Capítulo 2
AURORA
Bato na porta de mármore do quarto à minha frente. Na terceira batida, sinto a preocupação atingir meu peito. Não escutei nenhum ruído sair do local adentro desde que decidi vir para cá, mas não desisto de tentar conversar com Alice.
Observo os retratos na parede do corredor amplo e antigo. É um lugar assustador à noite, mas ao amanhecer é reconfortante. As paredes de um tom claro, um tapete em bordado que jaz pelo corredor, fotografias e alguns vasos de flores delicadas.
Entrelaço as mãos em frente ao corpo, em claro sinal de nervosismo e ansiedade.
A relação com minha mãe sempre foi boa. Na verdade, uma relação normal entre mãe e filha. No entanto, desde a morte do meu pai, ela não tem sido a mesma. Não tenho a visto com frequência, sequer trocado algumas palavras com ela. Então, quando vejo minha mãe, não é tão animador. Não a culpo por isso. Dadas as circunstâncias, posso ter perdido meu pai, mas ela perdeu seu marido. Se é difícil para mim, para ela a dor deve ser multiplicada.
Despedidas nunca são fáceis.
Sei que cada momento que meus pais tiveram juntos foram únicos e especiais. Sei, pois sempre observei o modo como eles tratavam um ao outro, o modo como se olhavam, como se apenas aquilo bastasse. Fico imaginando se algum dia terei isso, mas a probabilidade de um romance nessa fase da minha vida é quase nula.
Observo a fotografia do casamento de meus pais e meu peito se agita com emoção, e só de ver minha mãe assim, nossa família assim... Me parte o coração. Vejo outra imagem, uma visão dos meus pais; Mamãe está envolvida nos braços de papai. Ele está sorrindo e seus braços estão reajustados ao redor dela.
Devido aos meus pais, eu soube que almas gêmeas existem. Elas são reais. No entanto, as almas gêmeas também morrem.
Sinto falta da mulher vibrante que minha mãe é. Dos nossos momentos em família que tem se tornado tão escassos quanto desejado. Das conversas, carícias e sorrisos. E essas memórias, elas estão começando a ficar borradas em minha mente... É como se tudo o que eu sempre acreditei virasse de cabeça para baixo.
Dou um último suspiro, já desistindo de tentar conversar com minha mãe. Com passos lentos vou me afastando da porta do quarto de Alice, desanimada pela tentativa falha.
— Entre — Consigo escutar, nada mais que um sussurro que reverbera pelo local.
Tento não dar muita importância aos pensamentos frenéticos que começam a me arrebatar, e acalmo meu coração que está acelerado.
Tudo bem, será apenas uma conversa...
— Mãe? — Murmuro ao adentrar o espaço — Só vim checar se está tudo bem — Pigarreio conforme caminho pelo espaço mal-iluminado. Conheço esse quarto tanto quanto o meu próprio, pois quando pequena e tinha pesadelos no meio da noite, me esprimia na cama de meus pais.
Mas agora...
Tropeço em alguns sapatos e roupas que estão espalhados por todo o lugar. "Uma bagunça" é um eufemismo. Consigo sentir, mais que ver, pois o lugar está envolto pela penumbra. As janelas e cortinas escuras estão firmemente fechadas conforme me aproximo da mulher que não aparenta ter mais que cinquenta anos de idade.
— Tudo bem... — Alice murmura, sua voz quebrada ao vento.
Ela ao menos se mexeu desde que cheguei.
Minha mãe passou todos esses dias assim, apenas deitada. Mas não posso julgá-la, eu também não tenho agido muito diferente disso. O que precisamos agora é de espaço e tempo para organizar nossas mentes, para tentar entender tudo isso que tem acontecido.
Preciso dar isso a ela. Mesmo que a preocupação cresça em meu peito cada vez que encaro seus olhos, os meus olhos... Há apenas tristeza e dor ali. Nada daquele brilho e animação de antes. Com passos relutantes, vou em sua direção, não sabendo ao certo o que dizer.
Eu não consigo respirar. Eu quero sair correndo dali, para fora dessa realidade. Contudo, a maneira como Alice está sofrendo. A maneira como cada pedaço de seu corpo treme de dor e tristeza...
Eu não posso deixá-la. Não dessa maneira.
Quando estamos lado a lado deposito um simples beijo em sua bochecha e dou-lhe o mesmo olhar de compreensão que meu irmão me deu há apenas alguns minutos atrás.
— Não se preocupe comigo. Chego antes do almoço.
Minha voz é calma, eu a encaro com carinho. Alice está concentrada em um ponto distante. Ela engole em seco e acena com a cabeça em sinal de concordância. Em seguida, um silêncio constrangedor se instala no lugar; ela levanta os olhos e eles parecem querer dizer algo.
O que eu posso dizer? "Sinto muito"? Isso não mudaria nada.
Mas, às vezes, as atitudes dizem mais que palavras. Então aperto a mão dela em sinal de solidariedade, a fim de transmitir a mensagem "Eu estou aqui por você". Logo, sinto um pequeno aperto em minha mão. Tão fraco, quase imperceptível. Porém, noto isso como um progresso e encontro uma deixa para sair. Não adianta nada continuar a pressioná-la.
— O.k — Murmuro para mim mesma e me afasto do local com um pequeno suspiro — Se tem uma coisa que eu aprendi é que temos que viver um dia de cada vez.
Desço as escadas logo após a conversa com minha mãe. Não sei como me sentir em relação a isso, mas pensando pelo lado positivo, não foi tão ruim como eu esperava. O trajeto é simples; há um quarto que fica oposto ao de Caio; à frente está o de Alice. Seguindo o amplo corredor, logo encontro a sala de estar e virando à direita está a cozinha, onde encontro meu irmão apoiado na bancada. Sem dizer nada, me aproximo dele, ficando ao seu lado.
Abro a gaveta do armário de utensílio e pego o pote de cereal. Ultrapasso-o e me sento para comer. Nesse período de tempo, ficamos apenas em silêncio.
Em um movimento casual e rápido, Caio pega uma maçã vermelha da fruteira. Com o cabelo levemente bagunçado, cruza os braços sobre si. Ele continua encostado na bancada, ainda me encarando com cautela nos olhos castanhos.
— Meus amigos vão me dar carona. — Quer vir conosco? — Em um único movimento rodopia a maçã nas mãos e mordisca um pedaço.
Levanto meu olhar apenas para encará-lo devido a pergunta. Ainda não conheci os amigos de Caio... Porém como meu irmão sempre está com eles, suponho que a qualquer hora vou conhecê-los, mas não sei se quero que aconteça hoje.
— Não, obrigada. — Murmuro com a boca cheia — A última coisa que quero é me espremer com um monte de adolescentes.
E é verdade.
Não tenho paciência para isso, ainda mais de manhã. Eu só quero ficar sozinha, e ver os amigos do meu irmão não vai me ajudar no processo. Não quero parecer insensível ou grossa, mas não estou com paciência para isso. Faço uma careta para meu irmão a fim de enfatizar a situação.
Caio apenas solta um pequeno sorriso à medida que balança a cabeça em sinal de negação. Diferente de mim, ele sempre foi bom com as pessoas.
— Tudo bem então. Te vejo na escola?
— Sim, senhor.
Ele chega mais perto de onde estou e deposita um beijo em minha testa. Uma demonstração de afeto que eu adoro. Como resposta retribuo com um meio sorriso. É incrível como a companhia de um irmão pode melhorar nosso dia.
Consigo dar uma última olhada para ele antes de escutar uma buzina soar lá fora e meu irmão sair apressadamente pelo local. Antes disso, grito uma última despedida para ele, e escuto um ruído de porta sendo aberta e logo fechada.
Depois de alguns instantes, termino a refeição, mas decido que seria melhor não ter comido nada. Encaro minha bolsa ao meu lado, por um momento, esqueço que terei de ir ao colégio. Meus olhos instantaneamente se arregalam quando encaro o relógio de parede, e com um suspiro extasiado deixo o pote com o cereal.
— Puts! — Levo a mão para a testa em sinal de desespero.
Meu coração começa a acelerar em meu peito. Estou tão imersa no meu mundo que nem notei os longos minutos se passando.
Faltam apenas cinco minutos para o horário da primeira aula!
Será que dará tempo de chegar ao colégio antes que o sinal soe?
Pensamentos como esse me atingem por completo.
Depois disso, tudo não passa de vultos e sombras. Eu não tenho mais noção do espaço. Deveria ter aceitado a carona que meu irmão ofereceu... Mas agora é tarde demais. Se eu correr, talvez chegue a tempo.
Então, sem tempo para fazer qualquer outra coisa, agarro minha mochila e vou correndo em meio às estradas esburacadas de Porto Real. Meu cabelo esvoaçante pela cintura, cada passo mais rápido que o outro, e tudo o que me importa agora é chegar a tempo no colégio, Saint Mary, no meu primeiro dia de aula.
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