Capítulo 3

AURORA

Tudo não passa de passos e sombras enquanto me aproximo da escola. Meus pés ficam um pouco doloridos devido à corrida, e as estradas esburacadas e o trânsito não ajudam muito. Aceno com a cabeça para o funcionário que fica monitorando a entrada do colégio, e ele acena de volta.

João me ajudou quando me perdi por entre os longos corredores do Saint Mary. Às vezes nos comprimentamos, mas não somos íntimos.

Entro no local rapidamente sem me importar com os adolescentes que me encaram com curiosidade em suas feições. Quando uma coisa ruim acontece com você, a segunda pior coisa são as pessoas sentindo pena de você.

Observo os longos armários cinzentos, bancos coloridos por todos os lados, e grupos de adolescentes espalhados em "categorias". Não dou muita atenção, pois me encontro muito concentrada correndo à procura de minha sala. Estou eufórica, não reconheço ninguém ali. Em meus ouvidos ressoa "Fragile" de Kygo e Labrinth.

Antes que possa perceber ou fazer qualquer coisa, bato em algo sólido.

Olho para cima à medida que levo a mão ao lugar atingido, dor reverberando por todo o lugar conforme tento me equilibrar em meu próprio corpo. Seguro meu fone de ouvido portátil antes que ele se arrebente.

Minha visão se ajusta à figura à minha frente, e aos poucos identifico olhos salpicados de negro me encarando com profundidade. Estava correndo tão rápido que não o vi...

Afinal, quem é ele?

— Desculpe. — Murmuro rapidamente conforme encaro o rapaz desconhecido hipnotizada por sua beleza.

Nunca o vi antes. Se eu tivesse visto... eu lembraria. O menino apenas fica em silêncio. Seus olhos negros, mas suavizados e talvez preocupados, me encaram com profundidade. Ele passa as mãos pelo cabelo que está levemente bagunçado e dá um pequeno sorriso de lado. Poderia até alegar que sexy... E sinto algo dentro de meu peito se agitando.

Suas vestes são pretas, e as mãos repousam casualmente no bolso da calça. É o menino mais lindo que eu já vi. Abro a boca para perguntar seu nome ou dizer qualquer coisa para acabar com aquele silêncio constrangedor, mas ele começa primeiro.

— Gostei do seu moletom. — Ele menciona, por fim.

— Ah... Obrigada. — É tudo o que eu digo — Dou um pequeno sorriso, mas acho que soa falso, mesmo que não seja minha intenção.

Contudo, sem dizer nada o rapaz desconhecido apenas continua caminhando despreocupadamente pelo corredor. Solto um suspiro que não sabia estar guardando enquanto levo à mão para meu coração que está retubando em meu peito.

O que foi isso?

Sinto minhas bochechas esquentarem, de calor ou vergonha, não sei dizer. Abaixo meu olhar para meu moletom, ao local onde o garoto apontou. Meu moletom cinza, minha cor preferida, está com uma mancha enorme de mostarda.

O que?! Como eu não vi isso?

— Que vergonha! — Exclamo com espanto.

Mas acho que falei alto demais, pois uma menina de cabelo cacheado, que passa pelo corredor, me olha um um olhar preocupado.

— Você está bem? — Ela pergunta, ao parar de andar, com olhos verdes concentrados em mim.

— Estou, sim — Respondo, enquanto faço um gesto com as mãos para enfatizar — Desculpe, não é nada demais.

A menina assente com cautela e continua o seu trajeto.

Ainda constrangida, com as mãos ao meu rosto, balanço a cabeça para afastar os pensamentos, como se isso fosse, de alguma forma, apagar a memória. Por outro lado, agradeço aos céus por ainda não ter soado o sinal e continuo a caminhada em direção à minha sala, porém agora com mais cautela para não esbarrar em mais ninguém.

Que mal educado! — Mesmo que tenha sido eu que tenha esbarrado nele, poderia ao menos ter dito algo como "Tem uma mancha enorme de mostarda no seu moletom?" Ou "Olha, que coisa amarela é essa na sua roupa?"

Solto um bufo de insatisfação. Mas aquele sorriso... Procuro não pensar no efeito que causou em mim.

Eu não devo pensar nessas coisas. Mas estávamos tão próximos, apenas alguns centímetros de distância...

Ele é lindo, isso não posso negar. Usa roupas pretas da cabeça aos pés, seu cabelo levemente bagunçado e tem um andar preguiçoso que pelos deuses...

Ainda meio absorta, e sem tempo para refletir, balanço a cabeça para afastar o pensamento.

Continuo caminhando apressadamente para minha sala. Eu não sou de ficar pensando em garotos, pelo menos, não com frequência, já que a maioria dos garotos do colégio são babacas. Mas tem algo no rapaz de olhos escuros...

"Aqui!" Penso comigo mesma. "Sala número 2". Entro no lugar já ocupado pela maioria dos alunos. Decido então, que me sentarei na penúltima cadeira ao fundo.

Adolescentes cheios de hormônios, fofocando e flertando em plena manhã de segunda-feira. Quase solto um suspiro de alívio quando vejo o homem de meia idade entrar na sala e ocupar a mesa ao centro. Agora, a sala está ocupada por todos os alunos, uma agitação que faz meus ouvidos zunirem.

Aula de matemática.

— Bom dia, alunos — O professor diz para a sala.

— Bom dia! — Todos respondem em uníssono. Me encosto mais no assento duro enquanto encaro o professor, o qual mexe em seus óculos de grau — Não sei se já estão sabendo, mas há um aluno novo na escola que irá permanecer nessa sala.

Aquele menino de cabelo negros que esbarrei agora há pouco no corredor entra na sala com as mãos no bolso e para ao lado do professor. Engulo em seco à medida que sinto um arrepio descer por minha coluna. Ele olha para toda a sala, até que seu olhar encontra o meu e se detém ali por um tempo.

Não é possível...

Tento ignorar um grupo de meninas do time de torcida do colégio que está fofocando sobre o aluno novo a poucos metros de distância e um pequeno desconforto cresce em meu peito devido aos comentários lascivos.

— Pessoal, esse é o Patrick. Seja bem vindo, Patrick! — O professor gesticula para o menino — Você pode escolher em qual lugar quer se sentar — E assim o outro dá um sutil aceno de cabeça em sinal de confirmação.

— Seja bem-vindo! — Os alunos dizem em uníssono, em sua maioria meninas.

Apenas fico em silêncio. Existem algumas cadeiras vazias perto do grupo de líderes de torcida e do time de futebol. Mas, Patrick, com aquela graça angelical, caminha em minha direção. Seus olhos escuros estão com um leve brilho de determinação.

Não senta perto de mim. Não senta perto de mim. Não senta perto de...

Patrick dá um pequeno sorriso ao parar a poucos centímetros de mim, e, então, lentamente, se senta na cadeira atrás da minha.

Só pode ser brincadeira! Ele sentou-se atrás de mim quando claramente tinha diversas outras opções.

Será sorte ou azar?

Mexo minhas mãos que estão inertes no colo em sinal de nervosismo.

Procuro não pensar muito nisso conforme abro meu caderno e o professor confere se estão todos presentes. Finjo escrever algo na folha do meu caderno, minha pequena letra traça palavras contingentes, apenas para não ter que pensar no fato do aluno novo estar sentado atrás de mim. E modo como meu corpo reage a isso.

Depois de alguns minutos ou horas, não sei dizer, suspiro aliviada por ter terminado aqueles extensos cálculos matemáticos. São tantos exercícios sobre aritmética que minha cabeça esta à ponto de explodir. Massageio as têmporas doloridas e ao mesmo tempo consigo sentir Patrick me observando de onde está.

Minha vontade é de me virar apenas para vê-lo. Quem sabe conversar? Talvez até tentar fazer amizade com ele...

Logo afasto a ideia da cabeça, e um sentimento estranho se apossa do meu peito. Abaixo o olhar, encarando um ponto distante, enquanto penso no que fazer a seguir.

Melhor não, decido por fim. Não é um bom momento, não posso me envolver com mais pessoas. Não quando posso perdê-las assim como aconteceu meu pai. Não sei se aguentarei passar por isso novamente.

A partir desse momento, tudo se torna um borrão em minha mente... De bruços, me encosto mais no assento. E, em algum momento, inevitavelmente, acabo adormecendo.


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