CAPÍTULO 21
“Esta noite, tive o meu primeiro ataque de pânico em três meses onde quase pensei que não haveriam reincidências. Mais uma vez, acordei assustada, sufocando em lágrimas e com o coração acelerado depois de um dos muitos pesadelos com o meu pai, no qual ele apertava o meu pescoço com força, como costumava fazer quando perdia a paciência. Ele sorria ternamente, dizendo: 'eu não teria que chegar a isso se você tivesse ficado em silêncio, querida'. Foi tão real que quase pude sentir o cheiro de álcool impregnado no meu quarto.”
Diário de Amélia, 19/04/2013
Amélia
Sebastian e eu andamos sem rumo pelo extenso gramado ao redor do lago, até nos depararmos com um parquinho de madeira: gangorras, um daqueles brinquedos de escalar e até mesmo uma casa da árvore. Apesar das muitas opções, nós parecemos concordar silenciosamente que nosso lugar seria no lindo balanço de dois lugares que se erguia no centro de tudo.
Pegando impulso com os pés para poder me lançar para frente, pergunto:
— Como você soube que música era aquilo que você queria fazer da sua vida?
Sebastian finca os tênis no chão, parando de se balançar.
— Hmm… para ser sincero com você, eu nunca considerei outra coisa. Pode até parecer meio louco, mas é a verdade. Não que todo mundo acredite em mim quando eu falo a respeito disso.
— E por que não acreditam? — questiono, interrompendo o balanço de me lançar para frente mais uma vez.
Sebastian olha para mim, parecendo pensar sobre a melhor maneira de contar toda a história. Com um suspiro, ele dá início à sua explicação:
— Você sabe que o meu pai é engenheiro e que a minha mãe é arquiteta, não sabe? — assenti com a cabeça afirmativamente. Todo mundo do bairro sabia disso. — Pois é. Eu acho bem legal toda essa dinâmica deles de trabalharem juntos nos projetos e etc, mas desde que o negócio começou a crescer e eles abriram a construtora cinco anos atrás, a minha relação com o meu pai tem sido um inferno. — Ele faz uma pausa, encarando o lago diante de seus olhos por alguns segundos antes de continuar: — No começo, quando ele me pedia para ajudá-lo com o trabalho, eu achava divertido. Não a parte das plantas e dos cálculos, mas o fato de estar com o meu pai. Mas aí eu percebi que para ele, todo o tempo que passava comigo era só uma forma de testar se eu levava jeito para a coisa. Infelizmente, ao ver dele, eu levava. E é então que a merda começa.
“Na cabeça dele, já estava tudo feito: eu ia terminar a escola, iria para a faculdade de engenharia e depois tomaria seu lugar na empresa. Eu te juro, Amélia, o homem não falava de outra coisa. Estava obcecado. A bomba estourou de vez quando ele quis me levar para assistir uma reunião sobre a construção de um prédio qualquer e eu disse que não podia ir porque tinha ensaio da banda. Então ele simplesmente surtou. 'Que porra é essa, Sebastian? Até quando você vai colocar essa idiotice de banda na frente do seu futuro? Você sabe que não vai dar certo. Isso é perda de tempo. Você é bom, mas não é bom o suficiente. E eu não te criei para ficar escrevendo música e vagabundando por aí.'”
— Daí eu também perdi a paciência e falei um monte. Disse que não queria e nem iria fazer parte da empresa e que se ele achava que eu ia desistir do meu sonho para me tornar um segundo Sean Dubrov, era melhor esperar sentado. — Sebastian balançou a cabeça, um sorriso amargo que não tinha a mínima semelhança com os que eu estava acostumada a ver nele tomando forma em seu rosto. — Claro que não melhorou em nada o fato de minha mãe ter ouvido tudo. Pode não parecer pra quem vê de fora, mas a minha família é toda de pavio curto. Então se você acha que o que o meu pai falou foi ruim, deveria ter visto a minha mãe. Eu nunca vi os dois discutirem daquele jeito. No fim, mamãe ficou duas semanas sem olhar na cara dele. E em todos os dias em que eles estiveram brigados, meu pai fez questão de enfatizar que a causa da minha família estar se dividindo era a minha arrogância em pensar que tinha talento o bastante como músico para fazer sucesso. Enfim. — ele respirou fundo, espalmando as mãos nas coxas. — Eu sei que ele está errado, então não importa.
— É claro que importa — digo, sem nem pensar.
O rapaz ao meu lado olha para mim, surpreso pela minha súbita reação.
— O que eu estou querendo dizer é que — reiniciei, dessa vez mais controlada. — É claro que é bom você não se deixar influenciar pelo que o seu pai diz, porque sinceramente não passa de uma forma de tentar te manipular a fazer o que ele quer. No entanto, isso não pode ser visto como algo sem importância. É o seu pai, afinal de contas, e a opinião dele importa para você. — falei, desejando com todas as forças que Sebastian entenda o que quero dizer da maneira certa. — E é por isso que eu sinto muito. Não deve ser fácil ter que ficar ouvindo essas coisas de uma pessoa que você ama. Sei que isso machuca você.
— Não é grande coisa, Amélia. — ele disse, se endireitando no balanço. — O que eu tenho é só uma mera falha de comunicação na família. Não é nada se for comparado às dificuldades que muitas outras pessoas enfrentam.
— Sim, você está certo — concordei, porque, em grande parte, ele estava mesmo. Então, hesitando por apenas um segundo, alcancei uma das mãos que ele mantinha apoiada na perna, sentindo uma onda de prazer me atravessar ao receber um olhar chocado em resposta. — Mas isso não faz com que você sofra menos. Não é correto diminuir a dor de alguém levando em conta o que outra pessoa está passando. Cada um sente e é afetado de um jeito diferente. Sentimento é uma coisa sobre a qual não temos controle, e sufocar isso dentro de você só vai te fazer mal. E, não estou dizendo que você tem que me contar, mas eu quero deixar claro que se precisar de alguém para falar sobre isso ou qualquer outra coisa, bom… eu ficarei feliz em estar lá. — concluí, apertando sua mão levemente para confirmar de mais de uma maneira que ele podia contar comigo.
— Isso… — Sebastian começou, limpando a garganta. — Isso significa muito, Amélia. Obrigado. Você pode contar comigo também. Sempre. — Sebastian apertou minha mão de volta, o que fez com o que eu sorrisse. — Nossa, você quase me fez chorar.
— Você pode chorar se quiser — falei, suavemente. — Faz bem para a alma, sabe.
Ele deu risada.
— Talvez da próxima. — disse, erguendo nossas mãos unidas. — Posso continuar segurando sua mão?
— Era para ser uma forma de te confortar. — expliquei. — Se você ficar segurando por muito tempo, não vai ter o mesmo efeito da próxima vez.
— Acho que você está equivocada. — Sebastian respondeu, entrelaçando os dedos nos meus. — Quanto mais tempo eu passar segurando, maior será o efeito da próxima vez.
Encaro nossas mãos juntas, sentindo meu rosto esquentar quando ele acaricia minha pele com o polegar.
— É que é meio estranho… Isso não parece muito ser coisa de amigo.
Sebastian, que também prestava atenção em nossos dedos, levantou os olhos para os meus.
— Amélia… pensando no que você me disse sobre sufocar meus sentimentos, eu sinto que não devo continuar escondendo o que se passa no meu coração.
— Como assim? — indago, preocupada. — Tem alguma coisa que você queira me contar?
— Sim. Tem, sim. — ele assente, e tenho a sensação de que seja lá o que ele quer me dizer, é algo grande. — Eu… há muito tempo eu…
— Sebastian, você não precisa me dizer se não estiver pronto. — esclareci, caso ele estivesse se sentindo pressionado.
— Não. — ele ri, sua respiração saindo entrecortada. — Eu estou pronto, só estou um pouco nervoso. O que eu quero… Não, o que eu preciso, é que você saiba que eu sempre…
— Sebastian, você está tremendo. — seguro sua outra mão, erguendo as sobrancelhas ao senti-la úmida de suor. — Bem, se quer minha opinião, eu acho que você definitivamente não está pronto para se abrir a respeito de seja lá qual for o motivo de você ter ficado desse jeito.
— Amélia, você não está entendendo…
Neste momento, dou um pulo ao sentir uma gota gelada de água tocar o meu pescoço. Olho para o céu, que se tornara cinza de repente.
Mais gotas vem depois da primeira.
— Acho melhor irmos embora — puxo Sebastian pela mão. — As chuvas daqui nunca são fracas. Se não formos logo, vamos ficar ensopados.
Murmurando alguma coisa que soa ininteligível em seu tom de voz, ele se levanta do balanço.
— Você tem razão. Sua avó vai me matar se você chegar resfriada em casa. — ele diz, toda a sua insegurança de um minuto atrás desaparecendo como poeira no ar. — Se formos agora, conseguimos chegar no carro a tempo. — e então, apertando seus dedos firmemente em volta dos meus, saímos correndo de mãos dadas pelo parque.
Cinco segundos depois, o mundo desaba em cima de nossas cabeças. Com os tênis que uso para ir para escola, quase escorrego na grama molhada uma vez, mas o apoio de Sebastian impede que eu caia.
Tenho que admitir que talvez ele tenha razão sobre dar as mãos.
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