Capítulo 1
Boɑ leiturɑ. ❤
AURORA
Me espremo preguiçosamente na cama ao ver os raios de sol entrarem como tiras pelo meu quarto. É final de verão, mas parece inverno, pelo menos, aqui dentro. Deveria estar em pé agora, me preparando para ir a escola, é torturante saber disso, mas continuo imóvel, sem forças, enquanto encaro o teto.
Bocejo e escuto alguém bater na porta. Me viro para o lado, um aperto no peito começa a me invadir, dor preenche meu coração e decido então fechar os olhos. Contudo, me vejo dizendo:
— Pode abrir...
Com minha voz levemente arrastada, me aninho na cama, querendo não sair dali pelo resto do dia, talvez, pelo resto da vida, se tiver sorte. Sei que estou sendo muito negativa, mas não consigo impedir todos esses pensamentos que me acertam como ondas.
Caio, meu irmão mais velho, entra em meu quarto, o que me faz sair do transe em que me encontro. Ele possui um pequeno sorriso no rosto, seus cabelos castanhos estão levemente bagunçados, e os olhos estão suavizados. Ele já está vestido para a escola, com sua animação quase contagiante em plena manhã de segunda-feira.
Meu irmão é lindo. Do tipo que faz as garotas do colégio ficarem caidinhas por ele. Diferente de mim, ele é o popular da escola, enquanto eu só quero passar despercebida. Se não fosse um ano mais velho, poderíamos até ser considerados irmãos gêmeos. No entanto, isso nunca impediu que fôssemos sempre muito unidos. Como carne e osso.
Em algum momento, perco a noção do tempo. Fecho meus olhos e puxo a coberta de modo que cubra todo meu corpo, como se aquilo de alguma forma me impedisse de levantar.
— Que horas são? — Murmuro com a voz sonolenta — Me deixe dormir!
— Maninha... — Caio diz ao se aproximar mais da cama — Você precisa se levantar se não quiser se atrasar logo no primeiro dia de aula.
A voz dele é suave, e em seus olhos há compreensão. Ele apoia a mão sobre a minha, de alguma forma, conectando alma a alma. Se existe alguém que entenda minha dor, essa pessoa é meu irmão.
Cada memória é sufocante. Sufocante e dolorosa. E, às vezes, acho que esse sentimento nunca vai passar.
Nunca mais verei meu pai... O homem que sempre foi tão carinhoso comigo.
Quer dizer, uma parte racional de mim sabe, mas não parece ser real. Ainda sinto como se ele estivesse aqui, comigo, de alguma forma. O luto é estranho, a maneira como ele aparece para você, como despedaça sua alma e o faz questionar sua existência... E mesmo que eu me esforce para não chorar e para abafar a dor, mais abatida eu permaneço.
No fundo, tudo o que quero é vê-lo uma uma última vez. Dizer o quanto o amo e sinto sua falta. Tantas palavras precisavam ser ditas...
Sinto que estou afundando em minhas memórias.
— Só mais cinco minutinhos — Peço com uma cara de cachorro abandonado — Por favor.
Se apelar por esse lado, talvez meu irmão tenha pena de mim e me deixe ficar em casa. Mas eu sei que isso não acontecerá. Esse truque não funciona com Caio. Não com ele.
— Nada disso, mocinha. — Caio faz menção de me puxar para fora da cama. Quando sua tentativa falha, se aproxima e senta ao meu lado. Meu irmão parece refletir alguns momentos antes de dizer:
— Eu sei que é difícil, mas precisamos fazer isso. Vamos fazer isso juntos.
Percebo que dor e compreensão lampejam em seus olhos marcantes, e, naquele momento, eu soube que, enquanto tiver meu irmão, tudo ficará bem.
— Tá bom... — Resmungo baixo, conforme me espreguiço. Logo em seguida me levanto da cama, que tem se tornado meu lugar preferido.
Não há palavras a dizer. Nada que possa ser feito para que isso seja melhor.
Às vezes, eu quero ser como Caio, mas ele também sofre pela morte do nosso pai, mesmo que mostre lidar melhor com isso.
Cada um enfrenta sua dor de uma maneira.
Consegui enxergar o pequeno sorriso em seu rosto quando ele entrou em meu quarto, mas, no fundo, sei que não é um sorriso verdadeiro. Tento arremessar o travesseiro em meu irmão quando o vejo distraído, porém ele sai tão rápido do quarto que o travesseiro apenas atinge o chão.
Encaro meu reflexo em frente ao espelho do banheiro. Meus olhos castanhos-dourados estão sem vida e com leves orelhas devido a noite de sono mal dormida. Meus lábios estão ressecados, e meu cabelo despenca por minha cintura em uma repleta bagunça.
Com um bufo frustrado, dou um último bocejo e lavo meu rosto, despertando com a água fria. Passo a mão pelos fios do meu cabelo, frustrada pelas muitas tentativas falhas de fazer um penteado. Não que me importe com essas coisas. Na verdade, isso é o de menos.
Conforto é melhor que beleza.
Quero encontrar pessoas que também pensem nisso, mas a maioria das garotas e garotos do meu colégio com certeza não são assim. Não que eu me dê ao trabalho de conversar com eles... De tentar conhecê-los. Mas sou observadora o suficiente para saber disso.
Também não tenho amigos. Pelo menos, não de verdade. Não que me importe com isso também, a companhia do meu irmão basta. Na verdade, eu nunca penso de fato sobre isso, mesmo que eu tenba vontade de ter amigos, não é como se eu tivesse facilidade em fazer novas amizades.
No fundo, eu sinto que há uma barreira entre mim e o mundo. Parece uma grande parede de vidro, tão compacta que não pode ser atravessada. As pessoas podem ver essa parede, mas ela nunca podem passar por esse limite. Eu posso fazer novos amigos, mas eles nunca me conhecem, pelo menos, não de verdade.
Volto ao quarto e caminho em direção ao closet. Pego a primeira calça que encontro e a visto. Também pego o uniforme da escola, de uma cor branca com um entalhe de lobo azul estampado no peito. Procuro mais no guarda-roupa a fim de encontrar o restante do meu visual.
— Aí está você. — Murmuro ao pegar meu moletom cinza favorito, colocando-o sobre mim. Depois de passar alguns instantes apenas cheirando meu moletom, alcanço o all star e os coloco em meus pés. Essa é minha segunda pele, por assim dizer.
Meu cabelo desliza pelo meu rosto. E, com um pequeno suspiro, puxo uma mecha castanho-achocolatada para trás de minha orelha.
— Pronto. — Bufo com satisfação quando me levanto.
Caminho para perto da escrivaninha, que está uma completa bagunça, prometendo arrumar a desordem do local qualquer outro horário, pego minha bolsa escolar e a levo aos meus ombros. Antes disso, observo o retrato do meu pai que está sobre a mesma mobília. Com a fotografia em minhas mãos, acaricio a imagem de Michael sorrindo, e um sentimento conhecido começa a agitar em meu peito.
— Queria que estivesse aqui. — Sussurro ainda segurando a imagem, que está desgastada pelo tempo.
Já vi tantas vezes essa mesma imagem, mas a saudade permanece aqui, intacta. Não é o mesmo que tê-lo ao meu lado. É um vazio, um espaço que não pode ser preenchido e leva tempo para processar tudo. Para sequer entender.
Dou um último suspiro conforme limpo as pequenas lágrimas que começam a descer pelo meu rosto. Já chorei muito, mas ainda assim nunca parece ser suficiente. Nunca será. No entanto, procuro não deixar espaço para cogitação, culpa, dor ou tristeza. Então, deixo os pensamentos negativos de lado, todos esses que tive apenas alguns instantes atrás.
— Você consegue — Murmuro para mim mesma.
Esse tem se tornado um constante lembrete. Era isso que meu pai dizia para mim. Não sabia que essas seriam as palavras que mudariam a minha vida de cabeça para baixo, que ficariam entre tentar ou desistir, lutar ou largar tudo para o alto. Muito pequena, apenas sorria quando meu pai pronunciava tal frase.
— Você consegue. — Repito, dessa vez mais firme.
Com um suspiro saio da frente do espelho e começo a caminhar em direção à porta. Contudo, o sorriso permanece lá, para mostra-me que estou no controle, que ficará tudo bem, que eu conseguirei.
Não tenho o que temer, será um dia normal do meu cotidiano. Tudo será entediante e medonho... de uma forma estranha. Mas a vida é assim, às vezes, não é?
Porém, antes de ir ao colégio, decido que preciso conversar com uma pessoa em particular.
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