CAPÍTULO 29

“Querido Diário,
Vivo me perguntando: como é ser alguém confiante? Alguém que não duvida de si mesmo e não questiona o próprio valor a cada minuto? Alguém que é amado e sabe que merece ser? Apenas uma vez na vida, gostaria de saber como é me sentir assim.

Diário de Amélia, 24/07/ 2014

Amélia




Vovó parecia uma legítima adolescente eufórica enquanto descia as escadas praticamente aos pulos para atender à campainha e ser a primeira a dar as boas vindas a Sebastian. Eu fui logo em seu encalço, com receio de que ela falasse qualquer coisa inapropriada que pudesse dar a entender que sabia sobre o beijo.

A última coisa de que eu precisava era que ele pensasse que eu estava feito uma boba aos suspiros e contando tudo o que houvera entre nós para a vovó. Isso não só seria muito embaraçoso como também serviria para alimentar as esperanças de Sebastian, a quem eu estava determinada a fazer enxergar que não servíamos para ser mais que apenas bons amigos.

Dei graças a Deus quando vi que vovô havia se adiantado e já estava abrindo a porta para o nosso convidado. Soltei uma risada baixa ainda na metade dos degraus quando vovó resmungou e se apressou ainda mais para chegar na frente e fazer seu papel como anfitriã.

— Bem vindo, Sebast… — vovô não pôde nem mesmo terminar a frase antes que o furacão vovó o atropelasse:

— Sebastian! — ela exclamou, abrindo um enorme sorriso. — Pontualíssimo, como sempre. E… uau, olhe isso, Amélia. O seu namorado parece ainda mais bonito à luz da lua. Sua menina de sorte!

— Ele não é meu namorado. — eu murmurei, tentando não revirar os olhos. Estou pronta para repetir em voz alta quando desço o restante da escadaria e dou de cara com a visão de Sebastian usando um sobretudo preto sobre uma camisa de botão com listras brancas verticais. Suas calças eram tão bem ajustadas que eu diria terem sido feitas sob medida para ele. A fivela prateada de seu cinto era só um charme a mais ao seu visual meio formal-descontraído, e não pela primeira vez percebi o quão bem ele se vestia.

— Não se acanhe, querido, entre e deixe-me tirar o seu casaco. — disse vovó, ajudando-o a tirar o sobretudo e guardando-o no closet ao lado do hall de entrada.

— Obrigada, Sra. Ruschel. — ele disse, com um sorriso grato, antes de erguer um enorme buquê de azaleias. — Para a senhora.

— Mas que doce, Sebastian! São lindas demais, muito obrigada! — exclamou, sua resposta vindo acompanhada de um sorriso ainda mais aberto e um abraço de agradecimento. — E vamos cortar as formalidades, ok? Pode me chamar de Melody — e então segurou as flores mais apertado junto ao peito, toda encantada. — Olhe para elas Gerald, não são lindas?

— Não tanto quanto você, querida. —  vovô disse, o que fez com que o sorriso de vovó se tornasse ainda maior. — Que bom que você chegou, rapaz. As meninas não saíam do quarto há horas e eu já estava me sentindo um pouco solitário. — brincou, dando dois tapinhas no ombro de Sebastian, que riu.

— Desse jeito ele acaba acreditando, vovô — impliquei, atraindo a atenção do recém-chegado convidado de honra da noite, que imediatamente virou a cabeça na minha direção, seus olhos capturando os meus durante um momento antes de deslizarem pelo meu vestido.

Senti meu rosto esquentar sob a análise lenta e cuidadosa de Sebastian, que parecia estar absorvendo cada detalhe da roupa que eu estava usando envolta do meu corpo. Cruzei os braços, limpando a garganta, fazendo com que ele levantasse o olhar de volta ao meu.

E o que encontrei em seus olhos provocou arrepios em meus braços e o equivalente a mil borboletas alçando vôo em meu estômago. Levei a mão ao corrimão da escadaria, precisando desesperadamente me agarrar a alguma coisa.

Sempre esses olhos, pensei comigo mesma, desfazendo nosso contato visual. Sebastian Dubrov, o que você está fazendo com essa pobre garota?

— Acho que não preciso dizer, mas vou dizer mesmo assim — ele pigarreou. — Você está... estonteante, Amélia. Linda. Como uma fada. O verde combina com você.

— Eu… E-eu… — gaguejei, torcendo para que um buraco se abrisse e eu caísse dentro. — N-na verdade… O que quero dizer é...

— Acho que o que ela está tentando dizer é obrigado. — vovô partiu em meu socorro, graças aos céus. — Vamos para a sala de estar? O jantar já vai ficar pronto e de lá vamos comer.

— Isso, vamos entrando — vovó disse, segurando o riso, gesticulando para que fôssemos logo atrás dela e de vovô, que já se dirigiam para o cômodo ao lado.

Sebastian veio até mim, um sorriso contido nos lábios. Assim como vovó, ele parecia estar se esforçando para não rir.

— Deve ser mesmo muito engraçado me deixar toda embaraçada — falei, num sussurro que eu esperava que soasse indignado.

— Foi só um elogio. — ele disse, não mais contendo seu divertimento. — Eu não sabia que você ficaria tão desconcertada. E vermelhinha como um camarão. — acrescentou, tocando a ponta do meu nariz com o dedo.

— Você… você sabe muito bem do que estou falando. — afastei a mão dele.

— Hmmm… acho que não sei, não. — balançou a cabeça negativamente, seu olhar escorregando para baixo mais uma vez. — Você realmente fica deslumbrante de verde. E isso não é só porque é a minha cor favorita. Você é linda demais. — Então baixou o tom de voz, aproximando o rosto do meu pescoço: — Estou morrendo de vontade de te beijar agora.

Sebastian. — o contornei, saindo de seu domínio, o som de meu coração acelerado pulsando em meus ouvidos. — Você e eu… nunca vamos dar certo. Insistir nisso só vai servir para machucar a nós dois.

Ele se virou, novamente de frente para mim.

— Você e eu temos tudo para dar certo. Eu sei. E você sabe.

— Você está se iludindo, Sebastian. — falei, tentando não abraçar a mim mesma para me livrar do frio repentino que me tomou. — Tem um monte de coisas que você não sabe sobre mim que se souber não vai gostar.

— Você está sendo injusta. — refutou ele, sua expressão séria fazendo com que de repente parecesse muito mais velho do que realmente era. — Não pode tomar como certeza algo que você só vai saber quando resolver se abrir comigo.

— Eu acho — comecei, limpando o suor das mãos na barra do vestido. — Que seria melhor se você começasse a me ver apenas como amiga.

— E eu acho — Sebastian disse, tomando minhas mãos entre as suas — Que seria melhor você tentar desacelerar essa cabecinha. O que a gente conversou hoje de manhã? Sem pressão, lembra? Apenas duas pessoas se conhecendo melhor.

— É, isso antes de você me beijar — dou uma risada nervosa.

— Ei, — ri junto. — Devo ressaltar que a senhorita foi quem me beijou primeiro, para o caso de haver alguma discrepância em nossas lembranças — ele para de sorrir, me encarando com gravidade desta vez. — Não gosto quando você tenta me afastar assim, Amélia. Isso é algo que você mesma me disse e que agora vou repetir: não precisa de ter medo de me dizer nada. Se algo estiver te incomodando, se estiver triste ou se sentindo insegura a respeito de qualquer coisa… eu preciso que você me diga para que possamos consertar. Todo relacionamento se baseia nisso. No diálogo. Então por favor, não simplesmente suponha que eu não vá entender e me exclua dessa forma novamente, está bem?

Naquele momento, me senti horrível. Me foquei tanto na minha própria insegurança e no meu receio de me abrir que acabei não vendo que Sebastian também estava se arriscando. E ele vinha se arriscando desde o primeiro dia: ao intervir por minha causa em uma briga e recuperar meu diário, ao matar aula comigo, ao contar sobre o seu problema com o pai, ao me mostrar a música que havia escrito, – e que tão claramente expunha o que ele sentia, – ao se declarar para mim e até discutir com um amigo por me tratar mal.

Ele tinha se aberto comigo. Confiado em mim. E como eu o retribuía? Dizendo que não havia futuro para nós porque ele nunca iria me entender.

— Sebastian, me desculpe. Você tem toda a razão. E eu não quis te excluir. Só que às vezes… — engoli em seco. — Perto de você… eu não sei explicar. É muita coisa pra administrar, sabe? Não sei como devo me sentir e isso me confunde.

Os olhos de Sebastian cintilam de compreensão.

— Sei exatamente do que você está falando. Porque eu tenho dez anos de experiência nisso — ele levou a mão até o meu queixo, percorrendo a linha do meu maxilar. — Ainda estou aprendendo a entender, mas o que posso dizer para te ajudar é que não há uma maneira correta para sentir. É como uma música. Ela te toca de uma maneira, — continuou, traçando as sardas nas maçãs do meu rosto. — Mas pode me tocar de outra totalmente diferente. O que você tem que fazer… é unicamente se permitir sentir.

O toque de Sebastian somado ao timbre de sua voz é uma arma perigosa, e sinto que me inclino quase que involuntariamente na direção dele.

Já posso antecipar o gosto dos seus lábios quando a campainha toca, me tirando de um transe no qual nem sei como entrei.

— Você está esperando mais alguém para o jantar? — Sebastian perguntou, franzindo a testa.

— Não. Também não lembro de vovó ou vovô terem falado nada sobre convidar outra pessoa. — digo, dando de ombros enquanto caminho até a porta. — Mas talvez vovó tenha chamado. Vai saber. Ela é imprevisível.

— É uma mulher. — Sebastian diz, olhando as imagens da câmera de fora pelo monitor de segurança.

— Viu só? Deve ser uma amiga dela. — falei, digitando a combinação antes de abrir a porta.

— Quem é que está tocando a campainha? — ouço a voz abafada de vovó no fundo, mas não registro muita coisa do que acontece em seguida.

Porque eu reconheço a mulher que está na minha frente. A reconheço das muitas fotografias nos álbuns de família antigos dos meus avós. A mesma mulher que me abandonou a própria sorte quase onze anos atrás.

— Mãe? — arfei, no exato segundo em que algo caiu e se estilhaçou no chão.

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