3.
Adriana caminhou para fora do galpão, chutando qualquer objeto que estivesse em seu caminho. O vento forte a recebeu com uma rajada que lhe trouxe o cheiro de óleo, ferrugem e mato. Vagou o olhar, rapidamente, por meia dúzia de galpões semelhantes àquele do qual saíra e exalou algumas vezes a fim de encontrar um pouco de calma.
Não funcionou e acabou por espancar um tambor de óleo vazio até se cansar.
— Quebrar alguns dedos não vai nos ajudar a resolver o problema.
A voz do irmão a alcançou lhe causando um sobressalto.
Ele estava recostado a uma parede cujo reboco, havia muito tempo, tinha caído e deixado à mostra tijolos vermelhos que já estavam se esfacelando graças à exposição ao vento e a chuva. Tinha os braços cruzados, deixando os músculos mais evidentes debaixo da camisa preta de mangas longas. O sol do meio da tarde refletia em seus cabelos despenteados dando-lhe um ar de moleque, embora já tivesse chegado aos trinta anos. Seus olhos verdes irradiavam um brilho sério, mas seus lábios tinham um sorriso bonachão e despreocupado.
— Não, mas ajuda a aliviar a raiva — respondeu, mal-humorada.
Ele abandonou a parede, balançando a cabeça negativamente e sentou sobre o tambor que ela espancava um minuto antes.
— Você raramente perde o controle.
Ela endireitou os ombros, os lábios crispados.
— Me dê um desconto; não assalto bancos todos os dias. É natural que esteja nervosa.
— A quem está tentando enganar? — sorriu, debochado. — Não demonstrou nem uma gota de nervosismo quando Chico sugeriu que assaltássemos um banco. Conta outra! Quer saber o que acho? Penso que você pode estar apenas com raiva por ter colocado pessoas inocentes no meio dessa loucura — concluiu certeiro e a viu engolir em seco e deixar os ombros caírem.
Ela já tinha feito muitas loucuras em sua vida. Tantas que algumas já nem lhe pareciam loucuras. Mas, nunca colocou a vida de ninguém, além da sua, em risco. Ele estava mais do que certo, ela não sentiu nenhum prazer em colocar aquelas pessoas em risco, muito menos em arrastar dois deles para uma perseguição em alta velocidade com direito a tiroteio e batidas. Sentia-se como a protagonista de um dos filmes de ação que o irmão adorava assistir.
Mas, não era sempre assim que esses filmes começavam? Com situações improváveis que levavam os mocinhos a recorrer as armas ou fazerem coisas jamais imaginadas? E, era bem verdade, que estavam vivendo uma.
Sim, ela se sentia culpada, pois era da sua índole ser protetora e não uma ameaça. Por outro lado, era uma mulher decidida que não media esforços para alcançar seus objetivos. Faria o que fosse necessário para obter àquele dinheiro e se tivesse de ter uma refém, que assim fosse.
Um minuto de silêncio se fez, entrecortado apenas pelo vento que balançava o mato e extraía sons lamuriantes de tambores e latas vazias empilhados ali perto.
— Acho que meti os pés pelas mãos, não é mesmo? — reconheceu.
— Nem tanto. Confesso que estou feliz por ainda estar livre como um passarinho. Mas, como Beca colocou, por quanto tempo? Isso é mais assustador do que assaltar um banco e o engraçado é que sou um cara que adora adrenalina e perigo — sorriu.
A irmã passou a mão em seus cabelos negros e curtos; brincou com os fios, enrolando-os nos dedos como costumava fazer quando eram crianças, então sentou ao lado dele.
— Por que não seguiu com o plano? Tínhamos combinado...
— Eu sei o que combinamos.
— Então?
— Pensei que a resposta fosse bastante óbvia — uma rajada de vento bagunçou seus cabelos que, sob aquela luz, pareciam chamas. — Nunca esteve em meus planos deixar alguém para trás.
— Bem, acho que isso não deveria ser uma surpresa para ninguém — reconheceu ele.
Compreendia perfeitamente o que ela fizera e a razão de tê-lo feito, mas isso trouxera outro problema para eles.
— Você faz o tipo durona e, é bem verdade, você é assim. Mas, também, é como aquelas pessoas que não podem ver um animalzinho na rua e logo resgata. Você não é capaz de deixar alguém para trás, mesmo que seja o certo a se fazer no momento e àquele era o momento de fazer isso.
Pousou a mão sobre a dela e seus dedos se entrelaçaram, então sorriu para o vento, dizendo:
— Nunca desiste e isso é o que mais admiro em você — a puxou para perto, esmagando-a com os braços musculosos. — Mas, algumas pessoas, também podem chamar isso de estupidez.
Recebeu um soco no braço e fingiu sentir dor.
— Só estou sendo sincero.
— Guarde a sinceridade para depois. Ainda temos muito o que fazer.
Ele concordou.
— E o que será agora? Assalto, sequestro, roubo de veículos, inúmeras infrações de trânsito e invasão de propriedade; acho que estamos começando nossa carreira no crime muitíssimo bem.
— Não seja sarcástico, isso nunca lhe caiu bem.
Ele sorriu mais amplamente, deixando à mostra dentes alvos com caninos pontudos, contrastando com sua pele bronzeada pela longa exposição ao sol.
— Beca e Chico estão terminando de contar a grana — informou, mudando de assunto e voltando a assumir um ar sério.
— Quanto até agora?
— Temos mais que o suficiente. Vamos conseguir — afirmou.
Ela lhe dirigiu um sorriso largo, então tornou-se sombria, claramente na dúvida. Rodrigo se colocou de pé e deu um soquinho carinhoso em sua bochecha. Drica era uma tempestade em forma de mulher, sempre impulsiva, intensa em tudo que fazia, mas também era uma rocha, uma fortaleza e raramente se deixava abater. Aquele momento, era apenas o reflexo de toda a emoção pela qual tinham acabado de passar. Logo, voltaria a ser ela mesma.
— O que faremos com a moça? — quis saber.
— Ainda não sei.
— Poderíamos soltá-la — sugeriu.
— Tenho certeza de que ela ficará tão agradecida que nem irá correr para a polícia para descrever os seus sequestradores e o novo carro de fuga deles.
— Não seja sarcástica, isso fica bem em você, mas não neste momento — deu um sorrisinho cafajeste.
Ela fez um muxoxo e cruzou os braços, indignada com a péssima imitação que ele fez de sua voz.
— Talvez, se descobrirmos quem ela é, poderíamos ameaça-la para ficar de bico calado. Ganharíamos algum tempo.
— Acha que daria certo? — ela balançou a cabeça, descrente.
— As pessoas são muito suscetíveis a ameaças. Só precisamos fazê-la crer que estaremos de olho nela.
Adriana ergueu-se e mirou o horizonte, ponderando a respeito. Deu alguns passos em volta de si mesma e voltou a chutar o tambor. Em menos de uma semana, sua vida deu uma guinada radical e estava fazendo tudo o que mais desprezava. Recorrer a um crime já era deveras desgastante e odioso. Mas, usar de ameaças, destruir a paz, desestabilizar emoções e crenças de alguém, era o mais vil que já tinha pensado em fazer.
— Sequestrar e aterrorizar uma mulher inocente! Definitivamente, estamos nos saindo muito bem no crime — comentou ácida e voltou a erguer os ombros, enquanto retornava para o galpão.
Chico despejou o conteúdo da bolsa sobre uma chapa de metal no chão poeirento e ouviram o tinir de vários objetos se chocando. Observaram uma caneta, uma caderneta, batom e outras coisas insignificantes.
— Tem certeza que é dela?
— Minha é que não é — Rebeca respondeu. — Estava com ela o tempo todo e a encontrei jogada no piso da van quando fui pegar o dinheiro.
Adriana se ajoelhou e pegou a bolsa, revirando cada compartimento.
— Não há nada aí — Chico afirmou e cofiou a barba por fazer, enchendo suas bochechas de ar e o soltando com barulho. — Seja quem for, não há nada que a identifique aqui — seu olhar castanho escorregou da pilha de objetos para a amiga que tinha se colocado de pé e andava de um lado a outro com a mão na cabeça.
— Que tipo de pessoa anda sem documentos, gente?
— Vai ver ela esqueceu a carteira em casa. Não interessa. Pode ir esquecendo essa ideiazinha de ameaça porque, com certeza, ela não vai dizer quem é. Além disso, é uma péssima ideia.
Ela estacou de repente.
— Tá, é uma ideia ruim — admitiu.
— Ei!
Se voltou para o irmão que juntou as sobrancelhas em desagrado.
— É ruim mesmo, você sabe. Mas, queria tentar mesmo assim — fez uma careta e mordiscou o lábio. — E, pra ser sincera, acho que não funcionaria. A mulher não me pareceu nenhum um pouco abalada durante o assalto e a fuga. Duvido que seja alguém a quem se possa manipular dessa forma.
Escorou-se em um pilar, deslizando as mãos pelos cabelos.
— Certo, se não podemos ameaça-la, não podemos libertá-la e, com certeza, não vamos matá-la, então a levaremos conosco — concluiu.
Rebeca, que tinha se sentado sobre alguns tijolos empilhados, estapeou a perna em desagrado.
— Não pode estar falando sério — disse, mas sabia que estava.
Conhecia Adriana bem demais para enxergar, no brilho de seus olhos, que a decisão já estava tomada e nada a faria mudar de ideia. A amiga era o tipo de mulher que quase nunca se arrependia do que fazia.
Ela sentia culpa, sim. E, embora esse sentimento, geralmente, viesse acompanhado pelo arrependimento, não era assim com Drica. Ela jamais voltava atrás. Se atormentaria pelo resto da vida por ter cometido um crime, mas jamais se arrependeria do que fez e do porquê fez. Talvez fosse esse o motivo de amá-la tanto. Apreciava a forma como enxergava a vida e o modo como não se abatia diante dos obstáculos em seu caminho como, também, a intensidade de tudo que fazia.
— Desde o início, o que fizemos é uma loucura; uma a mais não fará diferença — replicou.
— Quer mantê-la conosco por quatro dias?
— Não. Só quero mantê-la por perto até entregarmos o dinheiro, o que pode ser feito depois de amanhã ou amanhã mesmo. Quanto mais rápido, melhor!
O silêncio se fez presente por algum tempo, enquanto todos digeriam aquela ideia.
— É nossa única opção. Precisamos de tempo e não podemos entregar o dinheiro se estivermos presos — ela continuou, cada vez mais irritada com a própria ideia. — Voltaria no tempo se pudesse. Deixaria àquela moça no meio da estrada, numa esquina, em qualquer lugar e seguiríamos nosso rumo. Mas não há como reverter isso.
Rebeca caminhou por dois metros em um círculo quase perfeito. Seus cabelos ondulados balançando furiosamente, seguindo o movimento de sua cabeça. Apertava a barra da camiseta preta que usava, amarrotando-a.
— E o que virá depois? Vamos matá-la?
Um arrepio percorreu a coluna de Adriana.
— Céus! Claro que não! De onde tirou isso?
A moça sorriu.
— Nós a sequestramos e, com certeza, não queremos ser presos. Quanto tempo irá levar até que essa ideia nos agrade?
Os amigos a miravam, desconcertados.
— Essa ideia jamais irá nos agradar — Rodrigo afirmou. — Não somos bandidos... — fez uma careta. — Bem, agora somos, mas não somos assassinos.
O silêncio caiu entre eles novamente. Lá fora, o vento forte brincou arrancando sons de latas e erguendo folhas secas. No galpão, a temperatura pareceu aumentar dez graus, enquanto tomavam sua decisão.
— Eu concordo que ela vá conosco — Rodrigo disse, finalmente, dando um tapinha na perna como se aquilo desse mais firmeza às suas palavras.
— Eu também concordo — Chico balançou a cabeça sem muita convicção e enfiou as mãos nos bolsos da calça.
Todos os olhares se voltaram para Rebeca.
— Por que estão me olhando? A decisão já foi tomada mesmo — caminhou para fora do galpão em silêncio, os passos pesados e um rebolado que jamais abandonava sua cintura. Uma mulher de temperamento forte e explosivo que todos admiravam e respeitavam, principalmente, Adriana.
Os três amigos ainda fitaram, por algum tempo, a saída pela qual desaparecera, até que Rodrigo se manifestou:
— Vou preparar o carro e depois pegar a moça.
— E eu vou dar um jeito na van — Chico informou, dando-lhes as costas. Alguns metros adiante, pegou um galão de gasolina e continuou seu caminho.
Antes de se afastar, Rodrigo estalou um beijo na testa da irmã.
Sozinha, Adriana mirou os próprios pés por um longo tempo. Era uma criminosa há menos de duas horas e já estava enrascada até o pescoço. Se alguém lhe dissesse que estaria vivendo aquilo um dia, provavelmente, o chamaria de louco. Devagar, seguiu os passos de Rebeca no chão poeirento e a encontrou recostada a uma árvore, próximo ao portão que dava acesso ao pátio em que se encontravam.
— Você devia ter ido embora sozinha quando teve a chance — a amiga disse quando a viu se aproximar, os lábios crispando-se em seguida.
Drica se escorou no tronco largo e arrancou uma folha de um galho mais baixo.
— Deveria.
— Agora, temos outro problema nas mãos.
— É.
— Isso é uma péssima ideia.
— Mas é a única que tenho — defendeu-se e esmagou a folha entre os dedos.
Rebeca se voltou para ela, percorrendo sua face com seus olhos castanhos e grandes, as sobrancelhas unidas.
— Não posso carregar toda a culpa, Beca. Se vocês quisessem, poderiam ter me impedido.
A moça riu, os fios loiros não naturais desprendendo-se do rabo de cavalo frouxo que usava.
— Por mais bem-intencionados que sejamos; apesar do acordo e planos que fizemos, ninguém quer ser preso, Drica. Você nos deu uma opção e a seguimos mesmo que não concordássemos.
Drica baixou a cabeça, ouvindo o farfalhar da grama contra o vento e foi puxada para um abraço. Rebeca lhe sapecou um beijo nos lábios, então a soltou.
— O mal está feito. Como você mesma disse, não dá para voltar atrás. Eu não gosto da ideia, mas admito que não podemos deixa-la ir, pelo menos, por enquanto. Deixá-la aqui, também não seria certo. Acabaria por morrer de fome e sede — sorriu com ironia.
***
Bianca sorriu satisfeita diante do buraco que fizera.
Bater na placa de gesso seria mais fácil e rápido, mas isso faria barulho e chamaria a atenção de seus sequestradores, então preferiu escavar com o pedaço de madeira que encontrara. Levou mais tempo do que imaginou, graças as mãos atadas.
Contemplava o mato alto, tocado pela luz solar do meio da tarde. Alguns insetos sobrevoavam as folhas e o cheiro do verde se infiltrou em seu corpo. Preparava-se para partir quando ouviu a maçaneta da porta girar. Apressada, correu para se posicionar atrás da porta, as mãos apertando o pedaço de madeira com firmeza.
O mesmo rapaz que a colocara ali, adentrou.
Ele olhou assustado para o buraco na parede e já dava meia volta quando Bianca empurrou a porta com força, fechando-a com barulho. No instante seguinte, sua mão descia a madeira, com fúria, em direção a cabeça dele que percebeu o movimento e deu um passo atrás se esquivando. Ela o viu escorregar a mão para a arma na cintura, mas foi mais rápida. Jogou-se no chão prendendo as pernas dele com um movimento semelhante a uma tesoura; o rapaz tombou de costas e quando tentou se erguer novamente, Bianca o acertou com a madeira que se partiu diante do impacto.
Ofegante, ela vasculhou seus bolsos rapidamente e encontrou um canivete, o qual usou para cortar as cordas que prendiam suas mãos, então enxugou o suor que escorria em sua testa nas mangas da blusa, pegou a arma dele e engatinhou para a liberdade através do buraco.
***
Chico mirou as chamas satisfeito e atirou o galão vazio nelas, que envolviam completamente a van do assalto. Tinha se certificado de que não havia nada que pudesse incriminá-los ali dentro com uma varredura minuciosa. Adriana se juntou a ele com passos lentos e admirou o fogo, enxergando-o como realmente era: belo e mortal, do mesmo modo como enxergava sua vida naquele momento.
— Falta pouco agora — disse ele com a sombra de um sorriso.
Pousou seu olhar nele, admirando as feições cansadas de um homem que já estava na casa dos quarenta anos, mas parecia bem mais velho e recordou o quão pior ele parecia dois anos antes, quando permitiu que Lis entrasse em sua vida. Pensar nela lhe trouxe lágrimas aos olhos, mas não permitiu que encontrassem o caminho para fora deles.
— Pelo contrário, ainda temos muito a fazer — respondeu, as chamas dançando em suas pupilas, enquanto começava a se afastar para escapar do calor que já se tornava insuportável.
A mão dele envolveu seu braço, impedindo que fosse mais longe.
— Quando isso acabar, eu quero estar lá.
O mirou, confusa.
— Ouvi você e Rodrigo ontem à noite — explicou.
Os lábios dela crisparam-se. Estavam em seu apartamento na noite anterior, revisando os pormenores do assalto. Achando que os amigos dormiam, no meio da madrugada, conversou com o irmão sobre cometer outro crime. Rodrigo não mentiu quando disse, minutos antes, que não eram assassinos. No entanto, ele planejava se tornar um e ela pretendia ajuda-lo.
Do outro lado do galpão, sentada dentro do novo carro de fuga, Rebeca pressionou a buzina, chamando a atenção dos dois, fazendo jus a sua impaciência costumeira.
— Está tudo pronto — gritou.
Chico soltou o braço dela, devagar.
— Conversamos sobre isso depois — disse, deixando claro em seu olhar que iria mesmo retornar àquele assunto e, em silêncio, os dois se encaminharam para o veículo, onde ele se acomodou no banco do carona, enquanto ela permaneceu de pé ao lado da porta, seus olhos presos a uma mochila sobre o banco traseiro. O zíper semiaberto, revelando um maço de notas de cem reais.
Zangada, puxou a mochila, fechou o zíper e voltou a atirá-la sobre o banco.
— Onde está seu irmão? — Chico enfiou a cabeça na janela.
— Disse que ia pegar a moça — Rebeca respondeu, dando tapinhas no volante. — Ela deve estar dando trabalho, já faz um bom tempo que o vi entrar naquele quartinho — continuou, os olhos se fixando na porta cerrada e os outros dois a imitaram.
Com passos gingados e apressados, Drica se dirigiu para o quartinho em questão. À medida que se aproximava, uma sensação incômoda lhe tomou. Tinha quase certeza de que havia algo errado.
Quando tentou abrir a porta, descobriu que estava bloqueada por algo grande e pesado. Chamou pelo irmão e como não houve resposta, forçou a porta novamente; desta vez, conseguiu que ela se abrisse por não mais que dez centímetros. Foi mais que o suficiente para descobrir que era o corpo dele que impedia sua entrada.
— Chico! — gritou em desespero.
O tom alterado de sua voz surtiu uma reação rápida no amigo que correu em seu socorro e, sem pedir explicações, a ajudou a forçar a entrada. Juntos, conseguiram empurrar a porta o suficiente para que ela conseguisse entrar e afastasse o corpo do irmão para liberar a passagem.
— Está só desmaiado — constatou Chico, deslizando a mão pela testa do amigo, na qual um filete de sangue se insinuava e ergueu o olhar para o buraco na parede. — Ela o nocauteou e escapou com a arma dele.
— Mas, que droga! — Rebeca estacou sob a soleira da porta, então se ajoelhou ao lado do rapaz inconsciente.
— Fique com ele — Adriana ordenou. — Chico e eu, iremos atrás de uma fujona.
***
Bianca parou em baixo de uma árvore e olhou para a estrada, cujo abandono permitiu o surgimento de buracos e rachaduras, tornando-a quase intransitável. Não a surpreendia que os bandidos tivessem escolhido aquele lugar como esconderijo. Àqueles galpões estavam abandonados há décadas e ficavam tão longe dos limites da cidade que, era certo, a polícia não os procuraria ali. Pelo menos, não seria sua primeira opção.
A folhagem sob seus pés se moveu e um lagarto saiu dela cruzando a estrada em disparada e indo se abrigar nas sombras da mata na outra margem. Bianca chutou algumas folhas pensando em seu próximo passo. A estrada terminava no pátio em que se encontrava, três quilômetros adiante, havia uma intersecção com uma BR, onde poderia pedir ajuda.
Chegaria lá em poucos minutos, uma corrida leve era tudo que precisava. Contudo, sabia que seria o primeiro local em que seus sequestradores a procurariam e se tornaria um alvo fácil. Se esconder na mata seria uma opção, mas já tinha ouvido muitas coisas a respeito daquele lugar. Perder-se ali, era como receber um convite para a morte.
Fez uma careta quando um raio de sol atingiu seus olhos e retirou os sapatos.
Com um pouco de força, quebrou um dos saltos e atirou os dois na beira da estrada. Seria uma pista mais que óbvia para os bandidos. Então, fez o caminho inverso, retornando para o galpão do qual fugira e aguardou, escondida, atrás de tambores de óleo e maquinário enferrujado.
Não tardou para que ouvisse um grito. Minutos depois, dois dos criminosos saíram. Demoraram-se alguns segundos vasculhando as redondezas com o olhar, então correram em direção a estrada. Quando não podia mais vê-los, Bianca saiu de seu esconderijo e se dirigiu ao galpão. Tinha pressa, pois não tardariam a voltar.
Era, com certeza, um plano arriscado. O tipo de coisa que uma vítima jamais faria, mas ela não gostava de ser a vítima e jamais voltaria a ser uma. Já tinha nocauteado um dos bandidos e com os outros dois fora, só restava a outra mulher.
Foi mais fácil do que imaginou.
A loira estava de joelhos, cuidando do companheiro desmaiado. Se encontrava absorta, limpando o sangue que vertia do corte na testa dele e não percebeu sua aproximação; o fato de estar descalça ajudou também. Com o cabo da pistola que tinha roubado, Bianca acertou a nuca dela que tombou sobre o corpo do amigo, então começou a revista-la à procura de um celular.
Seu plano era simples. Pretendia roubar o carro deles e fugir, mas, antes, necessitava pedir ajuda. E não era para a polícia que pretendia ligar.
Para sua decepção, não havia nada em seus bolsos, nem mesmo estava armada. Começou a se voltar para a entrada do galpão, onde o carro estava estacionado, mas parou quando sentiu o frio da arma em sua nuca.
— Largue a arma — disse a voz grave e anasalada do bandido.
Quando ela se demorou a obedecer, a arma foi pressionada com mais força e quase pôde sentir o gosto metálico das balas. Com um calafrio a percorrer sua espinha, soltou a pistola que tocou o chão com um som estridente.
— Gire devagar — ordenou Chico.
Bianca obedeceu e iniciou o movimento lentamente, mas acelerou no último instante e, com um safanão, jogou a arma dele para junto da porta. Chico avançou em sua direção, os braços longos abertos como uma pinça gigante, prestes a aprisiona-la. Bianca deu um passo para o lado e o viu se desequilibrar, então aproveitou para chutar sua cintura, mas ele aprisionou sua perna e a atirou no chão.
Ela girou as pernas no ar e lhe passou uma rasteira, mas antes que pudesse se colocar de pé completamente, Chico se recuperou. Envolveu os tornozelos dela com as mãos longas e magras, jogando-a no chão de novo e os dois rolaram, medindo forças entre tapas e socos.
Bianca se desvencilhou dele, apenas o suficiente para alcançar uma barra de ferro enferrujada que estava jogada ali perto, então conseguiu ficar sobre ele e não poupou forças quando desceu a barra em direção ao seu rosto e o viu fechar os olhos à espera do golpe.
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