Capítulo 37

LAURA

Com a mão na barriga, estou rindo de algo que Aurora diz. Encaro-a com carinho, e sinto como se alguém estivesse me observando. Então com um único movimento levanto meu olhar e encontro Melissa me encarando com um olhar significativo. Estamos no intervalo do colégio.

— Já volto — Digo para minha melhor amiga.

— Pra onde você vai? — Aurora pergunta.

— Não se preocupe, vai ser rápido.

Não fico para escutar a resposta dela.
Me aproximo da garota alta de cabelos ruivos que um dia já foi minha amiga.

— Por que? — Pergunto como forma de comprimento ao parar na sua frente.

Melissa se mexe desconfortavelmente em seu próprio corpo.

— Por que o que?

Encaro-a com firmeza.

— Por que você fez isso?  Eu sei que foi você.

— Não era para ter sido você... — Ela sussurra sabendo do que se trata.

— Mas era para ter sido ela. — Retruco entredentes — Você sabe que ela é minha amiga. Por que sequer fazer isso? Para me machucar? — Minha voz expressa mágoa e ceticismo.

— Você não entende?! Eu fiz isso por você! Por nós! — Melissa diz com urgência, como se fosse o óbvio.

Não... Não é assim que deve ser.

— Melissa... — Sussurro depois de um suspiro — Também quero voltar a ser sua amiga... Mas desse jeito não dá. Você não pode resolver as coisas assim. Aurora é uma pessoa importante para mim e você a teria matado. Teria me matado.

— Me perdoa — Melissa murmura e parece realmente estar arrependida — Eu não queria isso... Não de verdade.

— Também sinto falta do que tínhamos. Mas pra isso dar certo você precisa se cuidar. Cuidar da sua doença, antes que isso machuque mais pessoas.

Melissa me encara profundamente conforme eu digo as palavras.

— Sei que você não fez isso porque quis... — Continuo, com um aperto no peito.

Melissa assente lentamente. Pigarreio antes de continuar.

— Então... eu proponho, que você vá para casa da sua tia Rosiane em Floriana, aquela que você mencionou quando éramos criança, e que cuide de sua doença lá. Quando você estiver mentalmente bem você poderá voltar. — Digo ao me mexer desconfortavelmente.

Melissa me informou dessa tia, quando eu perguntei se ela tinha algum parente vivo, isso faz muito tempo, mas ela me lembro. A única pessoa viva de sua família, tirando seu pai que ela não conhece. A vida de Melissa é conturbada, sei disso tanto quanto outra pessoa, e tudo o que ela passou e vem passando... Não é fácil. Mas isso não justifica suas escolhas.

Mas tento não pensar muito nisso conforme balanço a cabeça para afastar os pensamentos inoportunos.

— E quando você voltar podemos voltar a ser amigas. E tudo voltará a ser como antes. Até melhor, que tal? Mas isso depende da sua escolha.

Melissa não diz nada. Sei que está pensando na possibilidade.

— Não pense que quero você longe. Só acho que se você fizer isso, mostrará que realmente se arrepende de seus erros e está disposta a ser melhor, a mudar. Eu prometo que quando você voltar vou te esperar de braços abertos.

Melissa apenas me encara com aquela inquietude.

— E Aurora? — Melissa pergunta.

— Não vou deixá-la... então espero que você concorde com essa condição.

Ela continua me encarando com um olhar prolongado. Sei o que ela pensa sobre isso tudo... Minha amizade com Aurora não a agrada. Nem um pouco. Mas sei que ela vai pensar melhor depois.

— Apenas pense, por favor. Sei que tudo o que você fez foi para reconquistar nossa amizade — Aperto suavemente sua mão à medida que encaro-a com carinho — E mesmo que suas atitudes tenham levado a consequências drásticas sua intenção nunca foi me machucar. Até mesmo a Aurora, mesmo que você ache o contrário.

Melissa não diz nada, mas em seus olhos há um brilho suave. Ela pode não perceber, mas é uma boa pessoa. Independentemente de tudo. Sei disso pois conheço-a muito bem. Melhor que ninguém.

Então, com o coração acelerado no peito, solto delicadamente suas mãos, e volto a caminhar pelo corredor. O sinal já soou. Então vou em direção a minha sala.

Melissa é uma boa pessoa, eu e ela éramos amigas de infância, mas eu errei com ela. Acabei me afastando por causa de sua doença. No momento mais vulnerável dela, quando ela mais precisou de mim. Achei que assim ela melhoraria, mas acabou piorando. Me arrependo disso todos os dias. Todas às vezes,  eu encaro os olhos claros dela repleto de dor e mágoa...

Mas estou aprendendo com meus erros e tentando ser alguém melhor. Espero que Melissa faça o mesmo.

A esquizofrenia faz ela tomar atitudes sem pensar. Não estou defendendo o comportamento dela, mas sei que no fundo ela não queria isso. Pelo menos, não dessa forma. Quando eu escutei o desabafo de Aurora, soube que era ela... Não mencionei, mas soube.

No fundo, Melissa é apenas uma garota que se sente sozinha, abandonada e eu fui a única pessoa capaz de conhecê-la de verdade por debaixo dessa pessoa que ela finge ser. Ela só quer alguém para conversar, alguém com quem realmente contar... Uma amizade verdadeira.

A doença dela tem grande impacto em suas ações, pois com a esquizofrenia ela não consegue pensar direito.

* Esquizofrenia - Definição (de acordo com o Google)

Trata-se de um transtorno mental crônico e grave que afeta o modo como uma pessoa pensa, sente e se comporta. Provoca alterações no comportamento, indiferença afetiva, pensamentos confusos e dificuldades para se relacionar com pessoas.

MELISSA

Ainda estou pensando na proposta de Laura. Ela realmente quer minha amizade de volta ou só quer que eu vá embora?

Massageio às têmporas doloridas. Esqueci de tomar meus remédios e meu humor não está um dos melhores. Sinto minha barriga roncar de fome e um vazio na alma. Mas tudo pode ser diferente agora.

— O que você quer? — Digo rispidamente ao avistar Richard vindo em minha direção.

O loiro me puxa para um lugar mais silencioso.

— Preciso te contar o que escutei agora a pouco no corredor. — Ele murmura o que faz eu encará-lo com as sobrancelhas erguidas.

— Hum? — Olho para minhas unhas, desinteressada.

Richard tem se tornado um pé no saco e mais atrapalha do que ajuda. Ele tem me ajudado em meu plano contra a Aurora. Na verdade, meu plano para reconquistar minha amizade com Laura. Desde o sequestro, e a ligação e o atropelando. É claro, a parte do atropelamento foi do Richard e foi ele quem causou aquilo. Eu me sinto culpada, pois de alguma forma eu contribui para o seu plano, afinal, eu não  fiz nada para impedi-lo.

Mas o que Richard quer é a Aurora. Ele só topou esse plano louco por causa dela. Não entendo esse sentimento obsessivo que ele tem por ela, mas, na verdade, não me importo nenhum pouco.

— Eu escutei Patrick dizendo para o irmão de Aurora que queria pedi-la em namoro.

Levanto as sobrancelhas conforme ele diz as palavras. Cruzo os braços em frente ao meu corpo.

— E o que eu tenho haver com isso?

— É a nossa chance de prosseguir com o plano.

Dou um suspiro cansado conforme desfaço os braços que estavam cruzados.

— E o que você quer fazer exatamente?

Richard me encara com profundidade. Ele olha para os lados antes de dizer.

— Quero machucá-lo. Não matá-lo... Mas feri-lo. — Sua feição estampa raiva gélida e entusiasmo pelo plano.

A pequena cicatriz no canto inferior testa que Patrick deixou em Richard, está brilhando sobre a luz do sol. Sei que ele quer se vingar.

Fico apenas encarando-o. Richard é mesmo um idiota, estou passando um tempo no apartamento dele, pois não tenho para onde ir... Longa história. Mas sempre o vejo com meninas diferentes. Meninas que ele fica, enjoa e joga fora como lixo. Ele quer fazer o mesmo com Aurora.

Aquela história no banheiro da festa, foi ele quem queria prosseguir com o plano. Mas eu não. Por isso chamei Patrick. Tinha o número dele, pois quando Richard sequestrou Aurora, quando ela estava no cemitério, eu o vi no telefone dela e guardei-o na memória para caso eu precisasse.

A conversa com Laura está rodando em minha mente, sem paciência, murmuro com amargura.

— Essa sua obsessão está indo longe demais. Você acha mesmo que isso vale a pena? Que a Aurora vale a pena.

— Eu gosto dela muito antes dele mesmo chegar.

— Não, Richard, você não gosta dela, porra! — Exclamo um pouco irritada — Você só quer ela porque ela é a única garota que ainda não deitou na sua cama. — Rosno sentindo raiva reverberando por todo meu ser.

Quando eu coloquei o pé para a Aurora tropeçar no início do ano, eu ainda não sabia sobre a amizade dela com Laura. Mas ainda assim, não tinha gostado dela, é como se eu tivesse pressentindo. Ou talvez porque Aurora é amada por todos, e eu sempre quis isso. Eu senti inveja de Aurora desde o primeiro dia que a conheci, mesmo que custe admitir.

E a inveja, ciúmes e ódio piorou quando soube que ela e Laura são amigas. Aí meus sentimentos raivosos aumentaram.

— O que? Tá com ciúmes, Melissa? — Richard diz ao se aproximar mais — Posso te dar mais uma noite como aquela.

Talvez eu devesse aceitar a proposta de Laura. Nem que fosse para ficar longe de Richard. Quero arrancar esse sorriso pútrido do rosto dele. Eu só fico no mesmo apartamento que ele porque não tenho para onde ir. Naquela noite, eu nem queria ficar com ele. Eu estava bêbada. E ele me abrigou a ter relações sexuais com ele, mesmo eu não querendo, eu não posso fazer nada para mudar isso. Ninguém iria acreditar em mim se eu falasse para mais alguém, pois minha fama com os garotos não é nada boas. Eu odeio isso. Não sei porque eu tenho que passar por essas situações.

— Não chega perto de mim seu verme maldito! — Digo rispidamente ao empurrá-lo — Sai daqui!

Richard tenta se equilibrar, mas não perde a graça.

— Isso é o que você diz agora — Aquele sorriso ainda permanece em seus lábios — Só quero ver quando eu te botar para fora do meu apartamento. Você vai voltar com o rabo entre as pernas, sua vadiazinha!

— Me diz logo qual é seu plano, porra! — Digo entredentes, já perdendo a calma — Ou se não vou te socar até você morrer.

Tô cansada disso. Cansada de morar com ele. De ver sua cara todo dia. De aguentar seus insultos.

— Eu escutei Patrick dizendo que queria pedir Aurora em namoro no parque. Provavelmente a noite. Então apenas precisamos chegar antes dela e dar uma lição nele.

Dou uma risada afiada ao fazer movimentos negativos com a cabeça. Richard está tão empenhado em conquistar Aurora que isso faz meu estômago se revirar. Minha postura ereta e meu olhar firme, me vejo dizendo.

— Não quero participar disso. — Cruzo os braços sobre meu corpo — Patrick nunca foi meu foco e você quer machucá-lo. Não conte comigo para isso.

A conversa de Laura ecoando em minha mente... Pensamentos frenéticos ameaçam me arrebatar.

— Tá se fazendo de inocente agora? — Richard exclama irritado — Foi você quem começou isso! — Ele me fuzila com os olhos.

— Eu comecei e agora termino!

Richard me encara com raiva e dou um pequeno sorriso de lado ao apoiar as mãos na cintura.

— Sua vadia! Você me paga!

— Isso não é nada. Já me chamaram de coisas piores — Cantarolo — No entanto, Richard tenta segurar meu antebraço.

Encaro-o com firmeza. Eu não tenho medo desse filho da puta.

— Olha aqui! Você só tem inveja de Patrick porque você nunca será alguém como ele. Richard, você é odioso! — Fecho meu pinho que estão inertes ao lado do corpo. Não dando tempo para ele responder — Você nem é tão bom de cama assim! E você nunca vai conseguir o que quer! Nunca! — Grito por fim, e sem dar tempo para ele responder viro às costas e caminho para longe.

Não me importo com as pessoas que me encaram com suas expressões de novo e confusão.

— Isso não vai ficar assim! — Richard grita, mas já estou longe.

— Ah! Tô morrendo de medo! — Consigo gritar volta.

Solto um suspiro. Richard está ficando louco. Até quando essa obsessão vai levá-lo? Sei que o que eu fiz não me torna a melhor pessoa do mundo, mas quando olho para Richard eu só sinto dó. Dó, porque ele é tão ruim quanto eu, mas ele não tem escrúpulos nenhum, tudo o que quer é destruir. O ódio e a inveja já o consumiu por completo.

Tudo o que ele fez. Por pura obsessão de levar Aurora para cama... Isso não é amor. Não quero mais participar desses joguetes. Aprendi que nada de bom acontece quando você machuca as pessoas... Seja intencionalmente ou não, isso não leva a lugar nenhum. E eu ainda estou pagando pelos meus erros.


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