Capítulo 8
AURORA
Eu acordo todos os dias e todas as manhãs por puro hábito. Escovo meus dentes, tomo banho e me visto por causa de uma rotina que segui a minha vida toda. E não tenho dormido bem, por semanas, isso quando durmo.
Na verdade, todas as noites tenho pesadelos, esses que tenho conquistado depois da morte de meu pai. Às vezes, eu acordo sem ar e tento controlar a minha respiração. É difícil decifrar o que é real ou não.
Me sinto como uma morta-viva. Não sou nada da pessoa que eu era antes. Sinto falta de ser quem eu era antes da minha vida virar de cabeça para baixo.
Observo o céu, acima que está em um tom azul suave, pequenas nuvens adornam todo o lugar, e sinto a brisa acariciar meu rosto e cabelo, o que me faz suspirar profundamente.
O cheiro de comida das barracas faz com que minhas narinas dilatem.
O caminho para o colégio é sempre o mesmo, mas de certa forma hoje é diferente, talvez não seja o lugar por si só, mas é eu quem estou diferente. De certo modo, me sinto assim. Não sei se é pela minha nova amizade, ou por qualquer outro motivo.
Em minha mente aparece a imagem de um menino de olhos negros como a noite. Tropeço em uma pedra e quase caio de bunda no chão. Continuo caminhando quando me equilíbro, olhando para os lados para ver se alguém viu meu quase-tombo. Contudo, a rua está pouco movimentada.
Porto Real é uma cidade pequena, sempre foi um local tranquilo. Um bom lugar para se morar. Tem bastante árvores e poucos prédios, e possui diversos tipos de ambientes para lazer, sendo uma cidade pacata, é difícil fazer um trajeto longo para qualquer lugar; tudo aqui é muito perto.
Se você mora aqui, e tem 16 anos, é bem provável que arrume um emprego qualquer para ajudar a aumentar a renda familiar. Na maioria dos casos, o salário dos pais não é o suficiente para pagar as despesas.
Passo pelo parque que fica perto da minha casa. Tem uma árvore imensa no meio do parque, vários bancos e gramas. Sempre tive curiosidade para saber mais sobre ele. Até cogitei ir, mas nunca tive oportunidade ou coragem.
Encaro meu moletom amarelo, apenas para ter certeza que não tem nenhuma mancha de mostarda. Estou usando ele, pois o meu preferido está de lavagem, devido a sujeira do molho. Minhas bochechas se aquecem de vergonha pela memória no corredor do Saint Mary.
Me pergunto se eu deveria ter passado uma base para esconder minhas orelhas, um gloss ou rímel. Logo afasto o pensamento.
Em meus ouvidos ressoa "Scary Love" de The Neighbourhood.
Mesmo que eu comande minha mente a não pensar em nada e nem ninguém, é quase inevitável não pensar em um garoto de cabelos negros e olhos lindos, o qual me ajudou no corredor do colégio.
Patrick ainda não chegou
Não que eu me importe.
A professora de Biologia entra rapidamente na sala e já começa a fazer a chamada. Cláudia encara todos. Uma das professoras mais "bravas", dizem, mas, acho que no fundo, esse é o jeito dela de ensinar.
— Aurora? — Ela pergunta ainda encarando a caderneta. Como meu nome começa com A, eu sou a primeira da lista de presença.
— Presente. — Murmuro audível, apenas o suficiente para que ela escute. Sempre fui muito tímida, mesmo não demonstrando muito, então atividades sociais como essas exigem esforço.
Depois de vários nomes...
— Patri... — Ela começa, mas não termina, pois o próprio Patrick entra subitamente na sala de aula.
Alguns alunos começam a dar risinhos debochados
— Presente! — Patrick responde com a voz grave. Ele já esta indo em direção ao seu lugar, no assento atrás do meu.
Cláudia apenas fica em silêncio, com um ar de julgamento. Ela ajeita o óculos e diz.
— Você tem sorte por eu estar de bom-humor, da próxima vez vai ser diretoria.
Imagina se não tivesse.
Os murmúrios enchem a sala. Todo mundo parece encará-lo agora. Tento controlar o riso, enquanto Patrick assente com a cabeça e se senta em seu lugar.
— Já que estão todos presentes. — A professora diz ao olhar principalmente para Patrick — Irei proporcionar a vocês um trabalho em dupla.
Impeço um resmungo de sair de dentro de mim. Não gosto de trabalhos em duplas ou em grupos, prefiro fazer sozinha, mas procuro não reclamar, até porque posso falar que estou com dor de cabeça e sair mais cedo, assim não precisarei participar do sorteio. Olho de esguelha para o menino todo de preto que está a uma distância considerável de mim, mas ele está concentrado em um ponto distante.
— Podemos escolher nossas duplas? — Uma menina do time de torcida pergunta.
De vez em quando, me pergunto como nunca entrei em um time de torcida. Acho que eu nunca me encaixaria nesse tipo de coisa de qualquer forma. Também sou muito desastrada, não conseguiria me adaptar.
— Não, vai ser sorteio. — Cláudia responde — Feito por mim.
Alguns alunos protestam em discordância, incluindo eu.
— Vocês irão fazer todos os tipos de escolhas e muitas delas não vão controlar. — Cláudia continua, séria — Então façam ou é zero.
A voz dela é firme, seu olhar duro, em sua mão há um livro próprio para professores.
Não tenho intimidade com ninguém aqui. Só de pensar em fazer o trabalho com Patrick um arrepio desce por minha coluna. Com relutância, levanto a mão. A professora arqueia as sobrancelhas.
— Sim, Aurora? — Ela pergunta com o rosto neutro. Posso jurar ver lampejos de preocupação e curiosidade.
— Então... sabe o que é — Levo à mão a lateral da minha cabeça, e fecho os olhos levemente, como se estivesse sentindo dor — Estou com dor de cabeça. Acho que não vou conseguir permanecer na sua aula.
A professora fica alguns instantes em silêncio. A sala inteira parece estar assim também. Mas antes que ela pudesse responder...
— Professora! — Patrick se pronuncia um pouco alto demais, o que faz todos encará-lo, inclusive eu. Com meus olhos arregalados, enquanto sinto meu coração acelerar devido ao susto — Acho que eu também não estou me sentindo muito bem... Tipo, eu comi demais no café da manhã. Acho que é diarréia.
A sala toda começa a rir. Eu posso jurar que até Cláudia faz o mesmo, nem que seja um pouco.
— Muito engraçado, Patrick. — Ela volta a sua expressão neutra — Por que você não se concentra na aula agora?
Patrick assente e se senta.
— E, você, Aurora — Ela continua — Se isso for um pretexto para não fazer o trabalho, já vou avisando que não vai funcionar. Mas se for verdade, eu posso ver o que posso fazer por você.
— Tudo bem... De qualquer forma, Já está passando mesmo. — Respondo com um sorriso amarelo e retorno ao meu lugar. Tento parecer calma, mas me sinto frustrada pelo meu plano não ter dado certo.
— Espero que sua dor de cabeça melhore — Escuto Patrick sussurrar de onde ele está.
— Touché. Digo o mesmo sobre sua suposta diarréia.
Posso garantir que ele está com aquele sorrisinho em seus lábios, mas tento não pensar muito nisso, enquanto rabisco uma folha aleatória do meu caderno. Depois de um tempo, outra aluna levanta a mão a fim de fazer outra pergunta.
— Qual o tema do trabalho?
— Reprodução humana.
Consigo escutar um monte de comentários dos garotos do time de futebol.
— Mas isso só aprendemos na prática, né, professora? — Um menino loiro e alto diz — Ele está com um sorriso irônico no rosto. Outras garotas e garotos acompanham o riso dele.
Ridículo.
Luto contra a vontade de revirar os olhos diante do comentário. Como se ele estivesse sentindo meu olhar, o menino vira a cabeça e me encara com um olhar profundo, o sorriso ainda em seus lábios. Depois desse momento constrangedor, direciono meu olhar novamente para a professora.
— Mais uma gracinha, Richard, e você está suspenso — Cláudia diz firme ao encará-lo.
Richard.
Mesmo que seja difícil, tento esconder o sorriso em meus lábios. Richard está a duas fileiras de distância à minha direita. Depois disso, toda sala parece ficar em silêncio novamente. Cláudia pega alguns papeizinhos e escreve vários nomes neles.
— Ana Clara e Richard — Ela diz, pegando o primeiro papel — Carla e Gean — Continua dizendo ao pegar o segundo — Giovana e Lucas...
Assim vai indo o sorteio das duplas para o trabalho de Biologia sobre reprodução humana. Mexo minhas mãos repousam em meu colo. Não estou mais aguentando de tanta ansiedade para saber quem será minha parceira ou parceiro.
Depois de alguns minutos, Cláudia pega o último papel. Dessa vez, ela levanta o olhar para minha direção. Meu corpo se estremece enquanto ela ajeita os óculos no nariz, se preparando para dizer.
— E, por último, Aurora e Patrick.
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