Capítulo 62

MELISSA

Me levanto e como de costume ajudo minha tia Rosiane, no que diz respeito a arrumar a casa, mas não demora muito até que, com um pequeno beijo nela, me despeço. Rosiane me encara com olhos arregalados pelo ato repentino, mas não me importo.

Entro no lugar já conhecido, e encaro as paredes brancas do consultório, dessa vez não atrasada.

— Pode entrar. — Escuto a voz de Nádia soando.

Com passos determinados entro no lugar. A psicóloga me cumprimenta e me sento no sofá macio, totalmente neutro e com cheiros de rosas.

— Você parece bem. — Ela observa com um sorriso.

Com um único movimento assinto com a cabeça, sem saber ao certo o que falar.

Estou me sentindo diferente de certo modo.... Mais leve. É bom. A psicóloga se mexe em seu assento.

— Como escrever tem se tornado efetivo para o tratamento... — Ela mexe nos óculos — Você vai fazer isso hoje.

Assinto lentamente com a cabeça sem ter o que dizer. Escrever tem me ajudado a me sentir menos ansiosa. Tem sido uma ótima forma de me expressar. Relutante pego o papel e a  caneta.

Nádia fica em silêncio por longos minutos, me deixando pensar. Então não demora muito para que as palavras de dentro de mim fluem para o papel. Então, eu escrevo. Tudo o que me vem à mente; as palavras sinceras e do fundo do meu coração.

Longos minutos se passam, e com um pequeno sorriso nos lábios, deixo a caneta de lado e observo o que escrevi, não falo muito sobre mim, não, mas sim sobre Matheus e Felipe.

Matheus me ensinou a jogar futebol. Foi paciente e carinhoso. O modo como alegra meus dias... matheus e Felipe são minha família. Não a de sangue, mas a de coração. A família que eu sempre quis ter, e a que nunca tive. E, por último, falei sobre meus sentimentos por Matheus, fui sincera, como nunca fiz antes.

Quando a sessão chega ao fim, decido mandar uma mensagem para Matheus dizendo: "Espero que esteja com saudades minhas. Te vejo no campo".

MATHEUS

Desde o dia em que beijei uma certa ruiva não sou mais o mesmo. Melissa ocupa meus pensamentos de uma forma que ninguém nunca ocupou antes. Não achei que fosse encontrá-la novamente desde o dia que nos conhecemos. Contudo, ela me procurou no campo, onde eu sabia que ela estaria. Foi quando a convidei para o encontro, que ela aceitou na marra. Depois voltamos para o campo, que se tornou o "nosso" lugar, conversamos, fomos sinceros um com o outro, e pude ver quem ela é, assim como ela me viu, de verdade.

Eu sabia que a menina de língua afiada não era como as outras garotas, mas também não achei que ela fosse tão parecida comigo. Não estou falando apenas dos cabelos ruivos e olhos marcantes. É sobre tudo.

Porque quando estou ao lado dela não quero ser qualquer outra pessoa, e sinto que com Melissa é assim também.

Parte meu coração só de pensar em deixá-la.

Eu não quero isso, de modo algum, saber que causarei dor ela... faz com que eu me sinta a pior pessoa do mundo.

— Você precisa dizer a ela que vai embora — Felipe diz de modo preocupado.

— Eu sei, ok? — Respondo, ao andar de um lado para o outro, nervoso — Não me pressione. Estou esperando o momento certo.

Mas não sei se consigo. Não depois de tudo. Das confissões, sorrisos e beijos.

Felipe bufa. Ele passa a mão pelo cabelo enquanto encara outro ponto da sala. Depois, volta aqueles olhos claros para mim.

— Não existe momento perfeito, Matheus! O momento perfeito é o agora — Seus olhos expressam algo sólido — De qualquer forma, você partirá o coração dela.

Felipe se aproxima de onde estou e segura meu antebraço, me fazendo parar de andar de um lado para o outro.

— Você precisa dizer a ela. É sério — Ele diz seriamente. De uma forma que faz poucas vezes — Ela é uma pessoa importante para mim. Sei que para você também. Vamos fazer com que seja melhor para ela... Se Melissa ficar sabendo por outra pessoa será pior.

Engulo em seco pensando na possibilidade. Será difícil contar, ainda mais deixá-la, mas eu preciso fazer isso. De alguma forma ou de outra.

Está manhã, meu pai ligou dizendo que minha mãe está doente e que é para eu visitá-los o quanto antes... o mais brevemente o possível. Como minha mãe tem idade avançada pode ser seu fim. E pode ser a última vez que eu posso vê-la. Mas sei que não é. Ela é uma mulher forte e vibrante. Só quer ver o filho, que está com saudades.

Eu vim para Floriana com 14 anos de idade. A procura de uma educação melhor. Consegui uma bolsa de estudos integral no colégio em que estudo e não perdi tempo. Meus professores viam um potencial em mim. Ainda mais depois que entrei no time de futebol, tudo começou a fazer sentido. Desde então, passei esses anos aqui.

Ainda sim, sempre me pego pensando na minha antiga cidade. As coisas são diferentes por lá, de certo modo. Antes de chegar em Floriana, novo, cheio de sonhos e expectativas, eu também tinha uma vida na minha pequena cidade natal, onde meus pais estão agora, minha mãe doente.

Dou um suspiro cansado enquanto encaro um ponto distante. Estamos em meu apartamento onde eu divido com Felipe. No começo, as pessoas faziam fofocas sobre isso, dizendo que tínhamos um caso, e que eu também era gay. Mas não me importo. Nunca me importei o que as pessoas dizem.

Contudo, ao encarar o apartamento agora, me lembro de Melissa... De quando estava aqui e no quanto nos divertimos. Nós conversamos, rimos e comemos.

Felipe me lança um olhar significativo.

— Às vezes o destino nos prega umas peças... — Felipe sussura — Eu prefiro acreditar que tudo acontece por uma razão.

Balanço a cabeça em concordância sem saber o certo o que dizer. Sei que ele está dizendo isso, pois já passou por muitas situações difíceis. Me recordo do dia em que Felipe me disse que levou uma surra dos pai quando confessou ser gay. Depois disso, ele saiu de casa, me conheceu, e passamos a morar aqui.

— Eu vou com você. — Felipe continua, com a voz determinada — Sei que hoje não preciso jogar, mas quero estar no campo. Te apoiando. Apoiando ela também.

Encaro-o com profundidade, e sinto que um nó se forma em minha garganta.

— Obrigado — É a única coisa a se dizer e parece ser o suficiente.

Sinto meu celular apitando no bolso e pego para ver a notificação de Melissa na tela com a seguinte mensagem: "Espero que esteja com saudades minha, te vejo no campo."

Com um suspiro entrecortado observo a tela. Essa notícia não deve ser dada pelo telefone. Portanto, com o coração acelerado, guardo o celular dentro do bolso novamente. E, com um suspiro, caminho para o campo.


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