Capítulo 71
AURORA
Estou sentada em uma cadeira. Meus pés e mãos amarrados. Minha cabeça dói e minha visão está turva; sinto sangue preencher minha boca. Me mexo fortemente sobre a cadeira em que estou sentada. Tento me soltar, mas nada adianta.
Estou com sede e fome. Porém, meu estômago se revira por um motivo totalmente diferente quando noto a figura à minha frente. Me mexo de modo mais resistente para tentar soltar as amarras que me prendem no lugar, mas é em vão.
— Aurora, Aurora, Aurora. — Richard diz, com um ronronar leve, ao parar, à minha frente. Em suas mãos se encontra uma faca ensanguentada.
O que está acontecendo? Onde estou? Por que ele está aqui?
Pensamentos como esses ameaçam me arrebatar. Minha respiração está ofegante, meu cabelo se esvaindo pela cintura, e tudo o que eu consigo fazer é encará-lo com confusão estampada em meus olhos.
— Me solta! — Minha voz arrastada e ofegante — Me tire daqui, agora! — Me remexo mais na cadeira.
Mas nada que eu faça adianta. Algo como raiva e medo me preenchem.
— Eu admiro sua força de vontade, amor. — Richard diz, com aquele sorriso que faz meu estômago se revirar.
Ele se ajoelha na minha frente e me encara com olhos azuis profundos.
— Não me chame de amor, seu canalha! — Cuspo as palavras de modo nada carinhoso ao fuzilá-lo com os olhos.
Richard passa a mão pela minha bochecha, acariciando-a. Sinto meu coração se acelerar no peito, e me lembro da memória do banheiro, de quando Richard tentou abusar de mim. No mesmo instante, me recordo do menino de cabelo negros, de como ele me defendeu e me levou para casa.
Está claro que Richard é um psicopata. Richard não sente remorso pelos seus atos — é justamente o oposto, na verdade, ele parece sentir prazer na dor alheia. Prendo a respiração, e sinto medo preenchendo cada parte do meu corpo; medo genuíno me atinge como ondas.
— Patrick — Sussurro para ninguém em específico.
Richard me encara com mágoas nos olhos. Mas é uma mágoa vazia, por causa de uma obsessão e um desejo incansável. Algo que eu nunca entendi muito bem.
— Ah... — Richard sussurra e para o toque em minhas bochechas. Ele se levanta à medida que passa as mãos pelo cabelo loiro.
— Não se preocupe com isso, amor. — Ele diz ao me encarar com olhos profundos — Eu já cuidei disso. Já cuidei dele.
— O quê? — Questiono com confusão — O que fez? — Minha voz não passa de um sussurro aflito — Onde Patrick está?
Um mal pressentimento me roda por completo quando me recordo de que Richard está segurando uma faca ensanguentada. Minha boca começa a ficar seca, e meu coração tropeça dentro do meu peito.
Não... Não pode ser.
— Onde ele está? Onde Patrick está? — Indago novamente, dessa vez mais firme e alto. Posso até dizer de modo desesperado — O que você fez com ele?!
Richard abre um sorriso lupino nos lábios e se aproxima mais de onde estou. Sua posição é confiante, inabalável. Ele pega uma mecha do meu cabelo e passa por trás da minha orelha. Em seus olhos há um brilho que não sei ao certo identificar.
— Eu preciso ver Patrick.... Preciso ver se ele está bem.
— Por que não olha você mesma? — Ele continua, sussurrando, em minha orelha e sinto um arrepio passar pela minha coluna.
Richard aponta para um lugar específico. Confusa, desvio lentamente meus olhos para encarar o local o qual está indicando. E, mesmo que o lugar esteja envolto pela penumbra e apodrecido, consigo enxergar. Com olhos arregalados, consigo encarar a figura de Patrick, com seus cabelos negros, ele está caido no chão, ensaguentado.
— Não! — O grito sai de mim instantaneamente. Sinto meu peito se quebrando em pedacinhos — Não... Não!
Lágrimas escorrem por todo meu rosto agora. Estou soluçando. Minha cabeça gira. Sinto Richard ao meu lado fazendo carinho pelo pelo meu cabelo, mas não consigo deter seu toque por causa das amarras, ou não me importo, conforme encaro a figura sem vida de Patrick no chão sangrento.
Isso não é real.
Não pode ser.
Não é.
— Patrick! — Grito, enquanto sinto as lágrimas adornando todo meu rosto — Patrick... por favor! — Grito novamente, só que mais fraco devido ao nó na garganta — Eu estou aqui, por favor, me responda!
Richard continua passando as mãos lentamente pelo meu cabelo, em seus lábios há um sorriso vitorioso. O corpo de Patrick caído com sangue jorrando pela lateral dele. Seu lindo rosto está pálido. Seus punhos se encontram com hematomas, como se tivesse lutado com Richard.
— Patrick... — Sussurro de modo doloroso, quando ele não responde meu apelo — Não me deixe, por favor!
Não sei o que fazer. Não quando a pessoa que eu amo se encontra sem vida à minha frente, e eu não posso fazer nada para ajudar. É como se tivessem arrancado meu coração do peito, minha alma do corpo.
Patrick está morto.
Lágrimas descem pelo meu rosto, como chuva.
Ele está morto.
Sinto um grito doloroso sair de mim, meu coração se quebra em pedacinhos dentro do peito.
— Por favor, Patrick... — Tento dizer, tento ir para ele. Tento ir ao seu encontro. Mas não consigo. — Por favor, não me deixe. Eu preciso de você — Todos meus movimentos são em vão. Sentimentos conhecidos como dor, tristeza e ódio começam a me preencher por completo. Assim como o choro crescente. Richard segura meu queixo e vira meu rosto para eu encará-lo.
Fecho meus olhos, apenas um pouco, depois os abro novamente.
— Você é um canalha! Desgraçado! EU TE ODEIO!!! — Grito com todo meu ódio e amargura, tentando me soltar das amarras. Se eu pudesse eu matava ele bem aqui e agora.
Há um vazio dentro de mim. Negação e dúvidas perpassando por minha cabeça. É como se Richard tivesse tirado meu coração de dentro de mim. Não sei se aguento isso.... Não de novo. Tudo o que eu quero agora é estar ao lado de Patrick, escutar sua voz, passar as mãos por seu cabelo negro e escutar o som da sua risada. Eu nem tive tempo de sequer conversar com ele, demonstrar meus sentimentos... De falar que eu o amo.
Richard continua com o sorriso branco nos lábios. Seus olhos claros estão repleto de felicidade genuína. Ele fez isso tudo, e não parece nem um pouco arrependido. Acho que isso é o que ele sempre quis, afinal ele sempre teve inveja de Patrick.
Richard se aproxima mais do meu rosto, a ponto de me beijar. Tento virar meu rosto para outra direção, mas as mãos de Richard são firmes em meu rosto.
— Agora que você já viu... — Ele sussurra perto da minha orelha — Vamos continuar de onde paramos — Richard se aproxima de onde estou e antes que eu possa impedir ele cola nossos lábios em um beijo.
Minha vontade é de afastá-lo e ir correndo para Patrick. De segurar o corpo de Patrick em minhas próprias mãos.
Se pelo menos eu pudesse me despedir...
Mas, Richard, segura meu rosto de modo possessivo, enquanto beija meus lábios e se delicia com isso; com tanta vontade, como se estivesse a muito tempo esperando por isso. Lágrimas e mais lágrimas rolam pelo meu rosto. Meus olhos ainda encaram a figura afastada sem vida no chão. Em minha garganta há um nó, em meu peito um vazio. Um turbilhão de emoções ameaçam me desmoronar.
Tinha tantas coisas para dizer para Patrick... Tantos momentos que precisavam ser vividos. E, agora, ele se encontra morto, bem aqui, na minha frente.
Arfo à medida que sinto mãos me chacoalhando. Minha testa está suada e minha respiração é acelerada. Observo onde estou. Está de noite e estou no meu quarto.
— Filha, você está bem? Está tendo pesadelos? — Alice pergunta.
Sem responder a sua pergunta, pego rapidamente meu celular que está na cômoda ao meu lado. Com o coração disparado dentro do peito disco o número de Patrick, que sei de cór, e depois de alguns instantes sua voz preenche meus ouvidos.
Era tudo um pesadelo.
Graças a Deus.
Solto um suspiro de alívio.
— Aurora, tudo bem? — Patrick diz com a voz sonolenta. Consigo escutar ruídos do outro lado da linha, como se ele estivesse deitado e agora em pé.
Fico em silêncio, pequenas lágrimas quente descem pelo meu rosto. Abro minha boca para responder, mas nada sai de meu lábios. Eu estou em choque. Era um pesadelo, mas tudo pareceu tão real...
— Está tudo bem? — Ele pergunta novamente ao notar meu silêncio. — Onde você está? Você está... chorando?
Patrick está bem. Está vivo.
— Patrick. — Suspiro, minha voz não passando de um fio, em meio ao turbilhão de sentimentos— Você pode vir aqui, em casa, por favor? Eu preciso de você — Completo quase choramingando.
Eu preciso vê-lo. Ver com meus próprios olhos que ele está bem.
— Claro. Aconteceu alguma coisa? Estou indo agora mesmo. — Ele diz sem fôlego e escuto ruídos pela chamada.
Depois disso, desligo a ligação. Encaro um ponto distante do quarto.
— Quer conversar sobre isso? — Minha mãe pergunta — Engulo em seco, sem saber ao certo o que dizer. — Sei que não é de agora que você vêm tendo esses pesadelos...
— Como você se sentiu quando soube que papai estava morto? — indago, repentinamente, em um murmuro trêmulo, depois de alguns instantes em silêncio.
Minha mãe me encara com olhos arregalados como se não esperasse que eu fizesse essa pergunta. Ela solta um suspiro cansado, e seus olhos ficam distantes.
— Foi o pior sentimento do mundo. Senti como se me matassem por dentro. Como se tirassem uma parte essencial de mim. A melhor parte. Foi horrível. Me senti incapaz, prepotente e doeu muito. Confesso que ainda dói. — Minha mãe termina de dizer essas palavras com olhos brilhantes de água.
Acho que nunca chegamos a conversar sobre nossos sentimentos. Sobre a dor do luto. Concordo com a cabeça, meu olhar distante. Ela continua.
— Seu pai era meu lar. Ele sempre estava do meu lado. Depois que ele morreu.... Bem... Eu fiquei desalojada. Perdida. Sem rumo. Quando ele se foi, levou junto meu porto seguro, as batidas do meu coração... Ele me levou junto, praticamente. E sempre quando fecho os meus olhos, tudo o que eu vejo é a imagem do seu pai, Michael.
Era exatamente isso que senti quando eu vi Patrick caído ensaguentado, morto no chão daquele galpão. Não quero sentir essa sensação nunca mais.
— Eu sempre vou amar seu pai. Ele sempre vai estar em meu coração... — Minha mãe continua quando fico em silêncio, como se tivesse aproveitando a oportunidade para colocar o que está sentindo para fora. — Ela coloca a mão gentilmente em meu ombro, apertando carinhosamente — Sei que aconteceu não foi culpa minha. De nenhum de nós, na verdade. Estou tentando lidar com a saudade da melhor maneira, mas é muito difícil.
Ela faz uma pausa antes de continuar.
— Filha... se você quer um conselho. — Ela diz com a mão ainda em meu ombro — Aproveite os bons momentos que a vida te dá com as pessoas que você ama. Amanhã você pode acordar e elas podem não estar mais aqui. E você pode se arrepeder por isso, mesmo não tendo culpa. Ou pode sentir saudades. E vai ser difícil lidar com tudo depois... Então não tenha medo. Não tenha medo de demonstrar seus sentimentos.
Encaro-a sem palavras, mas assinto com a cabeça. Eu não sabia como me sentir em relação a tudo isso. Eu nunca soube muito bem. Mas ver minha mãe falando sobre os sentimentos dela... me faz me sentir melhor.
Por fim, me aproximo da minha mãe, e dou-lhe um abraço apertado que diz "Eu entendo. Estou aqui se precisar". Minha mãe retrui com lágrimas ainda molhando seu belo rosto. Depois de alguns instantes, apenas sentindo o calor da minha mãe, que confesso senti falta disso, me afasto dela. Com confusão, pergunto.
— O que é isso? — Vejo que minha mãe segura um envelope de cor clara em suas mãos.
— Na verdade, é por esse motivo que estou aqui. — Ela dá um suspiro, como se fosse dificil para ela falar — Mas antes de vir aqui eu estava em meu quarto, vasculhando a gaveta de seu pai... e encontrei isso. Ela me entrega o envolope. — Estava entre o guarda do seu pai... Ele provavelmente queria te entregar no seu aniversário, pois está com essa data, mas não pode por causa do acidente. Mesmo que a data seja há um ano atrás... sinto que você precisa ler isso. Ele gostaria que fosse assim, eu acho.
Parece que ao dizer essas palavras seu rosto fica cada vez mais molhado de lágrimas. Sinto estremecimento passar por todo meu corpo. Por fim, assinto com a cabeça, sem saber ao certo o que falar. Então não falo nada, apenas pego o envelope. Acho que também estou chorando.
— Vou te deixar ler sozinha. Não quero atrapalhar.
Minha mãe me dá um último olhar preocupado e com um beijo na testa se despede. Logo, abro o conteúdo da carta e percebo a letra cursiva de médico do meu pai. Com uma fungada, enxugo as pequenas lágrimas que brotam em meus rosto e começo a ler.
"Lembro até hoje quando a peguei nos meus braços pela primeira vez. Lembro que senti um amor que nunca havia sentido antes. Senti um desejo forte de protegê-la e desde então é o que tenho feito. Minha menina, você está crescendo tão rápido. Eu quero passar cada momento da minha vida ao seu lado, cada mísero segundo — Sorrio, mesmo em meio ao choro — Você pode até me chamar de velho babão se quiser, mas não me exclua de passar cada momento da minha vida com as pessoas que eu amo. Com você, sua mãe e seu irmão. Vocês são as pessoas mais importante para mim, sempre será assim. Sempre. Sei que não posso estar ao seu lado para sempre... Mas se você me permite conceder um desejo, apenas um se for necessário... Eu peço para que você viva uma vida plena e feliz. É tudo o que seu pai sempre quis, é tudo o que eu sempre vou querer. Apenas isso é necessário para que eu me sinta completo e realizado — Agora, não me importo em limpar ás lágrimas que caem em cascatas pelo meu rosto. Um choro doloroso, nada silêncioso — Minha menina... nunca se esqueça que eu sempre vou estar aqui com você. Em seu coração, que é o lugar onde importa. Saiba que você consegue. Você consegue tudo o que quiser.
Não consigo impedir os soluços. Fecho meus olhos apenas para conter minhas lágrimas, mas não ajuda muito. Essas palavras... As palavras do meu pai — É como se ele estivesse aqui, na minha frente, dizendo-as. São essas palavras que por tanto tempo desde sua morte precisei ouvir. Levo à carta ao meu coração. Depois de alguns longos minutos, abro meus olhos e leio o último parágrafo da carta.
"E, não se esqueça, não importa o que aconteça sempre temos um motivo para sorrir. Sempre temos. Então, minha pequena luz, Aurea, seja feliz."
— Do seu querido pai, Michael.
Lágrimas quentes descem desesperadamente pelo meu rosto. Ainda estou segurando a carta que meu pai escreveu para mim. A carta contém a data de alguns meses antes dele falecer. Um pouco antes do meu aniversário, que não cheguei a comemorar, pois estava imersa em meu luto. Faz um ano desde então. Estou paralisada. Reli, e reli diversas vezes o conteúdo dá carta.
"Então, Aurea, minha menina, seja feliz."
Meu peito transborda com diversas emoções, que sinto como se minha mente fosse explodir. Encaro a fotografia dele em minha escrivaninha, osorriso fulminante de Michael visível na imagem, mesmo apesar de todos os problemas, meu pai sempre pareceu uma pessoa feliz. E era. No fundo, seu maior desejo é que fôssemos assim também.
O quarto está totalmente silencioso. A penumbra só não é completa pelos feixes de luz da lua. Passo a palma de minha mão pelo meu rosto, respirando profundamente, meu coração começa a se acalmar dentro do peito.
A carta... o que meu pai me disse... Está começando a fazer efeito em meu peito.
Ainda estou imersas em meus pensamentos. Até que escuto um ruído da janela. Com susto, me levanto da cama, coloco a carta do meu pai ao lado do retrato e abro a claraboia. Um instante depois, Patrick ultrapassa a janela e se coloca na minha frente.
— Tudo bem? Fiquei preocupado. Eu vim correndo logo depois que você me ligou. — Patrick passa as mãos pelos cabelos negros. Seus olhos são repletos de um brilho cujo noto ser preocupação e medo.
— Aurora... Por favor, me diga.
Sem dar tempo para ele continuar a fala. O abraço com força. Aqueles abraços que tiram o ar. De urso. Patrick não diz mais nada. Apenad passa as mãos suavemente pela minha costa e cabelo em um gesto silêncioso, retribuindo o abraço.
Ficamos assim por longos minutos, quando me acalmo o suficiente para sair do abraço, encarando-o. Patrick beija minha testa e também me encara com carinho. Me aproximo mais dele, só que dessa vez não para abraçá-lo, mas para beijá-lo.
Eitaa que susto!!! Já pensou se o Patrick morre? Me digam o que acharam desse capítulo, esse foi um pouco longo, mas é para compensar a demora. Espero que estejam gostando. Não se esqueçam de votar e comentar. Até o próximo capítulo!! <3
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