CAPÍTULO 23

“Todo mundo na escola tem seu grupinho. Me sinto solitária na hora do almoço e em todos os minutos que tenho que estar lá. Queria ser corajosa o suficiente para pelo menos puxar assunto com alguém, mas é melhor continuar no meu canto. Melhor não ter amigos do que ser rejeitada ao tentar fazer um.

A verdade é que eu sou covarde demais para me arriscar.”

Diário de Amélia, 04/07/2019

Amélia

Tarde daquela noite, muito tempo depois do jantar, estou sentada no banco acolchoado do parapeito da minha janela, escrevendo no meu diário tendo apenas a lanterna do meu celular como iluminação. Na minha cabeça, tudo está bagunçado e fora de foco, então espero que colocar o que estou sentindo em palavras me ajude a encontrar uma razão.

E uma razão que fosse suficientemente aceitável para ter ficado tão agitada com o que Sebastian dissera para mim naquela manhã na livraria.

“Você não tem a menor ideia do que está me pedindo”, foi o que ele disse. O que eu estava pedindo, então? E mais importante: por que o meu coração acelerou como se houvesse um significado maior por trás de tudo o que ele tinha dito? O jeito como os dedos dele deslizaram pela minha pele… Eu estava quase hipnotizada demais com o modo como ele estava me olhando para reagir. O que era ridículo e inconveniente, porque éramos AMIGOS e AMIGOS não se sentem dessa forma quando estão perto um do outro. Eu esperava que ele ao menos não tivesse percebido. E afinal, o que havia para perceber? Não era como se tivesse acontecido alguma coisa.

O melhor era esquecer esse episódio e seguir em frente. Não seria bom para mim me tornar mais uma das inúmeras garotas com uma queda por Sebastian Dubrov. Definitivamente não seria nad…

Eu borro a palavra sem querer ao me sobressaltar com a vibração do meu celular.

— Que susto — murmuro, colocando a caneta para marcar a página em que parei e alcançando o aparelho que estava com a tela virada para baixo por causa da lanterna.

Desbloqueio o telefone, clicando sem nem ler na mensagem que aparece na barra de notificações. Mais uma vez, meu coração dispara ao ver que foi Sebastian quem mandou.

Sua boba. Quem mais seria se você só tem o contato dele fora o dos seus avós?

Tentando conter minha ansiedade, vejo que ele mandou um arquivo de áudio de três minutos e trinta e dois segundos.

Franzindo a testa, digito:

o que é isso?


Mal envio a mensagem e ele já manda uma resposta:


fiz uma música pra você.
feliz aniversário, aliás :)

Surpresa, olho para as horas no canto superior da tela do meu celular e vejo que são exatas meia noite. O dia 20 de julho acabou de começar. Eu nem mesmo lembrava…

Aperto o play do arquivo quase tonta de nervosismo. Não sei porquê me sinto assim. Ele disse que eu teria que esperar junto com as outras pessoas para ouvir as músicas do álbum da banda quando lançasse e agora tinha escrito uma canção… para mim?

No entanto, toda a barulheira dos meus pensamentos e de qualquer som externo torna-se repentinamente abafada quando ouço o piano. Não tem nenhum outro instrumento acompanhando; há apenas o som cru das teclas se unindo umas às outras, criando uma melodia lenta e delicada que cresce e continua crescendo até que diminui e cessa.

E então Sebastian começa a cantar.

E Deus, a voz dele. A voz dele. É melhor do que eu me lembrava e me causa uma forte onda de arrepios. Ele canta baixinho, seu timbre rouco suavemente dando vida à cada palavra, personificando cada letra e cada tom. Posso visualizá-lo à perfeição criando essa música.

I don't wanna dream anymore
I just wanna follow you to everywhere that you want to go
Hmmm
So much time
Looking at you and asking me
If I wanna lose more time
Keeping myself away
My love sounds like a diary
And my secret is that I wanna be
Your love, your love, your love ¹

É difícil dizer quanto tempo passei apenas absorvendo toda a história que a melodia contava para mim. Falava sobre um amor sufocado. Sobre a vontade de estar perto da pessoa amada e não apenas olhando de fora. Sobre poder falar a respeito de seus sentimentos não como se fossem um segredo a ser mantido a sete chaves.

E acima de tudo, sobre a ânsia de poder demonstrar o que sentia sem medo.

Ou pelo menos foi o que entendi, apesar de também existir altas chances de eu estar apenas alucinando.

Com as mãos trêmulas, penso e repenso no que devo responder e acabo enviando algo que com certeza fará com que eu pareça muito idiota, mas que ao mesmo tempo não posso evitar perguntar:

por que você escreveu uma música dessas para mim?

A resposta que recebo não é grande, mas consegue me atingir de uma maneira que grandes textos não puderam.

porque eu gosto de você. porque estou, há muito tempo, apaixonado por você e queria que você soubesse.

Preciso reler a mensagem de Sebastian mais de cinco vezes para ter certeza de que não li errado. Depois de cair a ficha de que, não, não li errado, começo a ficar um pouco assustada. O que é isso? Uma pegadinha de aniversário? É esse tipo de coisa que os amigos fazem? Te pregam uma peça dessas? É meio maldoso.

não gostei da piada
______________________

que bom, porque eu não estava brincando
_____________________

haha
você vai continuar com isso?
eu já entendi que é uma dessas brincadeirinhas de aniversário
_______________________

você me conhece e sabe o quão a sério eu levo as minhas músicas. pareço o tipo de cara que usaria isso para brincar com você?
______________________

Não respondo.

Mas sim, eu sei que ele não faria isso. Eu só... não. É loucura. Totalmente loucura.

Meu telefone começa a vibrar sem parar na minha mão, e sei que é ele ligando. Não quero atender porque não sei o que dizer. Mas também não quero deixar ele achando que estou pensando mal dele.

Atendo sua ligação, o aparelho de celular tremendo contra o meu ouvido.

— Sebastian...

— Não, você me escuta. — ele me corta, e seu tom é determinado. — Eu nunca mentiria para você. Nunca. Não quero continuar nesse assunto agora e nem acho que você esteja pronta. Mas amanhã nós vamos conversar, está bem?

Balanço a cabeça, mesmo sabendo que ele não está me vendo. As palavras estão todas entaladas na minha garganta.

— Amélia? Está tudo bem?

Conto de um até cinco mentalmente, respirando fundo. Não posso deixar a ansiedade me vencer agora.

— Não é nada — inspiro e expiro. — Só não vou conseguir dormir sabendo que temos um assunto para resolver.

Ele suspira do outro lado da linha.

— Você quer que eu fique acordado com você?

— Não quero que você deixe de dormir por minha causa — recuso.

— E você acha que eu vou conseguir dormir em paz sabendo que por minha causa você vai passar a noite em claro pensando em mil e uma coisas?

— Eu não vou ficar pensando em mil e…

— Não minta. Sei só de ouvir sua voz que você está uma pilha. Pode ir para cama. Charles sempre disse para mim que sou um bom ativador do sono. Posso cantar, contar histórias ou até carneirinhos. Qual você prefere?

Desisto de tentar convencê-lo a ir dormir. Não só porque sei que ele não vai desistir, mas porque preciso disso. Lentamente, me ponho debaixo das cobertas, o celular ainda no ouvido.

— Prefiro uma história.

— Muito bem. Pronta?

— Só esperando você começar.

— Essa é uma história real. É sobre um garoto que tinha muito medo de falar com a garota de quem ele gostava, por isso sempre ficava observando de longe.

— Sebastian.

Ele me ignora.

— A primeira vez em que ele a viu, ela usava tranças e um macacão jeans azul. Os dois estavam na mesma turma de arte e o professor havia trazido vários tipos de flores, quantidade suficiente para que cada aluno pudesse escolher uma sem ter que repetir. O que eles tinham que fazer era reproduzir em aquarela a flor de sua escolha. O menino escolheu margaridas. E a menina escolheu…

— Violetas. — dissemos em uníssono.

— Isso. Violetas. — pude sentir o sorriso na voz dele. — Por acaso a senhorita conhece essa história?

— Talvez. Continue contando.

— O menino não era muito bom pintando, mas a menina estava fazendo um ótimo trabalho. No entanto, quando foi chamada para mostrar o seu trabalho na frente da turma, ela balançou a cabeça, negando. O menino ficou curioso sobre o motivo de ela não querer mostrar sua tela, mas não teve coragem de perguntar, porque percebera o quanto ela ficara desconfortável em ser o centro das atenções. A próxima vez que eles se encontraram, ela já está usando o uniforme, com um novo corte de cabelo na altura da nuca. E foi então que o menino percebeu que não tinha como nenhuma outra garota ser mais linda do que ela…

Meus olhos começam a pesar sem que eu sequer perceba. E, poucos minutos depois, quando Sebastian contava sobre uma garota ouvindo música sentada sozinha no corredor, adormeci, sonhando com o passado, no qual um garoto desastrado de nove anos sujava toda a sua farda da escola de tinta branca e levava uma bronca do professor.

_______________

¹ Eu não quero mais sonhar
Apenas quero te seguir para todo lugar que você queira ir
Muito tempo
Olhando para você e me perguntando
Se eu quero perder mais tempo
Me mantendo distante
Meu amor soa como um diário
E meu segredo é que eu quero ser
Seu amor, seu amor, seu amor.

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