CAPÍTULO 10

“Querido diário, ouvi dizer em algum lugar que somos feitos de sonhos. Que acreditar que podemos realizá-los nos impulsiona para mais perto deles. Mas nos meus dias mais sombrios, me pergunto: e aqueles que não sonham com nada, do que são feitos? Quando me sinto vazia, eu questiono a mim mesma: do quê você é feita?”

Diário de Amélia, 22/04/2019

Sebastian

Não havia coisa melhor do que estar perto dela, pensei, quando Amélia riu e bateu palmas ao me ouvir cantar o rap da música Stereo Hearts. Fiquei até impressionado comigo mesmo por ter feito uma boa performance. Eu não era um bom rapper. Essa posição pertencia ao Zad, que sempre que podia fazia disputas com Charles e Loren só porque sabia que iria sair vencedor.

Eu contei isso para Amélia, que apenas me observou em silêncio, um pequeno e adorável sorriso esticando levemente os seus lábios.

— O que foi? — perguntei, tentando não tremer sob seu olhar e terminar expondo o quanto eu estava nervoso por dentro.

Ela balançou a cabeça, como se dizendo que não era nada.

— Vamos, me conte — insisti.

Amélia suspirou, se rendendo. Sorri comigo mesmo. Ela estava começando a entender que eu não era do tipo que desistia.

— É só que... — ela se ajeita no banco do carona ao meu lado. — É bonito como você fala dos seus amigos. Está claro no seu rosto que você os ama muito.

Desvio os olhos da estrada por um segundo para olhar para ela, surpreso. Se Amélia conseguia me ler tão bem assim em tão pouco tempo, eu estava ferrado. Não ia durar uma semana até que descobrisse que eu era totalmente apaixonado por ela.

— É verdade. — eu respondo. — Eles cresceram comigo e estiveram comigo sempre que precisei. Somos família.

— Fico feliz por você. — diz ela, encostando a cabeça no vidro da janela. — Observei muito as pessoas e nem todas têm a sorte de ter amigos verdadeiros como os seus. Ou mesmo de ter amigos.

— Bem, então fique feliz por si mesma também. — eu disse, avistando os portões altos de ferro do Instituto se erguendo entre as árvores. — Você tem a mim agora.

— Sebastian... — ela diz, baixinho, e sinto o meu coração errar uma batida enquanto espero pelas palavras que virão a seguir. — Obrigada.

Respiro fundo, aliviado.

— O que eu disse sobre agradecer por coisas como essa? — eu digo, em um tom de falsa reprovação.

— Será que você pode me deixar agradecer quando estiver me sentindo grata? — ela retruca, soltando o ar. — Nós moramos no mesmo bairro e estudamos na mesma escola desde que me mudei para cá. Faria todo o sentido do mundo você ter agido como os outros e me julgado alguém arrogante que pensa estar acima dos demais, mas não o fez. Pelo contrário, ajudou no momento em que achei que estava sozinha e me ofereceu apoio quando precisei. Então... eu só queria que você soubesse que a sua amizade é valiosa para mim, entende? Não é qualquer coisa.

— Amélia. — eu chamo seu nome, engolindo em seco. É um pouco difícil para mim assimilar o que ela acabou de me dizer; talvez porque os anos que passei acompanhando-a de longe tenham me feito pensar que nunca poderia chegar perto o bastante, que meus sentimentos por ela eram algo impossível de se concretizar. Pela primeira vez, pude ter esperanças reais de estar errado. — Você acredita em destino?

— Eu não sei. Você acredita?

— Eu acredito que há certas coisas das quais não podemos fugir porque simplesmente são para acontecer. — começo, com cautela, tentando não parecer um doido varrido. — E que há certas pessoas que estão destinadas a se conhecer. Faz algum sentido para você?

— Acho que entendo o que você está querendo dizer — declarou ela, balançando a cabeça lentamente, como se ponderando sobre o que eu havia dito. — No entanto, a definição de destino pode ser relativa. Veja bem: há acontecimentos e pessoas comuns e há acontecimentos e pessoas que agem como um divisor de águas para nós. Acredito que deva ser destino quando, por causa de uma única pessoa, você vive a sua vida de uma maneira totalmente diferente do que seria caso ela não tivesse aparecido.

— Tirou as palavras da minha boca. — falei, tentando não me surpreender com o modo parecido com que pensávamos. — Então, uma última pergunta: você não acha que possa ser o destino termos vivido dez anos tão próximos um do outro e só termos começado a nos falar porque de repente aconteceu de em um sábado à noite você e eu estarmos juntos no mesmo dia, hora e lugar? — pronto, aí estava. Por favor, não me ache um estranho, peço, antes de me virar para encará-la e me deparar com seus grandes olhos castanhos me olhando como se eu fosse a pessoa mais sem juízo que ela já conhecera na vida.

— V-viajei, né? — gaguejei. — Deus, devo ter soado assustador. Ou bizarro. Grandes chances de ter sido os dois. De qualquer forma, nós já chegamos e agora você pode correr.

Parecendo só agora se dar conta de que o carro havia parado em uma das vagas do estacionamento estudantil, Amélia sacode a cabeça, desperta.

— Desculpe, seu tema de conversa me fez refletir por um segundo e nem percebi que tínhamos chegado. — ela disse, destravando o cinto de segurança. — Você pode pegar minha bolsa no banco de trás?

— Claro. — Estico meu braço e pego sua mochila azul escura, estendendo-a para ela.

— Obrigada. Você vai ficar chateado se eu for na frente? — abro a boca para responder, mas ela não me deixa terminar. — É que eu tenho um teste no primeiro horário. O professor é rígido com atrasos.

Dou-lhe um sorriso apaziguador.

— É claro que não vou ficar chateado. — digo, tranquilo. — É minha culpa que você tenha que se apressar.

Não, a culpa é da sua playlist — ela disse, abrindo a porta do carro. — Passamos pela frente do colégio três vezes antes de finalmente entrarmos e em todas elas uma nova música tinha começado a tocar. Não se preocupe, eu respeito isso. Precisamos deixá-las dizerem o que querem dizer, você sabe.

— Eu sei — digo, atônito. Enrolei para chegarmos na escola para passar mais tempo com ela e ela achou que foi por causa das músicas? Não sei se acho engraçado ou se acho triste. — Te vejo no almoço! — exclamo, bem na hora em que ela bate a porta e segue correndo para o alto edifício de pedra que se ergue mais a frente.

Espero que ela tenha mesmo um teste e não esteja só tentando se livrar de mim. Não que eu fosse julgá-la, pelo menos não nesse momento. Por que fui falar do lance do destino? Até eu fiquei assustado. Quem eu pensava que era? O personagem principal de um livro de romance/fantasia?

Uma série de batidas no vidro do carro me fez voltar à realidade.

— Acorda, cara! — Zaden gritou do lado de fora. — Por que ainda está aí dentro? O sinal já vai tocar, bela adormecida.

— Deixe ele, estava sonhando com  Amélia. — Loren disse, do lado dele. — Amélia! Amélia! Um beijo teu e todo o meu corpinho é seu!

— Estou orgulhoso, Loren. — digo, saindo do carro e travando-o em seguida. — De comediante mal sucedido à poeta mal sucedido. Acho que deveria aceitar de uma vez que seu talento é na música e... Por favor, um de vocês pode me lembrar no que mais?

— Em mais nada. — responde Charles, erguendo o punho para que eu o acerte.

— Todos vocês me amam, essa é a verdade — Loren proclama.

— A verdade é que demonstramos afeto por você porque você é o menos atraente de nós. — Zaden começa, em tom de solidariedade fingida. — Se observar direitinho fica claro que Sebastian é o bonitão, Chuck tem o charme e eu sou gostoso pra caralho. Você é o nosso mascote.

— Quer saber? Eu vou chutar a sua bunda.

— Não chore, amigão. A verdade dói, mas fortale... — antes que Zad possa concluir a frase, Loren está correndo atrás dele.

— Crianças. — Charles e eu dizemos em uníssono, antes de começarmos a correr para alcançá-los também.

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