Rosas vermelhas

As flores de outono desmanchavam enquanto a mulher caminha com os seus dois filhos. Visitar o memorial em homenagem aos soldados soviéticos nunca era uma tarefa fácil, portanto, o fazia um ano sim e um ano não. Myoui Mina era uma mulher vivida, e ainda muito lúcida, suas memórias ainda eram concisas e certamente intactas. Os filhos não entendiam muito bem porque sua mãe ainda vinha naquele memorial, mas era a primeira vez que a acompanhavam. O que sabia sobre a mãe era que a mesma havia passado solitariamente sua vida. Mina viveu alguns anos sendo motorista de caminhão do exército soviético, e mesmo que a história afirmasse que não fora um bom tempo para as mulheres, Myoui ainda vinha homenagear todos aqueles que morreram por uma causa maior.

Aquele memorial em especial trazia uma homenagem a todos os sumidos da guerra, ou seja, cujo dos que corpos jamais foram encontrados ou identificados. Após o fim da guerra, aquela mulher só se viu fadada a deixar o país e recomeçar uma vida o mais longe possível. Aquele dia era o aniversário de vinte anos desde o fim da guerra. Seus filhos, nascidos de sua única relação com um homem, já estavam chegando aos quinze anos. Mina os tivera numa idade avançada para as famílias tradicionais; aos vinte e cinco. Fora no inverno de 1939 que tivera que se juntar ao exército de alguma forma. Era solteira, seus pais há muito já tinham partido, e sua única família era um gato de pelagem escura e cego de um olho.

Por sorte, mesmo com todo o preconceito em ser mãe solteira nos anos cinquenta, Mina conseguiu bravamente criar os gêmeos com garra. Jungkook e Jimin já eram quase adultos, ambos muito estudiosos e sempre tentavam arrumar "bicos" para ter seu próprio dinheiro. Eram educados, mas detinham uma curiosidade indomável, ao menos o primeiro era assim.

— Por que rosas vermelhas, mãe? Não é indelicado? — Jungkook indagara com a testa franzida. Levou uma leve cotovelada e um olhar duro do irmão, mas não se deixou afetar por aquilo.

— Elas têm um significado. — respondeu, sorridente.

— Está trazendo para alguém especial? — indagara novamente o rapaz, tendo Jimin, por sua vez, balançar a cabeça em negação. Myoui sempre fora uma mãe muito sincera, mas visivelmente passou uma vida com uma pedra em seu sapato. Os dois não sabiam explicar o porquê, apenas imaginavam quais segredos que a mãe escondia.

— Depende. — apesar do tom sútil, Mina mostrava certa indecisão.

— Do que exatamente, mamãe? — Jimin se pronunciou, notando que a mulher somente dera um suspiro. Não era em cansaço, inconformidade ou até mesmo negação... Era em dor.

— Vocês ouviriam uma história de uma não tão nova mulher? Esqueceriam o preconceito do mundo por apenas um segundo? — esperou até que os dois prontamente assentissem, o que lhe causou um leve sorriso nos lábios. — Ouviriam uma história de amor... Entre duas mulheres? — rira baixo ao ver os dois olhares incrédulos dos dois rapazes.

— Oh... Isso explica muita coisa. — Jimin ajeitou seus óculos de grau em sua face.

— Com toda certeza, conta tudo, mamãe! — Jungkook sorrira largo. Mina não se importaria de contar tudo aquilo se tivessem pessoas em volta, mas por ventura estavam sozinhos naquela parte do memorial.

— Nossa história começa no inverno de 1939, um pouco após frente de abertura, a invasão da Polônia.

Ao dizer isso, Myoui fora jogada em suas próprias lembranças, como se as revivesse mentalmente. E a história fluía, como se estivesse acontecendo na sua frente.

[...]

Tinha somente vinte e cinco anos quando se juntou as forças armadas soviéticas. Mina nunca se imaginou carregando uma arma e atirando em alguém ou algo com vida. Era contra as armas, mas sabia que a guerra, naquele período, era importante. Não se inscreveu para ser motorista do exército por amor à pátria, tampouco queria se ver dentro de tudo aquilo, mas a necessidade falava mais alto.

Seus primeiros dias foram horríveis, certamente que a União Soviética era um país focado, se a Alemanha tentasse os invadir, provavelmente seria massacrada. Stalin odiava Hitler e Mina odiava guerra.

Apesar daquele local não ser tão gentil para as mulheres, elas eram necessárias ali, ainda que tivessem mais a função de Mina, ou focassem nas enfermarias. Ainda assim, era possível encontrar mulheres em postos de soldados.

Mas para si, ninguém chamava tanta atenção quanto a loira de maquiagem de um só olho. Não sabia seu nome, porém gravou suas características muito bem. Baixa, olhos castanhos, uma pele quase tão alva quanto a neve... E provavelmente a bravura a levaria a grandes patamares, enquanto inevitavelmente sua ousadia lhe traria uma grande dor de cabeça. As más línguas diziam que seus pais a trouxerem em meio ao choro, mas que esta entrou sorrindo.

Descobrira que seu nome era Son Chaeyoung e que entrou muito jovem no exército vermelho, aos dezessete. Pelo o que Myoui muito observava, aquela garota amava mais a guerra do que a si mesma. Tinha uma estranha facilidade em atirar e acertar perfeitamente seus alvos. Era elogiada por todos os seus superiores e respeitada por todos os seus iguais. Machismo, abuso e imposição de poder eram comuns naqueles locais, mas Son se destacava por não levar desaforos para casa.

Foram muitas as vezes que a levaram com um olho roxo para a enfermaria, e muitas as vezes que a mesma fora colocada em trabalhos braçais, como os de Mina.

Conheceram-se oficialmente dois meses depois, quando pneu furou e Chaeyoung heroicamente se oferecera para ajudar. Embora não tivesse muito o que conversar, o assunto surgiu de forma mais aleatória possível, quando Mina não conseguiu manter a boca fechada.

— Se você só usa maquiagem em metade do seu rosto, então por que seus lábios estão completamente tomados por um tom vermelho tão forte?

A risada divertida de Son era de se chamar a atenção, pois ela nunca foi vista rindo. Era uma mulher muito séria, fria e até mesmo cruel. Provavelmente não seria repreendida se desse um soco bem dado no rosto de Mina.

— Porque vermelho é a minha cor favorita. — seu sorriso era, com toda certeza, o mais lindo que Mina pudera presenciar em sua vida. Eles façam ênfase em sua bochecha e a deixavam curiosamente fofa, mesmo que fofa não fosse uma palavra existente no dicionário de Son Chaeyoung. — Vermelho dá ênfase em meu uniforme.

E era verdade, mesmo que tudo o que Mina conseguia focar eram os lábios carnudos.

— E a maquiagem em metade do seu rosto, é pra dá ênfase em quê? Nas botas do seu uniforme?

— Na minha alma. Em quem eu sou hoje aqui dentro e quem eu fui lá fora. — se levantara após terminar o serviço, notando a morena somente rir pela respiração. — Você não acha vermelho a cor mais quente?

— E por que as cores precisam ser quentes, Chaeyoung? — Mina questionou sem nem perceber que havia deixado a educação de lado ao chamá-la pelo seu nome. — Digo... Son! — notou-a lhe fitar seriamente.

— Porque... — aproximou-se perigosamente, rindo após a outra fechar os olhos com força, já a espera de um soco bem dado. — Vermelho remete a sensualidade. — os lábios carnudos encostaram no ouvido de Myoui, que por uma fração de segundos sentira suas pernas ficarem bambas. — Vermelho é quente, assim como sua voz falando o meu nome. — afastou-se tão rápido quanto se aproximou, saindo do local como se nada tivesse acontecido.

O que não imaginava era que o coração daquela simples motorista agora batia com mais intensidade.

[...]

— E ela era assim tão direta? — Jungkook indagara incrédulo e deixando o queixo cair ao ver a mãe prontamente assentir. — Que mulher de atitude!

— Por favor, não me diga que essa história termina com ela morrendo, por favoor! — Jimin batera o pé no chão, notando a mãe somente lhe fitar com a sombrancelha erguida.

— Posso continuar com minha história ou está difícil?

— Sim, senhora. — os dois rapazes responderam em uníssono.

[…]

Se apaixonar por Son Chaeyoung teria, provavelmente, sido mais fácil se esta não exalasse frieza e fosse mais aberta para conversar sobre amores e literatura. Mina era apaixonada por livros, histórias de amor e as famosas novelas dos jornais, já Son era apaixonada por armas, estratégia e discórdia. Era muito fácil para a morena imaginá-la como uma grande atiradora de elite em poucos anos, talvez até mesmo se tornasse lendária por isso.

Mina se imaginava cultivando flores ou organizando papéis em algum escritório, enquanto Chaeyoung se imaginava deitada na neve, muito bem camuflada enquanto esperava seu alvo passar. Era tão bruta que se esta se tornasse uma grande franco-atiradora, Myoui nem mesmo iria se surpreender.

Chaeyoung não sabia conversar sobre amor, cinema, teatro e literatura, mas ouvia atentamente uma Mina sonhadora todas as vezes. Por mais um leve e mísero que fosse, Myoui podia ver o sorriso de Son.

Conhecê-la profundamente fora uma tarefa árdua e por vezes pensou em desistir.

Fora somente quando se renderam ao amor carnal que Mina pudera entender a cabeça de Chaeyoung. Em meio aos lençóis e braços dela, Son finalmente se revelou. De dia, a mais carrasca das atiradoras. Cruel, bruta e a última pessoa que qualquer ser humano gostaria de irritar. De noite, gostava de ser mandada e guiada por aquela que em teoria ocupava um cargo bem abaixo que o seu. Chaeyoung gostava da forma que Mina a tocava, talvez mais do que gostava de atirar. Nunca se opôs em inverter os papéis, era como se seus corpos tivessem um encaixe para uma perfeita sintonia.

— Prometa! — a voz suave de Son exclamou no ouvido da outra. Encontrava-se sentada em seu colo, apenas com a parte de cima do uniforme militar. Myoui tinha uma queda por aquele uniforme, achava incrivelmente sexy naquele corpo tão esbelto. Adorava vê-la nua, mas sentia um abismo quando a bela loira estava com seu rosto limpo, os lábios avermelhados devido ao batom e somente a parte superior da farda aberta.

— Por que eu deveria? — tornava-se irônica e até mesmo provocativa quando estavam longe de tudo e todos. A verdade é que amava ver a expressão que Son fazia quando era segurada com força pela cintura. — Quem não me garante que você tem outros casos quando sai em viagem com a infantaria? — seus belos olhos negros que expressavam bondade dia a dia, naquele momento só mostrava sua dominância. Algo que nunca contaria aos filhos, é claro.

— Porque só existe uma coisa que eu ame mais do que atirar. — Chaeyoung lhe segurava a bochecha com uma das mãos, fitando-a severamente. — Mais do que anseio adentrar a guerra e destruir todos os inimigos, é a minha vontade de voltar para casa e reencontrar você. Mais do que tudo, eu amo você e sou completamente fiel. Sou fiel a você, a minha farda e ao meu país. — encostou os lábios somente de leve, e completou. — Você deveria prometer, porque eu devo e exijo ser o seu primeiro e único amor em forma humana. Prometa que mesmo que se envolva com outro... Que vai pensar em mim até nessa hora.

— Vale a pena prometer isso? Essa promessa não é mais séria do que o juramento de casamento?

— A sociedade não entende o nosso amor, Mina. — a loira sorriu de canto, largando-a e então pendendo sua cabeça para o lado. — Quantas de nós... Não se casaram forçadamente apenas para manter as aparências?

— Os militares só não nos abominam porque você é perfeita em causar discórdia. — o comentário infame fizera a mais nova rir divertidamente.

— Você vai prometer ou não?

— Você não é o tipo de mulher que dá para esquecer. — Myoui sussurrou antes de vir beijar os lábios carnudos afoitadamente.

— Se eu morrer amanhã... — sussurrou com os lábios ainda grudados com os de Mina.

— Cala a boca!

— Eu terei sido unicamente sua do início ao fim.

Chaeyoung também tinha os seus momentos de gentileza toda vez que furtava uma violeta para Mina. Apesar da mesma sempre tentar explicar que ela matava uma flor toda vez que a arrancava abruptamente de seu habitat, a loira sempre lhe rebatia que somente o fazia por sentimentos. Myoui, por sua vez, dizia que Son só iria entender o valor das flores quando fosse ela quem plantasse.

E talvez tivesse razão e o seu coração não fosse uma completa pedra.

Por algum tempo, as duas foram cuidadosas sobre manter a própria relação em um segredo profundo, mas toda vez que Son Chaeyoung voltava vitoriosa com a infantaria soviética, Mina a desejava cada vez mais.

Saber que Chaeyoung matava pessoas era horrível, mas a ideia de ela perder algum combate era ainda pior. Enquanto vencesse, Mina teria a certeza de que ela voltaria para casa. Antes de Son, a morena não tinha a quem esperar quando voltasse para a casa. Sempre refletiu sobre as famílias que perdiam os seus entes queridos, mas nunca se sentiu tão aflita como nos dias que a garota tinha que partir para a guerra.

A guerra transformava as pessoas, os soldados geralmente voltavam assustados ou traumatizados, nenhum tinha gosto por aquilo, menos Son, é claro. A cada combate que realizava, uma promoção recebia. Chaeyoung tinha orgulho do seu país e do tendão de Aquiles de Mina.

Os anos lentamente foram passando, e os presentes se ampliando. A franco-atiradora começou com uma simples violeta e agora sempre trazia um cartão postal do país que colocava os pés. Não só o cartão, como jóias, roupas, e até mesmo o carro do ano. Mina já não tinha que levar as cargas com os braços até os caminhões, regalias que havia ganho em ser a garota do orgulho da nação. Apenas dirigia e era muito bem tratada pelos grandes generais.

Myoui comprava todos os jornais que citavam Son Chaeyoung e sua infantaria, sempre ouvia atentamente o rádio para ter uma ideia de como ela estava. Trocavam cartas no período que Chaeyoung passava longe, o que fazia ansiar ainda mais por sua volta. Ela era como um bom vinho antigo, viciante.

Mas o que Mina realmente demorou a entender era que amores eram eternos, pessoas não.

[...]

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