Detetive Sullyvan
Eu devia ter escolhido a medicina, assim poderia ajudar as pessoas de um outro modo. Podia ter sido um cozinheiro quem sabe, sério até me viro bem na cozinha quando preciso. Eu podia ter sido um grande jogador de futebol, ganharia dinheiro, fama, teria tempo para conhecer os lugares aonde só ia a trabalho. Mas a minha boa e velha perna tinha que se quebrar em uma dividida e lá se foi a carreira de futebolista.
Meu nome é Christian Sullyvan. Um nome um tanto incomum e americanizado. Isso se dá conta por causa de meu pai. Americano com naturalidade brasileira. Mattew Sullyvan. Também detetive antes de falecer a alguns anos.
Bem... eu devia ter me contentado com a minha vida. Não era ruim de forma alguma, uma pena que demorei para perceber isto. Apesar de alguns problemas como uma ex-mulher que não me deixava em paz e uma filha entrando na adolescência e parecia seguir a mãe no quesito me odiar. Claro que eu não era também um grande exemplo de pai.
Fora isso eu tinha meu trabalho com qual tentava me acostumar após tantos anos, mas não devia. O que fazia e os métodos que usava ninguém devia achar comum.
Eu diria que todos nós humanos vivemos em três camadas de realidade; a do meio é a mais comum e onde a maioria das pessoas vivem. Elas estudam e trabalham, compram um carro, se casam e tem filhos, envelhecem e morrem tendo uma vida comum. A outra realidade é a mais podre e obscura, lá podemos encontrar tudo o que há de ruim no mundo, pessoas loucas que matam por muito pouco, estupradores, ladrões de órgãos, pessoas que roubam crianças para realizações de magia negra e por aí vai. Embora a camada do meio tenha o conhecimento deste mundo através dos jornais eles fingem que nada disso nunca vai bater a sua porta. A última camada fica as pessoas como eu, conhece tudo e é obrigado a descer na camada mais podre para proteger a camada do meio que por sua vez não sabe o quanto nos esforçamos para que eles tenham boas noites de sono.
Sou detetive e psicólogo. Fiz muitos trabalhos sujos com qual ninguém gostaria de lidar. Vi coisas que a camada do meio não imaginaria um terço, mesmo vendo tantos filmes e séries de crimes.
Mas após muito trabalho duro decidi me especializar em um outro departamento. Sou chamado para casos específicos onde todas as provas apontam para alguém, mas esse alguém se declara inocente. O primeiro passo é usar as técnicas de psicologia, se eu sentir que ele pode estar dizendo a verdade então o verdadeiro trabalho começa. O departamento era bem novo, uma iniciativa do governo que havia aprovado a pena de morte no país, mas não queria cometer injustiças então se o réu se declarava inocente tínhamos que ir até o final com o caso. No começo confesso que era bem descrente das palavras dos acusados, mas um tempo depois comecei a ver quantas injustiças aconteciam porque ninguém ia atrás das provas. A maioria eram condenados pela mídia que eu tanto odiava, e pelo apelo popular "a camada do meio" comecei a entender que, às vezes, nem sempre o que as provas apontam é a realidade. E foi assim que de cinquenta casos em cinco anos provei a inocência de 4 condenados. Acha pouco não é mesmo? Mas e se essas vidas tivessem sido perdidas por um erro em investigações, ou porque olharam para sua cara e acharam por preconceito que você seria capaz de tal crimes? E se fosse com sua família? Apesar de me orgulhar com o que fazia não era nada fácil, minha briga era contra tudo e todos, conseguir provar o que a cena dos crimes apontavam era muito difícil, tinha que encarar o julgamento, a sociedade, promotores e advogados e claro a maioria dos condenados sempre eram culpados se dizendo inocente, isso me fazia perder muito tempo. Tempo que não passava com minha família.
Era o que sempre dizia Vanessa, minha noiva. Antes de tudo começar estávamos em seu apartamento comemorando mais um caso solucionado por mim.
Deixei um tribunal inteiro de boca aberta quando mostrei a prova que inocentava um homem de ter matado sua família toda em um acidente de carro. O fato é que ele estava com a família em uma festa típica em sua cidade, havia sido demito do trabalho e estava muito chateado com isso, decidiu então matar a tristeza com a bebida. Sua mulher então discutiu com ele em público, o que o levou a ficar muito estressado. Na volta para casa em uma curva fechada, Silvio capotou seu veículo causando a morte de toda a família, sua esposa e três filhos. Ele, o único sobrevivente, foi arremessado do carro antes que caísse de um barranco.
Obvio que a mídia caiu em cima o condenando imediatamente, no primeiro julgamento foi condenado a quarenta anos de prisão. Mas por algum motivo ouviu falar sobre mim e pediu a seu advogado que me procurasse.
Em nosso primeiro encontro me relatou que apesar de ter ingerido bebidas alcoólicas naquele dia se sentia capaz de dirigir, e que capotou o carro porque ao tentar reduzir a velocidade na curva os freios falharam. Mas que ninguém nunca acreditou em suas palavras, nem seus parentes próximos que o julgavam pelo triste acontecimento.
Em nossas conversas ele me parecia muito triste, mas nunca detectei arrependimentos. Isso só podia significar duas coisas; ou era psicopata ou inocente. Comecei então ir em busca das provas.
Seu carro era novo do ano, geralmente esses carros passam por muitos testes antes de serem vendidos, o que ele dizia parecia não ter muito sentido. Mesmo assim fui ao ferro velho ver o que restava do veículo, que não era muita coisa. Me sujei muito para conseguir remover os freios. Analisando percebi que havia um número de lote e identificação na peça. O carro era importado e fiz uma longa viagem até seu pais de origem na Europa. Lá fui bem atendido na fábrica e explicando ao presidente da empresa, me acompanhou até onde eram montados os freios. Ele estava muito confiante em seu trabalho, com aquele número de identificação foi possível baixar dados da data dos horários e os responsáveis para montagem. Mas algo chamou nossa atenção. Aquela peça em questão havia sido reprovada nos testes e não devia ter sido comercializada. Fato foi que o funcionário dos testes não quis reprovar pois sua média diária de reprovas haviam sido excedidas, e por ordem do seu líder passou para frente.
Gentilmente o presidente da fábrica voltou comigo para o Brasil onde ele mesmo assumiu total responsabilidade pelo acidente.
Silvio foi inocentado e indenizado pelo estado e fábrica do carro. Ficou milionário, claro que isso não trará sua família de volta, mas ainda assim uma injustiça a menos no mundo, graças a mim.
A verdade estava ali perto, mas por negligencia ou preguiça ninguém foi atrás, mas cumpri meu dever mais uma vez. Preferem olhar para cara do acusado e julgar às vezes pela aparência, estilo de vida, históricos familiares, mas nem sempre estão certos.
Domingo 23 horas.
— Mais uma vez você se superou Sully. Você é brilhante e sabe disto – Disse Vanessa, enquanto colocava um sanduíche sobre a mesa.
Quando ela me elogiava de mais não era bom sinal, sempre vinha alguma bomba em seguida.
— Mas então – Fez uma pausa e continuou em seguida. – Está na hora de um descanso para nossas cabeças, aquela viagem que estamos programando há algum tempo para o México, planejar... você sabe.
— Sei o que? – Disse já sabendo do que se tratava.
— Nosso casamento. Por que sempre evita este assunto? Já estamos juntos há três anos, desde que nos conhecemos naquele caso do incêndio na casa dos Silvas em Salvador.
Ela estava certa, eu vivia fugindo disto. Vanessa era um mulherão, muito atraente, tinha tudo o que eu mais gostava em uma mulher, cabelos pretos e lisos, pele clara, tinha peito e bunda, eu estava satisfeito com isso. O problema era que ela não entendia que eu não queria saber de casamento, já havia passado por essa odiosa experiência, e para mim namorar é era bem mais gostoso, adoro isso, cada um em sua casa, com sua privacidade, se vendo nos finais de semana, sem pressão ou sufoco.
Vanessa foi policial e me ajudava no início sendo até minha parceira por um tempo, mas quando nos envolvemos foi designada para outra divisão, mais tarde desistiu da carreira e passou apenas a me ajudar em alguns casos por fora.
Aquele papo e pressão estavam me deixando mal, estava me sentindo chateado com aquilo, mas não com remorso, pois sempre defendo meus pensamentos e ideias com os punhos e dentes.
Mais um pouco de falação e eu queria pular daquele apartamento janela a baixo, comecei a desejar ter trabalho a fazer, pois quando estava focado nas investigações me respeitava e me deixava em paz.
O engraçado era que o papo era tão desinteressante para mim que comecei a reparar em coisas que nunca havia antes como por exemplo, ela tinha uma pequena pinta na coxa esquerda, reparei na decoração do apartamento "e aquele quadro? Estava aqui ontem? ".
"Toca telefone, alguém me tire daqui"
Pensava olhando para meu celular na mesa ao lado do prato sem ser tocado. Já havia perdido o apetite enquanto ela ainda falava.
— Você não me respeita e não me leva a sério, sabe que quero ter filhos ter uma vida normal, até quando pretende lidar com seu trabalho? É hora de parar, prepare outra pessoa e viva um pouco, é por isso que sua filha não quer te ver, quando foi a última vez que falou com ela?
— Não vamos falar sobre isso, deixe-a de fora.
Dei um grande gole no vinho, pois estava nervoso com a situação. Quando estava decidido a discutir sério, meu celular começou a vibrar sobre o vidro da mesa causando um barulhinho bem chato. Olhei para Vanessa que já estava com uma cara de merda.
— Você não vai atender, vai? É nossa noite, depois de semanas.
— Desculpe, querida. Pode ser importante – Disse com um sorrisinho que não pude esconder, minha satisfação era enorme de escapar daquele assunto.
— É o Sully – Atendi me levantando da cadeira e indo em direção à sala de estar.
— Olá Sully, sou eu, capitão Walter da divisão de homicídios de São Paulo.
— Olá capitão, em que posso ajudá-lo?
— Estou ligando porque gostaríamos que nos desse uma ajuda em um caso. Em uma de nossas cidades da região, tivemos um terrível caso de múltiplos assassinatos em um parque, uma reserva natural.
Eu não entendi muito bem o assunto e nem se era interessante para mim, mas para escapar de Vanessa a única coisa que consegui dizer foi...
— Estou indo para aí. Mande-me o endereço, devo chegar em quatro horas, por sorte estou por perto. Há quantas horas aconteceu?
— Agora a pouco a noite, os corpos ainda estão espalhados.
— Ótimo! Não mexam em nada!
— Mas a coisa vai começar a feder, se me entende!
— Se me quer no caso, não toquem em nada. Só me diga uma coisa, como conseguiu meu contato?
— Ligue a TV no canal 10. A coisa realmente foi terrível! É notícia no país todo! A polícia local não será capaz de investigar, então em um rápido conselho seu nome foi levantado e aqui estamos nos falando.
Desliguei o telefone e em seguida recebi por mensagem de texto o endereço do ocorrido.
— E então quem era? – Perguntou Vanessa, vindo ao meu encontro.
— Tenho trabalho querida. Preciso partir.
— Não vai terminar sua refeição? E nossa conversa?
— Desculpe, preciso ir arrumar minhas coisas. Eu prometo que quando voltar resolveremos isso, haja o que houver. Mas uma coisa eu te digo, mulher! Você não pode me botar contra a parede e me pressionar, temos que passar isso a limpo.
— Quer que eu vá?
— Não, fique aqui tranquila, olha a TV creio que será coisa rápida, além disto, quero ficar sozinho um pouco.
Vanessa ficou muito puta comigo, nem sequer me deu um beijo de despedida. Ignorei e fui para minha casa me preparar para a viagem.
Peguei o carro e fui em direção ao município de Conforto de Cristo através de uma interestadual. Cidade tranquila do interior de São Paulo, pelo menos era até aquele acontecimento que mudou a vida de todos naquele município, principalmente com os envolvidos. Fiquei tentando coletar informações pela rádio enquanto dirigia.
Parecia só mais um trabalho, mas eu não sabia que aquele seria o começo da coisa mais sinistra que já vi em minha vida, mesmo com toda minha vivencia e experiência, eu não estava preparado para o que vinha a seguir.
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