36 - O Príncipe Infernal


Há mais de mil anos, nos primórdios de seu reinado, o Rei Supremo e semideus da Luz Kinmyuu II, mostrava-se tão bondoso e justo quanto se esperava que ele fosse, seguindo os passos de seu tataravô, o felin original Kinmyuu I. Ele era um rei forte, dedicado, poderoso e valente, que jamais ousava desanimar mesmo diante das maiores adversidades, as quais pareciam colocá-lo à prova desde muito cedo em sua vida.

A começar pelo fato de ter sido privado de crescer ao lado de seu pai, o rei Mewrias, pois o mesmo perdera sua vida não muito após o nascimento de seu filho. Naqueles tempos ancestrais, a devastadora sombra da guerra pairava constantemente sobre o Mundo Puro, com os exércitos impiedosos do Rei Reverso da época os atacando inescrupulosamente a cada Estação dos Portais sem exceção.

Seu ataque mais brutal foi justamente quando Kinmyuu II nasceu. Por ser o semideus daquela era, sua mera existência recente já se mostrava uma ameaça para o poderio das Trevas, e, temendo uma previsão dos profetas nefastos de Ghanog onde o segundo semideus arcanjo destruiria impiedosamente seu nêmesis equivalente - o segundo semideus arquemônio - as forças inimigas tentaram liquidar o segundo arcanjo antes que tivesse idade o bastante para subjugá-los.

E foi em tal atentado premeditado e covarde que o pai de Kinmyuu II sacrificou sua vida em nome da vitória, e em nome da proteção de seu filho e do mundo que um dia estaria sob seus cuidados.

A morte do corajoso rei Mewrias não foi em vão, pois além de vencerem a guerra, ele conseguiu levar consigo o rei reverso, ceifando sua vida numa vigorosa batalha final que garantiu a queda do exército reverso e algumas décadas vindouras de relativa paz.

No entanto, tal como sua contraparte, aquele rei reverso também era genitor de um semideus, e seu filho, o segundo Arquemônio Mewkuma, jurou vingar a morte dele e cumprir o desejo que primeiro Lorde das Trevas Ciffermyuu não foi capaz de realizar: trazer a destruição a raça dos Puros e através de sua queda expurgar a Luz, para que assim a supremacia das Trevas reinasse eternamente.

Algumas décadas se passaram, até que os sábios e profetas dos puros previram quando Mewkuma faria um devastador ataque em massa onde milhares de vidas seriam ceifadas, e o horror da sombra de uma guerra interminável os ameaçaria novamente. Kinmyuu II não estava disposto a permitir isso, então, após uma estratégia de guerra muito bem arquitetada, semanas antes ele mobilizou seus exércitos pouco a pouco através de inúmeros portais, até que sua armada estivesse secretamente completa, e assim, invadiu a capital real no Mundo Reverso com seus exércitos num ardiloso ataque surpresa.

É claro que não foi uma vitória fácil. A guerra entre os mundos durou semanas, as batalhas ferozes causaram mortes de ambos os lados, mas por fim o lado da Luz venceu. Após um árduo duelo de proporções apocalípticas versus o diabólico Mewkuma, Kinmyuu II por fim eliminou cada uma de suas vidas e conseguiu destruir o perverso semideus Arquemônio em seu próprio território, assim poupando muitas vidas e evitando a catástrofe no Mundo Puro.

Ao retornar para casa após a vitória, ele se deparou com a agradável surpresa de encontrar sua rainha, Mewrádne, perto de dar à luz o segundo filhote deles. Menos de uma semana depois, sua linda princesinha veio ao mundo, num tempo de glória onde este celebrava a tão almejada completa paz, graças ao fim do Segundo Lorde das Trevas. Era o amanhecer de um novo tempo, e por isso, a nova filha do Grande Rei foi chamada de Mewrora.

Kinmyuu II amava sua nova filhinha acima de qualquer coisa e mais do que qualquer um. Ela era a luz de seus olhos, de longe o tesouro de seu pai, mas o irmão mais velho, Gamewel, não se importava. Ele era sete anos mais velho, e também adorava a irmãzinha. Além do mais, ele sabia que seu pai também o amava imensamente, não havia razão para ciúmes.

Dezesseis anos se passaram, Mewrora cresceu cada dia mais bela e gentil. Ela gostava de se aventurar, admirando coisas do cotidiano, descobrindo novos lugares e fazendo amizade com aqueles que encontrava pelo caminho. Com sua doçura, simpatia e generosidade, a meiga princesa era amada por todos que a conheciam.

Até que, numa de suas visitas ao reino próximo, conheceu um certo príncipe; Mewsephir, o herdeiro do trono de Homsafith - o reino refúgio dos reversos no Mundo Puro.

Ali, os descendentes de Amyubis, que fora o primeiro reverso a renegar o mal, haviam constituído um lar próspero e pacífico como todos os outros, onde não somente os reversos refugiados como alguns puros com eles viviam em harmonia desde os tempos do primeiro Rei Supremo.

Inclusive, a ajuda do pai de Mewsephir foi essencial para que Kinmyuu II executasse seu premeditado ataque supresa, já que além de também enviar guerreiros, usou a herança sombria de seu sangue como um descendente de Ghanog para localizar e até conjurar alguns dos portais por onde o rei semideus secretamente enviou seus exércitos pouco a pouco.

Mewsephir era apenas um ano mais novo do que Mewrora; ambos logo se tornaram amigos e passaram a frequentar o palácio um do outro. Estando sempre juntos, não demorou para perceberem que a amizade estava se transformando em algo a mais.

Porém, havia um lado do príncipe reverso que ninguém conhecia. O garoto ansiava pelo poder, e quando conheceu de perto a autoridade absoluta do pai de Mewrora como Rei Supremo, essa ânsia passou a devorá-lo cada vez mais.

Ele sonhava com o que poderia fazer se fosse o Rei Supremo, tendo todos os outros reis sob seu comando, praticamente jogados aos seus pés. Ser o futuro rei de Homsafith não bastaria, ele queria ser o rei de todo aquele mundo.

Mewsephir só conseguia pensar em alcançar tal desejo, e logo, sua ganância por poder tomou o lugar de qualquer real sentimento que um dia teve por Mewrora. Logo, o jovem príncipe começou a fingir que gostava dela muito mais do que realmente já tivesse sentido, disposto a apressar as coisas. Ele mentiu estar profundamente apaixonado a ponto de planejar um futuro com ela, e pediu ao próprio pai e a Kinmyuu II a permissão de cortejá-la para que firmassem um noivado assim que atingissem a maioridade para tal.

É claro que a decisão final cabia apenas a Mewrora. E embora ainda não tivesse certeza se Mewsephir de fato era aquele destinado a ser seu amor verdadeiro, a princesa realmente gostava dele e aceitou namorá-lo.

O príncipe reverso estava radiante, mas não por estar apaixonado, ou por Mewrora, e sim porque seus planos estavam dando certo. Se continuasse assim, ele logo faria parte da família do Rei Supremo.

Mas foi então que num estalo, Mewsephir percebeu que mesmo que se casasse com Mewrora, ele não seria o Grande Rei. Gamewel era o primogênito de Kinmyuu II, e o herdeiro do trono. O garoto ambicioso estava tão cegado por seus desejos que não pensou nisso quando começou a fingir estar apaixonado por Mewrora.

Porém, tinha chegado muito longe para desistir. Tudo estava indo muito bem para ele; era bem-vindo ao palácio do Rei Supremo, tinha passe livre para ir e vir, e Kinmyuu II já confiava nele como seu futuro genro e parte da família. Mewsephir não desperdiçaria a posição privilegiada em que tinha se colocado, mas tampouco desistiria de tudo que tinha planejado. Ele estava disposto a fazer o que fosse preciso para alcançar seu objetivo - ser o primeiro reverso a se tornar o Rei Supremo de toda Mysticat.

Sua ambição fez seu coração mergulhar nas trevas, e embora sua família fosse de bons reversos, Mewsephir tinha uma má índole, e em vez de dominá-la e suprimi-la, ele escolheu seguir o caminho da maldade. Sendo assim, o príncipe bolou um plano traiçoeiro para assassinar o verdadeiro herdeiro do trono supremo e tirá-lo de seu caminho. Era simples, porém eficaz.

Primeiro, escreveu um bilhete dizendo que Mewrora queria encontrar-se com o irmão na floresta encantada, porque tinha uma surpresa para ele. Gamewel não desconfiou de nada, afinal, sua irmã adorava a floresta encantada que ficava entre o Magispell e o reino fada Pixilliate; pedir para se encontrarem ali realmente era um costume dela.

Mewsephir nasceu com uma vantajosa biotipagem dupla de felin Mágico e Místico. Para eliminar o herdeiro do grande trono, ele usou seus conhecimentos de poderes místicos combinados a sua magia para forjar uma arma contendo todos os elementos que seriam tanto física quanto espiritualmente letais para um felin psíquico de Luz como Gamewel.

Assim nasceu a Presa do Leviathan. Armado com ela, e se aproveitando de sua empunhadura curta e precisamente reta,Mewsephir a prendeu na ponta de um longo arpão de bronze e partiu para a floresta a fim de esperar por Gamewel.

Como um caçador desprezível, se escondeu na copa de uma árvore e aguardou por sua presa. Não demorou muito e o príncipe herdeiro apareceu, procurando pela irmã.

Gamewel nem desconfiava que caíra numa armadilha que conduziria à sua morte. Porém, as coisas não saíram exatamente como Mewsephir planejou.

Mewrora foi a escolhida para herdar os poderes de clarividência que sempre se mostraram presentes em um membro da família real da Luz. Ela era a vidente de sua geração, e por causa de sua habilidade especial, teve uma visão de seu irmão mais velho sendo covardemente assassinado na floresta encantada e correu para lá, a fim de salvá-lo.

Ela só não pôde ver que era um assassinato premeditado por seu próprio namorado. E a pressa para salvar a vida do irmão fez com que fosse sozinha, sem sequer avisar a alguém.

Na floresta, Mewsephir estava com Gamewel na mira, terminando de lançar uma maldição de jura de morte sobre a Presa do Leviathan, ele se preparava para lançar o arpão com a arma que executaria sem falha qualquer felin de Luz que atingisse.

Ele respirou fundo, contou até três mentalmente e atirou. Porém, para sua surpresa e ruína de seu plano nefasto, Mewrora, que já estava na floresta, se teletransportou no último segundo, colocando-se na frente do irmão para tentar salvá-lo. Mas infelizmente, sua nobre tentativa falhou. O arpão com a adaga maldita em sua ponta acabou atravessando a ambos, os ferindo mortalmente. A maldição letal penetrou em seus organismos, os conduzindo rapidamente à morte, enquanto caíam no chão em seus últimos suspiros.

Vendo o que fez, Mewsephir entrou em desespero, mas não por ter matado Mewrora. Sua preocupação era ter destruído sua única chance para tomar o Grande Trono. Ele nem sentiu-se mal com a morte covarde da própria namorada. Na verdade, a maldade que já o consumia o fez sentir ódio dela. Ódio por ter aparecido e atrapalhado seu plano, e ódio por ela ter "arruinado" seu futuro.

Ainda mais consumido pelas sombras, Mewsephir fugiu furioso para seu reino, após pegar sua tão valiosa arma de volta.

Porém, sua fuga se mostrou inútil. Geralmente, não cabia aos deuses interferirem no que acontecia no plano mortal, no entanto, dessa vez o filho de Ghaceus sentiu que não podia deixar de agir diante de tamanha maldade e injustiça por parte do herdeiro do trono de Homsafith para com seus descendentes terrenos. Portanto, encarnando a forma mortal que costumava ter há dois mil anos como Kinmyuu I, ele assumiu a responsabilidade de dizer quem foi o responsável pelo ato de traição covarde que ceifou suas vidas.

Após tal revelação, não demorou para que Mewsephir fosse apanhado e condenado à morte. Numa cela de calabouço fria e deplorável, o príncipe cruel encontrou seu destino quando Kinmyuu II veio executá-lo pessoalmente.O olhar do Rei Supremo, outrora benevolente, era agora uma chama incandescente de vingança, enquanto o príncipe encarava a morte iminente como se o peso de sua traição não pesasse em sua consciência.

O Rei da Luz ergueu a mão, convocando a energia divina que fluía dentro dele. Raios de luz dourada começaram a dançar ao seu redor, contornando seu corpo como serpentes de fogo celestial. Seus olhos emitiam uma aura intensa, e o ar pulsava com a eletricidade de sua ira.

Sua fúria atingiu o auge. Com um gesto, ele lançou feixes de luz cortantes em direção a Mewsephir. Cada raio era um fragmento da dor que ele carregava, uma manifestação de sua vingança. O príncipe reverso se contorceu em agonia sob os impactos tortuosos.

Estava carregando mais dor do que imaginou um dia ser capaz de suportar, no entanto, tentou manter seu semblante inabalável, mesmo quando Kinmyuu II se aproximou dele, em seu corpo retalhado, acorrentado e imóvel no chão da cela, e com os olhos ardentes flamejando o mais puro ódio, ele passou a desferir golpes impiedosos arrancando violentamente com as próprias mãos, cada um dos membros de Mewsephir.

Não satisfeito por desmembrá-lo, antes que Mewsephir entrasse em colapso e rapidamente morresse pela perda descomunal de sangue através de suas artérias arrebentadas e ossos partidos, o Rei Supremo ergueu a mão uma última vez. Uma esfera de luz intensa formou-se, girando ao redor dele como uma supernova prestes a explodir. Com um suspiro final, o rei canalizou toda sua dor e ódio naquela esfera, direcionando-a para o coração sombrio do príncipe reverso.

O impacto foi devastador, e a sala iluminou-se com um clarão cegante. O príncipe cruel foi consumido pela explosão de luz, seu corpo desintegrando sob a justiça divina enquanto aos poucos desapareceu na escuridão, levando consigo seus últimos suspiros de arrogância e crueldade.

A alma corrompida do príncipe reverso mergulhou nas profundezas insondáveis de Vilhell, onde a escuridão era tão densa que parecia tangível. À medida que a alma se aproximava, uma aura de malícia e traição a envolvia, atraindo as atenções das criaturas infernais que aguardavam com expectativa. O ar cheirava a enxofre e cinzas, e o som de lamentações ecoava pelos corredores sombrios.

Mewsephir logo pousou no plano infernal, um cenário macabro moldado pelos pesadelos mais profundos. As chamas dançavam em tonalidades avermelhadas e violetas, iluminando cavernas retorcidas e passagens intermináveis. O solo era árido e desolado, coberto por uma camada de cinzas que se agitava com cada sopro de vento impregnado em desespero.

Assim que a alma do príncipe cruel se aproximou, foi saudada por uma legião de demônios servos, criaturas grotescas com formas distorcidas e olhos faiscantes. Eles celebraram a chegada da alma maligna, reconhecendo os feitos que desencadearam a corrupção no coração do Rei da Luz.

Até que, ninguém menos que Ciffermyuu, o Rei Demônio, aproximou-se com seus seus chifres retorcidos e olhos flamejantes, aguardando a chegada do príncipe com uma expressão de satisfação e antecipação.

Ciffermyuu, em todo seu esplendor diabólico, esboçou um sorriso perverso.

- Bem-vindo, Príncipe Reverso. Sua maldade foi uma sinfonia perfeita que ressoou nos confins desse submundo. O ódio que plantou floresceu e transformou o coração do repugnante Rei da Luz em um terreno fértil para a escuridão. A supremacia das Trevas regida por meu pai, o Soberano Ghanog, recebe hoje mais um poderoso aliado! Você agora é um Príncipe Infernal, responsável por comandar as almas perdidas e os demônios que habitam neste território. Seus atos de traição e crueldade serão recompensados com o poder e a influência que somente Vilhell pode lhe oferecer!

Proclamou Ciffermyuu, enquanto os demônios ao redor uivavam em aprovação. Mewsephir, agora uma presença etérea diante do Rei Demônio, absorveu as palavras com um semblante vaidoso. Ele foi envolto por uma névoa negra, um sinal claro de sua ascensão ao título de Príncipe Infernal.

Ciffermyuu estendeu a mão, e uma coroa infernal materializou-se acima da cabeça do príncipe traidor. A coroa brilhava com chamas vermelhas e negras, simbolizando sua posição como líder das legiões do quarto círculo de Vilhell.

O cenário infernal pulsava com uma energia sinistra, uma coreografia de tormento e devassidão. Mewsephir, agora investido com as honras infernais, contemplou seu novo domínio com um sorriso maldoso. O inferno o acolheu como um filho pródigo, celebrando a corrupção que ele semeou na alma do Rei da Luz e todo o caos que sucedeu no Mundo Puro após o assassinato de seus herdeiros.

E assim, nas entranhas sombrias de Vilhell, o mais novo Príncipe Infernal começou seu reinado, envolto nas trevas que um dia foram sua própria queda, apenas para se tornarem sua posterior ascensão.

Entretanto, nos tempos atuais, mais de mil anos após tais eventos, Mewsephir se via perante uma ameaça que poderia tirar num instante, tudo o que o jovem príncipe demônio conquistou ao longo de um milênio. Ele estava diante do atual Lorde das Trevas, o Terceiro Semideus Arquemônio no ápice de sua real forma divina, e que, mesmo tido como um herege, ainda assim se tratava do escolhido de Ghanog para trazer a ascensão do deus da Escuridão. Pois apesar de todas as suas "falhas" era dito que em Devimyuu existia uma combinação intangível de poderes brutos elementais que jamais houvera em nenhum outro, nem mesmo no próprio Ciffermyuu.

E agora, mesmo com todas as chances aparentemente contra si, o condecorado Príncipe Infernal não tinha outra escolha a não ser a tão temível de enfrentá-lo.

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