CAPÍTULO 25

“Há alguma coisa incrivelmente gratificante em fazer algo que você sabe que faz bem. Não precisa ser uma habilidade especial. Essa sensação pode vir por meio de um desenho; um texto que você escreveu que ficou muito bom; até mesmo um penteado ou aquela parte difícil da música que você finalmente conseguiu cantar sem desafinar. Tentar fazer algo e ser boa nisso te deixa feliz consigo mesma. É como uma dose de encorajamento. Ou ao menos é assim comigo: quando estou me sentindo triste, sempre me sento ao piano. Quero dizer, posso estar me sentindo pra baixo e não ter amigos, mas ei, eu toco muito bem.”

Diário de Amélia, 08/08/2017


Sebastian


Enquanto subo a escadaria da entrada principal do colégio ao lado de Amélia, mal posso acreditar que, depois de tantos anos sentindo em segredo, finalmente me declarei para ela. A sensação de euforia em meu peito é tanta que tenho medo de tudo não passar de um sonho.

Ontem à noite, quase não consegui dormir de tanto pensar no que diria quando a visse; acordei muito mais cedo que o normal, ansioso para encontrá-la. Verdade seja dita, fui à casa de Amélia pronto para me manter determinado diante de uma rejeição – eu não estava me aproximando da garota por quem era apaixonado desde criança para desistir tão facilmente.

No entanto, assim que vi o terror nos olhos dela quando me notou sentado à mesa conversando com seus avós, me arrependi instantaneamente por ser tão sem vergonha e encurralá-la daquele jeito. Contudo, no fundo eu sabia que se não me certificasse de ir diretamente até ela, Amélia acabaria por arranjar uma maneira de me evitar.

Sinceramente, eu não fazia a menor ideia do que estava pensando quando por impulso enviei para ela a música que lhe havia escrito. Talvez eu estivesse um pouco fora de mim, mas ali no meu quarto, encarando o relógio e me dando conta de que faltavam poucos minutos para o aniversário dela, simplesmente não suportei a ideia de que mais um ano no qual não sabíamos o que outro sentia se passasse para nós dois.

Mais do que tudo, eu queria que Amélia soubesse. Queria seguir o conselho que ela me dera e abrir meu coração.

E foi o que fiz.

Agora, vivo num mundo em que Amélia Ruschel sabe que sou completa e irremediavelmente apaixonado por ela. Sei que a ideia de tudo ainda é muito nova e que se tratando dela, – que pensa demais, – vai levar um bom tempo para processar, mas sinto que de repente minhas chances de conquistá-la se tornaram maiores. Se eu continuasse mantendo segredo, seria mais fácil alguém de fora se dar conta dos meus sentimentos do que ela mesma.

Pensando nisso, olhei para a garota andando ao meu lado, que mexia com um sorriso distraído na pulseira prateada em seu pulso. Logo me vi sorrindo de volta.

Valia a pena correr alguns riscos.

— Você gostou mesmo — comentei, indicando o presente que eu tinha lhe dado com o queixo.

Amélia desviou o olhar de seu braço e me encarou, tímida.

— Foi muito atencioso da sua parte lembrar que gosto de violetas. — ela respondeu, balançando a mão para que o pingente se movesse. — Além disso, eu nunca ganhei nada tão bonito. Mais uma vez, obrigada. Ainda sinto como se não devesse ter aceitado.

— Pffft. Besteira. Como poderia não aceitar se comprei pra você e você gostou tanto?

— Talvez se eu… — ela parou de andar subitamente, como se só agora lembrasse de algo muito importante de que havia se esquecido.

— O que houve? — me aproximei, preocupado.

— Eu não deveria ter entrado no colégio com você — murmurou, encolhendo os ombros. — Vão começar a falar sobre nós.

— Não vão, não.

— Vão sim e já começaram. É só olhar ao redor.

Sem cerimônia, desviei o olhar dela para focar minha atenção nos outros alunos da St. Davencrown, que caminhavam pelo corredor aos sussurros, dando olhares de esguelha em nossa direção.

Bando de intrometidos, pensei, me voltando para Amélia.

— E daí? Eles que se fodam.

— Sebastian. — ela repreendeu, sua voz não passando de um sussurro.

Não se retraia outra vez, implorei. Não por causa deles. Não por causa de ninguém.

— Amélia, essas pessoas nem conhecem a gente. Por favor. — me pus na frente dela, para que ela não pudesse olhar para nenhum outro alguém que a fizesse duvidar do que eu estava dizendo. — Eu estou com você. Não está mais sozinha agora. Nunca mais vai estar.

— Mas…

— Já te dei algum motivo para não confiar em mim? — perguntei, procurando seus olhos.

Depois de alguns segundos pelos quais ela tentou miseravelmente não me olhar nos olhos, finalmente nos encaramos.

— Eu confio em você.

— E eu confio em você. Vamos continuar? — estendi minha mão para ela.

Amélia não segurou minha mão estendida sem hesitar. Mas quando o fez, seus dedos se prenderam aos meus com tanta firmeza que, naquele momento, eu provavelmente fui o cara mais feliz de toda a cidade.

Apertei a mão dela de volta, em resposta ao seu gesto.

— Essa é a minha garota. — murmurei, para que só ela escutasse.

Continuamos caminhando pelo corredor normalmente, como se fosse um hábito entrarmos juntos. Como se fosse mais um dia comum de Amélia e Sebastian lado a lado, dedos entrelaçados e, mesmo com a diferença de altura, sincronismo em cada passo.

Porra, hoje era um dia que seria eternizado na minha mente.

— Qual é a última aula que você vai ter antes da hora do intervalo? — questionei, embora já soubesse.

— É francês. — disse ela, ainda um pouco acuada, mas bem menos que da última vez. — Por quê?

— Eu queria saber se você quer se sentar comigo e com os meninos na hora do almoço. Não precisa, é claro. — completei rapidamente, não querendo que Amélia se sentisse sob nenhum tipo de obrigação. — Só estou perguntando porque acho que você teria mais apetite se estivesse acompanhada.

— Isso é por causa de alguma coisa que a minha avó falou para você hoje de manhã antes de eu chegar? — perguntou, erguendo o queixo para me olhar. — Ela é super paranoica comigo quando se trata de alimentação. Diz que eu não como muito porque vivo deprimida, o que não é verdade.

— Apesar de eu dar razão à sua avó, não, não é por causa dela. É por minha causa.

— Não acho que entendi muito bem.

— Não quero que você coma sozinha no dia do seu aniversário.

— E o que tem de mais nisso? — pergunta, sem entender. — Passei todos os meus aniversários anteriores comendo sozinha em uma mesa e não morri.

Suspiro, desistindo de usar as razões lógicas e adicionais pelas quais quero que ela fique comigo e com meus amigos e dando o motivo principal logo de uma vez:

— Não quero ficar longe de você. Além disso, fico preocupado de não saber onde você está por conta do incidente com Astrid no início da semana.

Um minuto de silêncio se passou antes que Amélia dissesse alguma coisa.

— Nossa, Sebastian — ela balançou a cabeça negativamente, a franja se espalhando por cima de seus olhos com o movimento. — Você nunca vai deixar isso cair no esquecimento, vai?

— Nunca vou perdoá-la pelo que ela fez com você — digo, minha voz endurecendo ao lembrar de Amélia caindo no chão ao ser empurrada por Astrid. — E nem você deveria. — acrescento, ainda chateado por ela ter deixado todo o episódio passar sem que a devida punição fosse aplicada.

— Não sou de guardar rancor — deu de ombros, sem se importar com a minha reprimenda. — Mas você tem razão sobre uma coisa: almoçar sozinha no dia do meu aniversário é bem solitário. Ficarei feliz de me juntar à vocês, se não for incomodar.

— Sério? — sorri, puxando-a para perto e passando meu braço em volta de seu ombro. — Vai ser divertido, eu prometo. Você vai gostar deles.

Amélia deu uma risada baixa, contida. Meu peito vibrou com o som. Eu amava vê-la alegre desse jeito.

— É claro que vou gostar deles. Estou preocupada quanto a se eles vão gostar de mim.

— E o que há em você para não se gostar?

— Um monte de coisas.

— Você é muito modesta.

— Eu preferiria “verdadeira”.

— Hmm, acho que você tem razão. — concordei, fingindo pensar a respeito. — Não gosto da sua modéstia.

Ela me deu um tapinha nas costas, se afastando.

— Meu primeiro horário é ali — disse, indicando o laboratório mais a diante. — Eu já vou indo. Boa aula.

— Para você também. E não vá fazer como da última vez e tentar escapar pela porta dos fundos, está ouvindo? Quando acabar o último tempo e você me vir, acene na minha direção. Vença essa timidez.

— Vou tentar, capitão. — brincou, levando a mão até a testa em uma continência discreta.

— Você é linda demais. — sorri, pondo as mãos nos bolsos.

Ela estreitou os olhos para mim, ruborizando.

— Você não se cansa?

— De você? Nunca.

— Tchau, Sebastian. — falou, acenando para mim de uma forma que mais se assemelhava a “enxotando”.

— Tchau, Amélia. — respondi, quando ela deu as costas e se dirigiu para a porta que levava até o laboratório.

Não fui embora de imediato. Fiquei observando-a entrar, sem conseguir me mover um centímetro enquanto ainda pudesse vê-la. Só quando ela sumiu da minha vista me permiti seguir meu próprio caminho, flexionando os dedos da mão e lembrando da calorosa sensação que era  ter os dela em volta dos meus.

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