CAPÍTULO 26
“O tempo é algo engraçado. Há vezes em que você quer que ele passe rápido; outras vezes você só quer que dure o máximo possível. Penso muito a respeito dos minutos e horas que estão sempre escorrendo por nossos dedos e todas as oportunidades que estão sempre sendo desperdiçadas. Estou sendo hipócrita em pôr as coisas desse jeito, é claro. Afinal, enquanto as outras pessoas tomam o rumo de suas vidas, eu apenas deixo a minha me guiar por onde quer que eu vá. Sinceramente, o que estou fazendo? O que estamos todos fazendo? Esperando o momento certo para tomar uma atitude? Ou classificando todos os momentos que temos como sendo errados somente para não precisarmos sair da nossa zona de conforto? Abençoados são os que tem coragem o suficiente para alterar seus destinos.”
Diário de Amélia, 15/08/2019
Amélia
Não sei ao certo o porquê, mas estou me sentindo animada hoje. Não tem nada a ver com o meu aniversário, porque todos os anos é sempre a mesma coisa. Não, há algo mais. No meu íntimo, me sinto… um pouco diferente. Mais forte. Como se, ao atravessar o corredor da escola sem tentar me esconder ou me encolher diante dos olhares alheios, eu tivesse vencido pela primeira vez um obstáculo que nem me dera conta de que estava lá.
Retiro o que disse, talvez tivesse mesmo um pouco a ver com o meu aniversário. Sei lá, era meio inspirador pensar que ao encerrar um ciclo, algo novo aconteceria para marcar o início de outro. Algo inédito, como eu, Amélia Ruschel, abandonando o meu lugar à margem e me arriscando ao lado de alguém que estava acostumado a ser o centro.
Sebastian provavelmente não percebia, mas em todas as ocasiões que estivemos juntos, alguém sempre parou para olhá-lo duas vezes. E isso não se devia apenas ao fato de ele possuir uma boa aparência, porque beleza era algo relativo. Não: era a energia dele. Só de estar próxima, dava para sentir o quanto ele tinha confiança em si mesmo. Essa confiança estava presente no seu modo de andar, de falar e em todos os seus sorrisos – e eu não estava falando de arrogância. O que Sebastian tinha em si era algo raro nos dias de hoje: orgulho de ser quem ele era.
E que tapa na cara foi ver alguém só um ano mais velho ser tão bem resolvido. Ele sabia exatamente o que queria e o que tinha nascido para fazer e corria atrás de todas essas coisas sem deixar que nada o segurasse. Sebastian Asher Dubrov era… instigante e motivador.
Quando ele me disse que eu não estava mais sozinha e estendeu a mão na minha direção, eu pensei: é isto. Nunca tive um único amigo para me apoiar na escola. Ninguém nunca tivera a iniciativa de falar comigo e como eu poderia ousar cobrar, se também me faltava coragem?
Mas aqui estava Sebastian, me incentivando a sair da minha bolha e acreditando que eu era mais do que uma garota traumatizada e assustada demais pelos erros dos pais para permitir que outras pessoas se aproximassem.
E... por que não mostrar que ele realmente estava certo?
Não importava que Sebastian não soubesse do meu passado. Na verdade era até melhor, porque assim ele não sentiria pena de mim. Não seria uma boa ação ou caridade; cada convite e pequeno passo que me fazia dar seriam só a sua maneira de demonstrar que se importava e que me queria por perto. Que a minha ausência fazia diferença, mesmo que somente para uma pessoa.
Então eu agarrei sua mão, na esperança de provar para mim mesma que não era uma covarde. Na esperança de não desapontar o voto de confiança que ele havia me dado. Não que eu estivesse esperando que tudo desse certo, – eu não tinha esse tipo de ilusão, – porque estava claríssimo que mais cedo ou mais tarde Sebastian perceberia que gostar de mim fora perda de tempo.
Contudo, com sorte ele veria o quanto fui corajosa e ainda seria meu amigo quando esse dia chegasse.
Foi com esse pensamento que saí da aula de francês assim que o sinal tocou. Como prometido, não saí correndo nem nada do tipo. Sebastian não tinha chegado ainda, então resolvi esperar por ele do lado de fora da sala. Parabenizei a mim mesma por não baixar a cabeça nem fazer caretas todas as vezes em que percebi alguém fofocando ao meu respeito.
Porque acredite, foram muitas.
— Com licença, você que é a Amélia Ruschel? — uma garota baixinha usando uma incrível quantidade de gloss labial perguntou, surgindo do meu lado do nada.
Balancei a cabeça em confirmação.
— Eu me chamo Helen Larsen. — disse ela, puxando o ar pela boca antes de continuar. Parecia nervosa. — Queria falar com você sobre um boato terrível que chegou até mim envolvendo você e o meu namorado romanticamente.
— Acho que você se enganou. — falei, num quê de desculpas.
— Então não foi você que entrou de mãos dadas com ele está manhã? — ela insistiu.
Franzi a testa, tentando entender.
— O que…
— Helen? — uma outra garota surgiu atrás dela, se virando para encará-la de frente. — Helen Larsen?
— Oi, Alison. — respondeu Helen, que se por caso a minha observação não esteja errada, não parecia nada feliz por ter sido reconhecida.
Olhei discretamente para a menina que havia acabado de chegar. Ela era de uma beleza muito singular. Com a pele negra de um intenso tom de chocolate e cabelos tingidos de rosa-claro presos em um alto rabo de cavalo trançado, Alison parecia mais uma modelo que uma estudante de ensino médio.
— O que você está fazendo aqui? — prosseguiu, pondo a mão na cintura. — Esse nem é o seu bloco. Se o inspetor te pegar fora do perímetro do fundamental você vai levar uma baita advertência. Eu vi a sua prima no outro corredor. É melhor você correr se não quiser que ela te veja e te dedure para sua mãe.
Com o rosto empalidecendo subitamente, Helen simplesmente nos deu um breve aceno de cabeça antes de disparar até as escadas que levavam para o andar inferior.
— Aquela pestinha. — Alison murmurou, antes de se voltar para mim: — Muito prazer, me chamo Alison Walters.
Me sentindo um tanto estranha por ter interagindo com duas pessoas diferentes em um intervalo de tempo tão curto, aperto a mão dela, dando-lhe um sorriso incerto.
— Amélia Ruschel.
Para o meu alívio, ela retribuiu o sorriso.
— Ah, eu sei quem você é. Sou amiga de Sebastian. Temos matemática avançada juntos e ele ficou preso com o professor e mais outros dois colegas numa discussão acalorada sobre qual sequência de números era a correta. — falou, revirando os olhos. — Um tédio, você não vai querer saber. De qualquer forma, ele me pediu para te encontrar aqui e, como eu estava louca para te conhecer, vim o mais rápido que pude. Agora você pode satisfazer a minha curiosidade e dizer o que a fedelha da Helen Larsen queria com você?
— Hã… não tenho muita certeza. — segurei o meu livro de língua francesa contra o peito. — Mas acho que era algo sobre Sebastian ser o namorado dela e o falso boato de eu ter me envolvido romanticamente com ele.
Indo contra todas as minhas expectativas, Alison explodiu em risadas.
— HAHAHAHA! Namorado dela?! — ela gargalhou. — Helen só tem catorze anos e está querendo se passar por namorada de Sebastian? Não sei quem ganha o prêmio da vergonha numa história louca dessas: ele ou ela.
Arregalei os olhos.
— Aquela menina só tem catorze anos? Tem cara de ter no mínimo dezesseis.
Alison enxugou o canto do olho, se recuperando de seu ataque de riso.
— É só porque ela usa muita maquiagem. Meu Deus, se a prima dela ficar sabendo disso… que papelão. — vendo que eu não ri, ela ergueu uma sobrancelha: — Você não acreditou nessa fic, acreditou?
— Bem, eu ainda estava meio que tentando entender aonde ela estava querendo chegar — expliquei.
— É tudo por causa da banda. — disse ela, fazendo um gesto para que eu a acompanhasse. — Essas meninas não podem ver um cara bonito com um violão na mão que já se apaixonam. Bobinhas.
— É até um pouco compreensível — falei, um tanto relutante. — Depois que a One Direction se desfez, a gente se vira com o que tem.
Alison riu, meneando com a cabeça em concordância.
— Você está certa. — ela olhou para mim, sorrindo mais abertamente. — Gostei de você.
Senti grande parte da tensão em meus ombros se desmanchar com aquele comentário.
— Eu também gostei de você.
— É um alívio, porque nós, as garotas do grupo, temos que unir forças para suportar o quarteto de patetas.
— Então eu também sou do grupo? — indaguei, surpresa.
— Claro que sim. — respondeu, como se fosse óbvio. — Verdade seja dita, você meio que já era um membro honorário, de tanto que o Sebastian falava o seu nome.
Engasguei.
— S-sebastian falava so-sobre mim?
— Amélia, em breve você vai descobrir que o tópico de conversa do Sebastian se resume em quatro coisas: a família, os amigos, a banda e você.
Fiquei absorvendo a nova informação em silêncio. Sebastian falava de mim para os amigos. Os amigos de Sebastian sabiam que ele gostava de mim. Se isso era verdade, então a “quedinha” que ele sentia por mim era ligeiramente mais séria do que eu pensava.
Ah. Meu. Deus.
Alison me deu tapinhas amigáveis no ombro, me tirando de meus devaneios.
— É, minha amiga. Você se acostuma. — disse, empurrando a grande porta de vidro que levava até o refeitório.
O salão de refeições da St. Davencrown era enorme e beirava o exagero.
Com mesas retangulares de seis lugares estampadas com o símbolo do colégio espalhadas por todo o cômodo, luminárias bastante originais e um serviço de comida elaborado por nutricionistas e produzido por um chef de verdade, – incluindo um cardápio especial para veganos, vegetarianos e atletas – era praticamente como se estar em um restaurante.
Com Alison na dianteira, nos encaminhamos à uma das mesas no canto do refeitório, onde três rapazes já estavam acomodados, rindo entre si.
O nervosismo que tinha começado a me abandonar voltou com força total.
— Amélia, este é Lorenzo — ela indicou o garoto sentado na cadeira da ponta, que era magro e tinha cabelos pretos na altura do pescoço. Ele era bonito, mas tinha um ar de superioridade que só se firmava pelo sorriso curto que me deu. — Zaden — gesticulou rapidamente na direção do único loiro entre eles, que era mais forte e maior que Lorenzo e que, diferente dele, me deu um sorriso branco cheio de dentes.
E mais bonito também, adicionei.
— Agora que finalmente estou tendo a oportunidade de olhar bem para o seu rosto — ele começou, com uma voz que apesar de grave, não era nada além de simpática. — Posso entender o motivo de Sebastian ter demorado tanto para tomar uma atitude. Linda desse jeito, qualquer um fica nervoso.
Senti meu rosto esquentar.
— Obrigada.
— Francamente — Alison resmungou. — Não se deixe constranger por causa do Zaden, Amélia. Ele distribui cantadas à todas as mulheres que conhece.
— Com todo o respeito, é claro — ele piscou para mim e depois olhou para ela: — Não que você saiba o que é isso, mas ser galante faz parte do meu charme.
— Ser inconveniente, eu diria. — ela refutou, passando para o próximo rapaz, que observava toda a cena com um sorriso calmo nos lábios. — E este é o meu irmão, Charles.
— Sebastian falou bastante de você — ele disse, inclinando a cabeça na minha direção como cumprimento. — Não se sinta pouco à vontade pela falta de educação do Loren, ele prefere disfarçar a estupidez com o silêncio. Quanto à Allie e Zaden, a interação deles é algo a ser estudado.
Charles era o mais elegante dos meninos. Até mesmo o jeito como sentava mostrava a importância que ele dava aos bons modos e sua personalidade intelectual. Assim como a irmã, era muito bonito: com a pele negra e os olhos verde-oliva, parecia o príncipe de algum clã antigo.
Ele dava a impressão de ser uma pessoa mais observadora que falante, o que fez com que eu me identificasse de imediato e me sentisse mais confortável.
— Vamos, Amélia, sente-se. — Alison disse, puxando a cadeira da ponta para si mesma, fazendo com que eu sentasse no meio, de frente para Zaden. — Acho bom Sebastian chegar logo, porque esperar não é um das minhas virtudes, principalmente quando estou com fome.
— Falando no diabo — Lorenzo resmungou, e todos nós nos viramos para ver Sebastian entrando pela porta do refeitório.
Como um rei passeando por seu castelo, foi cumprimentado por mais de dez pessoas, acenando com a cabeça, rindo e até mesmo batendo um high five na mão de um cara do time de basquete. Entrara sozinho, sem se preocupar com os olhares que receberia ou em se sentir deslocado. Aquele era Sebastian. Seguro, carismático e lindo de morrer segurando o paletó dobrado por cima do braço.
Ele já estava atraente o suficiente sem fazer contato, mas assim que seus olhos capturaram os meus, um daqueles seus sorrisos especiais ganhou forma em seu rosto.
— Desculpem o atraso, — disse Sebastian, parando de pé atrás do meu assento, seus dedos resvalando em minhas costas quando ele colocou as mãos no encosto da minha cadeira. — O Professor Owen estava para me enlouquecer. E aí, como estão as coisas? Se divertiram falando mal de mim? Já se tornaram melhores amigos?
— Infelizmente elas não chegaram a tempo suficiente para isso — Zaden riu. — Mas se quiser, pode ir dar uma voltinha que a gente resolve a parte do falar mal de você.
— Por que você não aproveita e vai dar uma voltinha junto com ele para falarmos mal de você? — Alison alfinetou.
— Vem cá, qual é o seu problema, hein?
— O meu problema é que você…
Enquanto os dois entravam em uma competição para ver qual deles conseguiria irritar o outro mais rápido, Sebastian sentou ao meu lado, sorrindo.
— Vejo que você já conheceu as crianças.
— Todos eles foram muito legais comigo. — assenti.
— Eu disse que vocês iam se dar bem. — ele murmurou, ajeitando o pingente de violeta em meu pulso, enviando arrepios por todo o meu braço. — Vamos comer?
Eu estava prestes a concordar quando uma voz cortou toda a conversa:
— Então, Amélia… o lance de se fazer de muda era pra chamar atenção?
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