CAPÍTULO 19
"Aqui vai um recado para o meu futuro eu de 2020: aprenda a ter paciência e seja gentil consigo mesma. Respire bem fundo quantas vezes precisar e não se force a fazer o que ainda não puder fazer. Você estará pronta ao seu próprio tempo e não há nada de errado em não ser como os outros desde que você seja você mesma."
Diário de Amélia, 31/12/2019
Amélia
— Não acredito que você vai gravar um álbum! — exclamei, pelo que pareceu ser a quarta vez. — Isso é fantástico! Meus parabéns, Sebastian! — eu disse, me sentindo realmente exultante de felicidade com a notícia. — Quando te ouvi cantar no pub foi uma surpresa enorme, porque eu não fazia ideia de que você cantava ou de que tinha uma banda. E mesmo que a minha opinião a respeito não signifique muita coisa, já que não acompanho tudo desde o início, queria que você soubesse que o pouco que pude ver de vocês em palco foi simplesmente incrível. A conexão que você tem com a música é algo raro e o fato de transmiti-la para outras pessoas tão bem é único. De verdade, estou muito feliz por você. — falo, impulsivamente envolvendo seu pescoço em um abraço.
Apesar do gesto impensado, eu não tenho tempo suficiente para considerar que talvez não o devesse tê-lo feito, porque Sebastian me enlaça pela cintura no ato, girando levemente, o que faz com que os meus pés saiam do chão por alguns segundos.
— Se eu soubesse que iria reagir desse jeito, teria sido a primeira para quem eu contaria — ele ri, ainda me segurando contra si.
Um tanto constrangida, recuo, dando-lhe um sorriso sem graça.
— Desculpe, eu me empolguei. — digo, colocando meus cabelos para trás dos ombros. — Afinal, uma notícia como essa não é algo que se ouve todos os dias. Ter um amigo que é o vocalista de uma banda famosa é uma grande honra. Só não vá se esquecer de mim quando estiver em uma turnê pelo mundo, combinado?
— Você fala de muitas coisas impossíveis.
— Ah, pare. — falei, diante do quão modesto ele estava sendo. — Vocês são muito talentosos. Já estão gravando um álbum, mais cedo ou mais tarde vão sair em turnê, você vai ver.
Ele soltou uma risada baixa, naquele tom suave e rouco tão particular do seu timbre.
— Não era disso que eu estava falando.
— De qualquer forma, espero que você possa me mostrar a sua música qualquer dia desses. — comento, da maneira mais despretensiosa que consigo.
— Ah, não tão fácil assim. — Sebastian diz, negando com a cabeça. — Será uma surpresa. A senhorita terá que esperar como os demais.
— Mas... e os benefícios de ser amiga do compositor? — eu tento, na esperança de convencê-lo.
— Você já tem benefícios demais. —ele devolve, arqueando uma sobrancelha, um desafio silencioso para que eu o contradiga.
Fico boquiaberta. Que benefícios? Eu só tinha ouvido ele cantar uma única vez! No entanto, tento não demonstrar o meu ultraje e apenas dou de ombros:
— Então se é assim, ao menos não fique falando o tempo inteiro e me deixando curiosa, ok? Eu fico ansiosa muito rápido. — falei, solenemente. — E vamos logo, se demorarmos mais, chegaremos atrasados para escola.
Sebastian se interpõe na minha frente, um sorriso incrédulo nos lábios.
— Não acredito nos meus olhos.
— Do que você está falando? — questionei, entediada de toda aquela conversa.
— Desse franzido no meio da sua testa — ele diz, tocando no espaço entre minhas sobrancelhas. — Você está toda emburrada.
Desviei o olhar.
— De onde você tirou isso? Claro que não.
Sebastian estreitou os olhos, duvidoso.
— Você não é uma boa atriz, Amélia — provocou.
Suspiro, me rendendo.
— Não é que eu tenha ficado emburrada. É só que, com você todo animado falando sobre as suas músicas, pensei que fosse me mostrar uma delas, entende? — ele abre a boca para dizer algo, mas eu continuo rapidamente: — No entanto, eu não vou ficar com raiva nem nada caso você não vá. Eu respeito totalmente a sua decisão de não me mostrar. Se você não se sente confortável, não quero que se obrigue a fazer isso. É a minha primeira vez sendo amiga de alguém e não quero ser do tipo que fica fazendo cobranças.
Percebendo que o rapaz a minha frente estava totalmente sem reação diante do que eu dissera, acrescento:
— Me desculpe.
Isso parece tirá-lo de seu estupor.
— Amélia, você entende tudo errado, pelo amor de Deus — diz ele, segurando meus braços. — Eu não disse que você estava emburrada com a intenção de tirar satisfação sobre o motivo ou fazê-la se desculpar comigo. Eu comentei por ser uma expressão nova sua. Só disse porque achei bonito.
— Quê? — solto, pega de surpresa. — Você não pode estar falando sério.
— E por que não estaria? — rebateu. — Você não sabe que você é linda?
Aquela pergunta faz com que eu congele em choque.
Não é que eu não gostasse da minha aparência. Meus avós sempre diziam que eu era bonita e eu já tinha até ganhado elogios de outras pessoas, como a minha terapeuta, por exemplo.
Contudo, ao olhar no espelho, nunca me senti assim.
O cabelo castanho-claro não tinha personalidade e eu nunca mudara o corte, sempre mantendo a franja um pouco acima das sobrancelhas. Meu nariz era estranho; minha boca era muito pequena e sem graça; e quando os meus olhos me encaravam de volta, eu só conseguia me sentir... como uma grande e opaca casca vazia.
Felizmente, não era sempre assim. Mas infelizmente, era o meu habitual.
Então, a resposta era... não sei. Não sei se sou bonita. Se as pessoas me dizem que sou, devo acreditar mesmo quando não me sinto assim? E se sou bonita, então o que é feio? Que rótulos estranhos são esses e porque devemos viver a mercê deles?
— Eu acho que você tem uma visão muito particular de mim — respondo, com cuidado. — Tenho medo de que mais cedo ou mais tarde acabe se decepcionando.
— Todos temos visões particulares sobre aquilo que conhecemos. — Sebastian responde, seus olhos escrutinando os meus sem pudor. — Tem muitas coisas em mim que você enxerga que não são reais. E há coisas em mim sobre as quais você não faz ideia. É por isso que a quero por perto. Para que me conheça.
— Você fala tantas coisas... — balanço a cabeça, sem tirar os olhos dos dele. — Mas elas não são nem metade do que o seu olhar me diz.
Continuo presa àquelas íris, com o centro escuro como avelãs se abrindo para um verde intenso de florestas. Lá dentro, um misto de sentimentos. Relutância... e desejo. Os olhos de Sebastian se dilatam conforme sua relutância diminui. Meu coração palpita de ansiedade.
Que segredo ele quer me contar...
Sem aviso, uma borboleta azul passa voando muito próxima de meus olhos, e dou um passo para trás, surpresa e fascinada.
— Ela é linda — digo, em voz baixa, sem saber se falar alto vai assustá-la. Ainda planando a centímetros do meu rosto, a bela borboleta pousa na ponta do meu nariz.
— Não se mexa — diz Sebastian, rouco, tirando o telefone de dentro do bolso. — Sorria.
Tenho vontade de reclamar por ele querer tirar uma foto, mas acabo sorrindo mesmo assim, porque a borboleta faz cócegas em minha pele.
— Pronto. — ele confirma, baixando o celular. E magicamente, como se tivesse parado especialmente para ser fotografada, a delicada e etérea borboleta de asas azuis vibrantes se vai.
Continuo observando-a subir mais e mais alto, até estar longe demais para ser vista.
— Você sabia que elas são mensageiras espirituais? — pergunto a Sebastian, que está em silêncio ao meu lado.
— Já ouvi algo a respeito. Conte mais.
— Elas nos avisam sobre momentos de transformação em nossa vidas. — conto, ainda extasiada com a experiência. — A maioria das borboletas não vive muito tempo, sabe? Só uma ou duas semanas. Quando uma delas tem um contato desses com você, é um sinal para que aproveite os momentos e oportunidades que a vida lhe dá. As azuis, em especial, significam sorte.
Sebastian olha para mim, um de seus sorrisos mais largos no rosto. Me sinto ruborizar. Todo o semblante dele se abrilhanta quando sorri, como se uma aura diferente o envolvesse, deixando-o ainda mais bonito.
— Que bom, então. Ela me confirmou algo que eu já sabia.
— E o que era? — quero saber, curiosa.
— Hummm. Prefiro guardar segredo.
— Agora você está fazendo de propósito.
Ele destrava o carro, abrindo a minha porta.
— Ser misterioso é só um dos meus muitos atrativos — faz piada, num tom ridiculamente sedutor.
— Ah, fique quieto. — reclamo, e ele ri.
— Às suas ordens, senhorita borboletas.
— Sabia que você ia falar alguma coisa. — digo, entrando no carro.
Sebastian dá a volta no veículo, deslizando pelo banco do motorista e fechando a porta.
— Me emociona saber que já nos conhecemos tão bem — e então liga o carro. — Qual vai ser a música? Aquela do Harry Styles de novo?
Assenti, impressionada.
— Me emociona saber que já nos conhecemos tão bem.
— So, just let me adore you, baby — diz, e os primeiros acordes de Adore You começam a tocar no instante em que pegamos a estrada.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top