CAPÍTULO 14

"Há dias em que me sinto mal e me sinto sufocar sem sair do lugar. Dias em que meu coração acelera, minhas mãos ficam úmidas com o suor e meu estômago pesa como pedra. A causa de tudo isso, no entanto, é invisível e está na minha mente. A ansiedade é uma inimiga que tenho muito medo de nunca poder vencer."

Diário de Amélia, 03/08/2019

Amélia

Acordo na enfermaria, me sentindo desnorteada e fora de órbita. Abrir os olhos é difícil, e faço uma careta por causa da dor que sinto em um deles. Ao passar a mão levemente no lado esquerdo do meu rosto, posso sentir o alto relevo em minha pele provocado pelo soco de Astrid. Ela tinha mesmo caprichado nesse golpe.

Uma tontura me atinge quando estou me erguendo o suficiente para poder ficar sentada, e sinto o apoio de mãos nas minhas costas quando uma voz familiar enche meus ouvidos:

— Você acordou. — disse Sebastian, ajeitando o travesseiro no qual eu estava deitada para que sirva de encosto entre mim e a parede.

Eu o encaro com o único olho que consigo abrir, minha mão ainda sobre o que fora atingido.

— Por que você continua aqui? — indago, de repente me sentindo muito culpada. Agora que estou prestando atenção, ele não parece muito bem. — Você não precisava ter ficado. Espero que não tenha perdido muitas aulas. Quanto tempo passei desacordada?

É então que Sebastian, que estava parado de pé bem ao meu lado, deixa um suspiro profundo escapar de seus lábios, logo em seguida correndo os dedos pelas madeixas grossas de seu cabelo castanho, que já se encontrava uma bela bagunça.

Diferente de todas as vezes em que eu o vira, o garoto de ouro sorridente da cidade parecia finalmente ter tirado a máscara de felicidade inesgotável.

É ao vê-lo assim que algo me atinge.

— Você tem razão. — diz ele, tentando me dar um de seus sorrisos brilhantes e falhando na missão. A tranquilidade que ele tenta aparentar não chega até seus olhos. — Eu não precisava ficar. Mas acho que nós dois sabemos que eu não conseguiria ir nem se quisesse.

Ele estava preocupado comigo, penso, repentinamente triste por ter sido o motivo de deixá-lo naquele estado.

— Me desculpe. — eu digo, baixinho. Saber que a pessoa que tenho comigo neste momento se importa tanto com o meu bem estar é ao mesmo tempo comovente e inesperado. E faz com que eu me sinta mal por ter causado problemas. — Eu não queria toda essa confusão. Não era para você ter visto aquilo. Tentei não provocar Astrid, mas ela parecia determinada a...

— Como assim "não era para eu ter visto aquilo"? — Sebastian indagou, o tom de sua voz subindo com o franzir de sua testa. — Amélia, você esperava apanhar e não contar para ninguém? É isso mesmo?

— Eu... — comecei, mas ele não estava nem perto de terminar.

— E "provocá-la"? — ele quase riu. E não como se estivesse achando engraçado. — Aquela garota te bateu porque é uma descontrolada com vários problemas de temperamento e nenhum pingo de noção. A única culpa que você tem nisso tudo é de ter estado lá na hora errada e com a pessoa errada. O que ela fez se chama agressão, não confusão. Quando te vi no chão daquele jeito, eu... eu nem sei no que pensei. Mas eu juro para você que se ela não for expulsa...

— Ela vai ser expulsa? — indaguei, chocada. — Mas eu...

— Por tudo o que é mais sagrado, se você tentar defendê-la eu vou perder a paciência. — ele alertou, me fazendo pensar que ficar em silêncio era uma boa opção. Pelo menos por agora. — Quem se importa com o que vai acontecer com ela? Se preocupe consigo mesma! Você sabe o quão assustador foi para mim ouvir você gritar? E então sentir você perdendo a consciência em meus braços?

— Sebastian — eu chamei, e por pura teimosia, ele relutou em me olhar. — Sebastian, por favor.

Ainda sem dizer nada, ele ergueu a cabeça, seus olhos encontrando os meus. Estendi a mão na sua direção. Olhando de mim para minha mão estendida, o franzido em sua testa se suavizou.

Sorri quando, meio a contragosto, ele segurou minha mão na sua.

— Eu entendo o motivo de você estar chateado. — comecei, em um tom conciliador. — Sei que você não queria que isso tivesse acontecido comigo e nem com ninguém, mas aconteceu. Fiquei magoada com as coisas que ela me disse, mas... mas foi apenas um soco. Sei que a Astrid foi uma tremenda idiota. Bateu em mim porque eu era a única em quem ela pensou que podia descontar a raiva sem maiores problemas. Fiquei com medo, e doeu, é claro. Mas... mas você veio até mim. Entende? Eu não estava sozinha depois que tudo passou. Sabe o quanto é triste alguém te bater e não ter ninguém ali por você? — engulo em seco, sentindo minha voz tremer diante das lembranças que ganham vida por um segundo em minha mente.

Todas as vezes, depois que apanhava do meu pai, eu sempre estava sozinha. Em todas elas, ninguém intervira por mim. Nunca. E aquele era o pior tipo de solidão. Não a de se sentir sozinha no mundo, mas a de saber que entre tantas pessoas, não havia nenhuma com a qual você pudesse contar. Na época, eu não sabia da existência de vovô e vovó, então era exatamente assim que me sentia. A figura que eu conhecia como mãe me abandonara mesmo sabendo com quem eu ficaria.

Aquilo foi mais que descaso.

Foi uma sentença.

— E você estava lá. — continuei, afastando as memórias ruins. — Sei que pensa que não chegou a tempo, mas não é verdade. Me senti aliviada por vê-lo vindo em minha direção. E depois de eu dizer que não me sentia pronta para conhecer seus amigos e almoçar com vocês no refeitório, você podia muito bem ter pensado que eu simplesmente fugira ou dera pra trás, mas não. Você veio atrás de mim. Você veio.

Com Sebastian permanecendo em silêncio, me perguntei se o que eu tinha dito havia sido o bastante. Mas quando a ausência de uma resposta quase me fez pensar que havia falado a coisa errada, ele disse:

— Não sabia que você podia falar tantas coisas de uma só vez. — e então sorriu.

Dessa vez, seus olhos se acenderam, a luz voltando ao seu lugar. Sorri de volta, sentindo orgulho de mim mesma por recuperar o brilho que estava faltando. Estava prestes a dizer que me sentia bem o suficiente para deixar a enfermaria quando ouço sua pergunta.

— Eu posso... te dar um abraço?

Ergo os olhos para os dele, totalmente pega de surpresa. Estou tão chocada que esqueço por um momento que ele espera uma resposta. Por alguma razão, me sinto tímida. Entretanto, sem achar um motivo sequer para negar o seu pedido, balanço a cabeça, fazendo que sim.

E percebo rapidamente que Sebastian estava pronto para ouvir um "não", pois as maçãs de seu rosto adquirem um leve tom de vermelho que não estava ali antes. Minha timidez agora parece bobeira.

Porque... aquele é Sebastian. Ele foi o primeiro rosto que vi quando entrei para o meu primeiro dia de aula no St. Davencrown. Aquele que entre tantos rostos e expressões intimidadoras, sorriu para mim. Não importa se nós não nos falávamos até pouco tempo. Sei que não preciso ter medo, porque conheço a pessoa aqui na minha frente.

Lentamente, Sebastian solta minha mão. E então, do jeito mais bonito que alguém pode fazer, ele se aproxima de mim de braços abertos. É estranho, mas surpreendo em como é instintivo me inclinar para recebê-lo. Suas mãos envolvem minha cintura e as minhas vão até seu pescoço, e é natural.

Seu cheiro e o calor de sua pele, até mesmo o som abafado de seu coração batendo... nada me é esquisito. É tudo tão confortável e acolhedor que quase sinto como se eu o já tivesse abraçado inúmeras vezes antes. Deixo uma risada meio asfixiada escapar quando Sebastian me aperta um pouco mais.

— Você está me sufocando. — eu o avisei, dando tapinhas em suas costas.

— Mas é tão bom. — ele diz, me segurando um pouco mais apertado antes de finalmente me soltar. — Seu olho está doendo muito? Quer que eu chame a enfermeira?

— Não precisa. É só passar gelo. — digo, ao passo que Sebastian já pega a bolsa térmica que foi deixada no carrinho ao lado da minha maca e estende na minha direção. Eu a pego, agradecendo-lhe com um aceno de cabeça e então a coloco sobre o olho inchado, lutando para não soltar um gemido de dor com a sensação. — Em breve vai estar melhor. Agora você vai me dizer por quanto tempo fiquei desmaiada?

— Só uma hora, apesar de ter parecido ser mais. — disse ele, me observando atentamente. — Charles veio algum tempo atrás dizer que a diretora está esperando você se sentir melhor para ter uma audiência oficial junto com Astrid. Ela disse que só vai dar o veredito final quando ouvir de você os detalhes do que aconteceu. Na minha opinião? Ela está perdendo tempo. Todo mundo sabe que Lakshmi é uma valentona.

— Vou pedir à diretora para que ela não seja expulsa. — eu disse, já me levantando da cama.

O quê? — Sebastian esbravejou.

Revirei os olhos.

— Ela estava com raiva por causa do que aconteceu na outra noite, no pub. Parece que ela foi pega e agora corre o risco de ser expulsa do lacrosse e perder a oportunidade de ganhar uma vaga na faculdade que quer.

— É, eu sei que ela foi pega. — disse ele, em voz baixa, parecendo chegar a uma infeliz conclusão. — Porque fui eu quem a denunciou. Ela disse que foi esse motivo pelo qual te bateu? Por que achou que foi você quem fez a denúncia? É culpa minha.

— Não é culpa sua, Sebastian. Ela tem raiva de mim há muito tempo. — e era verdade. — Não vai com a minha cara desde que éramos crianças. Esse foi só um pretexto. Uma hora ou outra ela teria batido em mim.

— Odeio essa resignação na sua voz. Como se estivesse acostumada a ter as pessoas batendo em você.

Congelo, sentindo meus músculos ficarem tensos.

Ele nota.

— Amélia, o que...

— Eu preciso ir — eu digo, pondo a bolsa térmica de volta no carrinho. — Você deveria voltar à aula. Não quero que seja ainda mais prejudicado por minha causa. E... muito obrigada.

Sem esperar por mais e com medo de que ele me impeça caso eu hesite, vou embora.

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