos se quisermos assistir a apresentação da Ali.
— É mesmo, temos que correr.
— E rápido, porque ela vai matar cada um de nós se não estivermos lá quando começar. — dito isso, saímos em disparada pelo corredor em direção ao auditório no segundo andar.
Tivemos apenas dois minutos contados para encontrarmos Zaden, Charles e as meninas, – que haviam guardado lugares para nós na primeira fileira, – antes que as luzes se apagassem subitamente e a voz de Alison soasse através dos alto-falantes espalhados pelo enorme auditório:
— Bom dia, St. Davencrown. Algum tempo atrás a minha equipe foi desafiada a criar uma coreografia em cima de um gênero musical bem famoso atualmente, o K-pop. Quem nos conhece sabe que não dizemos não a um desafio, então a apresentação de hoje será um remix de várias músicas que vocês conhecem, agora performadas com passos criados por mim. Espero que vocês curtam tanto quanto eu! Somos as Golden Bees, and now it's dance time!
E então a batida da música LA DI DA do grupo Everglow começou a tocar, a primeira estrofe se iniciando no segundo exato em que um holofote iluminou o palco, deixando nove meninas vestidas com os modelos mais variados de roupas, – mas que eram no mesmo estilo e cores que as de Alison, – a vista de todos.
Elas estavam enfileiradas de maneira que parecessem ser uma só, e em um piscar de olhos cada uma já tinha tomado seu lugar no palco, deslizando junto à música.
Alison não estava entre elas.
Eu já estava me virando para perguntar a Sebastian onde ela tinha se metido, quando ele disse ao pé do meu ouvido:
— Ela sempre faz entradas dramáticas.
E de fato, numa parte em que a música se resumia a uma só batida e as nove meninas estavam juntas no centro do palco em posições alternadas, todas batendo palmas no ritmo da canção, a frase “Everglow forever let's go!” foi dita logo antes do refrão estourar, quando duas das garotas que estavam de pé no centro da coreografia mexeram os quadris em direções opostas e uma Alison ainda mais bonita e elétrica do que a última vez em que a vi se ergueu entre elas, o corpo seguindo as ondulações da música como se os dois fossem um só.
Todas as meninas no palco eram dançarinas incríveis, mas Alison era facilmente a que mais se destacava. Dava para sentir a energia dela em cada passo que executava, e quando ela requebrou tudo junto com as outras garotas em cima dos saltos altos do coturno que estava usando e abriu escala na última linha de SO HOT do BLACKPINK, a plateia foi à loucura, e eu a aplaudi de pé junto com todos eles.
(Não deixei passar despercebido o fato de que Zaden não se levantou de imediato para bater palmas porque estava muito ocupado enxugando a saliva que havia escorrido pelo tempo que ele passara de boca aberta).
O que veio em seguida foi um borrão: gente para todo lado saindo do auditório e pessoas parando para cumprimentar as meninas por arrasarem na dança. Só fomos encontrar Alison cerca de quinze minutos depois, no meio do tumulto, e ela estava tão feliz que não conseguia parar de sorrir. Assim que avistou Charles, correu imediatamente para abraçar o irmão, que a ergueu no ato, parabenizando-a pelo trabalho excepcional. Logo depois, eu disse para ela o quanto ela tinha sido incrível e dominado tudo no palco, acompanhada de Kimmie e Pamela, que não paravam de fazer um coro de “Alison! Alison! Alison!”
E algumas horas depois, Sebastian e eu estávamos deixando o enorme prédio do Instituto, rindo horrores por ele ter tentado reproduzir um dos passos que Allie fizera durante a apresentação e quase ter perdido o equilíbrio na frente de dois alunos do segundo ano que estavam passando bem na hora.
Essa era, sem exagero, a primeira vez em que a minha barriga doía de tanto eu dar risada.
— Eu avisei que era um péssimo dançarino — Sebastian disse, depois que eu imitei como seria a queda que ele tinha chegado bem perto de levar.
— Você não deveria ter tentado fazer se sabia que não conseguiria — eu falei, segurando seu braço.
— O quê? Desistir sem nem tentar? Nunca. E você insistiu para que eu fizesse!
— Eu sei! Mas é que você é tão bom em tudo que eu senti vontade de ver como era você dançando — expliquei.
— Bem, desculpe pela decepção, mas a única coisa que você conseguiu ali foi me ver derrapando.
Lembrei mais uma vez da sua quase queda e desatei a rir. Não era todo dia que você via alguém alto e de porte atlético como Sebastian metendo os pés pelas mãos daquele jeito.
— Foi tão desengonçado que nem parecia você! — enxuguei as lágrimas de riso que escorreram pelo canto dos meus olhos. Estava prestes a rir mais uma vez quando notei a mulher de cabelos castanhos avermelhados encostada a um carro somente alguns metros a frente.
Sebastian também a viu.
— O que Eloise está fazendo aqui?
— Não faço a menor ideia, mas tinha que ser logo agora? Ela não podia esperar eu chegar em casa para começar a arruinar o meu dia? — resmunguei, já perdendo toda a alegria que estava sentindo ao vê-la se aproximar de nós.
— Boa tarde, filha. Vim te pegar para almoçarmos. — disse a minha mãe, com um sorriso maternal, estendendo a mão na minha direção.
O dia estava bom demais para ser verdade, pensei, sentindo meu estômago embrulhar.
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