Capítulo 11

AURORA

Já é fim de tarde quando decido ligar para Patrick. Fico encarando o telefone, como se ele fosse criar vida a qualquer momento e pular da minha mão. Disco o número que ele me entregou na sala de aula e espero.

—  Pronto. — Patrick diz, ao atender o telefone. Quase solto um suspiro de alívio quando escuto sua voz levemente rouca.

— Tudo certo aqui em casa para fazer o trabalho, eu adiantei algumas partes. Que horas você pode vir? — Tento não parecer muito nervosa.

— Oi pra você também, Aurorinha. — Ele ronrona ao telefone com aquela voz irritantemente rouca e sexy.

Concentração.

— Apenas me diga o horário. — Mantenho a voz firme.

— Me manda sua localização por SMS — Pede Patrick. Escuto um ruído no fundo da chamada como se algo estivesse mexendo.

Estou prestes a desligar. No entanto, escuto sons de pessoas gritando ao fundo da chamada com Patrick.

Onde ele está? Com quem?

— Tudo bem? — Pergunto meio incerta do que dizer.

— Sim... — Patrick responde depois de alguns instantes — Ele limpa a garganta — Preciso desligar.

— Mas...

Nem deu tempo de completar, pois ele já desligou a chamada. Formulo algumas teorias em minha cabeça, mas nenhuma é totalmente boa. É melhor não pensar profundamente nisso, mesmo que minha mente não concorde.

Pego o controle e ligo a TV. Começo a assistir um documentário sobre pinguins, e fico tão entretida que nem percebo quanto tempo se passou. Escuto a campainha tocar. Já sabendo quem pode ser, me levanto e vou em direção à porta. Abro-a e encontro Patrick com seu visual preto habitual. Ele sorri ao me ver.

— Você está a exatamente duas horas e trinta minutos atrasado. — Digo com a voz neutra.

Não que eu tenha contado. Mas o documentário sobre pinguins teve essa duração.

— Não vai me convidar para entrar? — Ele diz casualmente.

— Fique à vontade. — Abro espaço para ele passar.

Patrick se senta ao meu lado no sofá.

— Então é isso que você estava assistindo? — Patrick aponta para a TV.

— Sim. E estava muito entretida até você me atrapalhar. — Dou ênfase no "atrapalhar".

Patrick finge estár ofendido enquanto leva sua mão ao coração.

— Sinto muito se atrapalhei. — Ele murmura com pesar fingido.

Ainda estou encarando-o, com um pequeno sorriso torto em meus lábios. Ele retribui, e consigo sentir sua respiração quente roçar-me o rosto.

Menta.

— Por que você saiu daquele jeito quando eu te chamei de Aurea?

Me afasto um pouco, apenas para encarar seus olhos escuros. Neles se encontram medo ou preocupação? Não sei dizer.

— Meu pai morreu, não faz mais de quatro semanas... — Minha voz fica mais baixa à medida que eu falo. Tento não tropeçar nas palavras, mas não impeço a tristeza de me acertar com golpes certeiros no peito — Ele me chamava de Aurea... Que significa luz. Quando você me chamou por esse apelido, não consegui me conter — Ao Patrick roçar sua perna contra a minha, sinto um sentimento quente passar por mim.

— Sinto muito... Eu não sabia. — Ele engole em seco antes de prosseguir — Sei que não serve de consolo, mas meu pai me abandonou quando descobriu que minha mãe estava grávida — Patrick diz essa última parte com amargura — O que aconteceu com seu pai não foi uma escolha dele. — Ele me encara com profundidade e envolve sua mão na minha. Apenas um leve roçar de dedos.

Encaro-o surpresa devido ao gesto. Mas não digo nada, nem recuo. O local está penumbrado, a não ser pela luz emitida da televisão, e meu peito começa a se esquentar.

Patrick parece se aproximar mais, e não consigo desviar os olhos de seus lábios carnudos.

Estou em transe quando escuto passos  aproximarem à sala. Tusso e rapidamente puxo minha mão de volta ao meu colo. Engulo em seco, antes de olhar para a mulher que se aproxima com uma bandeja e um bule de chá.

— Não sabia que você já tinha chegado. — Alice diz se referindo a Patrick, ela coloca os biscoitos e o chá na mesa de centro — Aurora me falou de você... Sou Alice, a mãe dela.

— É um prazer conhecê-la, Senhora. — Patrick diz, educado.

— Me chame apenas de "Alice" ou "Você".

Ela lança uma piscadinha para mim e um sorriso para Patrick antes de sumir pelo corredor. Logo, comemos alguns biscoitos cookies, e não demoramos muito para terminar de fazer o trabalho de Biologia, em grande parte por eu ter adiantado em relação aos manuscritos.

Patrick parece me encarar por alguns momentos. Também o olho de soslaio conforme os minutos se passam. Dou um sorriso satisfeito quando encaro o trabalho já finalizado. Encaro a letra cursiva de Patrick. Ele fez tudo com muita vontade, e o resultado final ficou satisfatório.

— Nada mal. — Manifesto para ninguém em específico.

Patrick assente em confirmação. Ele pigarreia como se quisesse dizer algo.

— Aurora... Você estava tendo um ataque de pânico no corredor... — Patrick diz, com a voz não passando de um sussurro.

Encaro-o com olhos arregalados, de certa forma surpresa por ele tocar nesse assunto apenas agora. Achei que ele tinha esquecido, eu estava torcendo para isso.

Ele se senta no sofá e passa as mãos pelos cabelos negros.

— Minha mãe constantemente tinhas essas crises. Meu padrasto batia nela... — As palavras são quebradas e doloridas — Ele batia nela...

Patrick se levanta, ficando a apenas alguns centímetros de distância de mim. Tudo isso deve ser muito difícil para ele. E, nesse momento, sinto uma enorme empatia por ele e pela mãe, mesmo não conhecendo-a.

— Uma vez... perguntei a ela por que não ia embora, e ela respondeu: "Porque tudo o que temos foi dado por esse homem. Essa casa, suas roupas, a comida que você come... Você não entende, Patrick? Sem ele não somos nada." Ele suspira fundo, parecendo ser a primeira vez que diz isso em voz alta. Sua expressão se torna exausta, e tenho vontade de dar-lhe um abraço. — E, sinceramente, eu não entendo.

— Sinto muito... Deve ser difícil para você. — Murmuro, não sabendo ao certo o que dizer.

Patrick leva as mãos ao cabelo e cobre os olhos, logo volta a fixar seus olhos em mim.

— Sinto muito por ter te deixado sozinha no corredor. — Ele diz mudando de assunto — Eu não me perdoaria se algo tivesse acontecido a você.

Engulo em seco pela mudança abrupta de assunto, mas logo me recomponho.

— Eu queria ficar sozinha. E sem contar que você ficou de olho em mim o recreio todo. — Cruzo os braços em frente ao corpo — Acha que eu não percebi?

— Você precisa contar para sua mãe. — Ele murmura ainda me encarando com aqueles olhos profundos — Sobre essas crises...

— Não. — Digo firme e fecho o punho. — Minha mãe e meu irmão já tem problemas demais, não quero ser mais uma de suas preocupações.

Patrick segura minha mão novamente, dessa vez mais firme.

— Aurora... — Ele suspira. — Você não precisa aguentar o peso do mundo sozinha. É para isso que serve a família. Para dividir as alegrias... Mas acima de tudo a dor.

Afasto minha mão da dele.

— Sinto muito, Patrick. Mas agora que já terminamos o trabalho... acho melhor você ir embora.

Minhas palavras são hesitantes, mas eu as digo. Algo dentro de mim se parte quando Patrick se afasta de mim e me encara com mágoa nos olhos escuros. Não quero envolvê-lo nisso também...

— Aurora... — A voz dele não passa de um sussurro e um alerta — Isso não se trata de mim. Se trata de você. Não se negligencie dessa forma. — Ele abaixa o olhar — Sua mãe e seu irmão vão entender. Eles podem te ajudar.

Olho para Patrick — De verdade — e vejo a criança que sofreu na mão do padrasto por causa dos abusos e agressões que o fez passar.

Me dói só de olhar para ele... e, principalmente, de ter que dizer o que pretendo falar. Ele não merece isso, não depois de tudo, mas eu não quero ser mais um fardo para ele. Não quero ser mais um dos seus traumas. Não quero mais ver esse sofrimento em seus olhos, e saber que eu sou o motivo, posso parecer dramática, mas é eu preciso fazer isso.

— Olha, Patrick, agradeço a preocupação, mas você não precisa se importar. Eu não te devo nada. — Com o coração acelerado, tento controlar a respiração — E você não me deve nada também... Então, por favor, vá embora e não se intrometa na minha vida.

Patrick me encara, uma última vez, com seus olhos escuros indecifráveis. Eu posso jurar ver um brilho de decepção passar por eles.

— Depois não venha falar que eu não avisei.

Não noto raiva na voz dele, apenas tristeza. Ele só quer me ajudar. Talvez eu esteja sendo um pouco egoísta, mas prefiro fazer isso sozinha.

Não sei quanto tempo se passou desde que ele foi embora, mas me sento no chão e passo os braços ao redor de meus joelhos. Sinto algo molhado em meu rosto, como chuva. E então percebo que estou chorando.


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