Capítulo 8
A semana seguinte passou rapidamente. Os pesadelos me deram uma trégua e eu já conseguia ter uma noite inteira de sono, o que deixou o meu humor e a minha aparência bem melhores.
Depois daquele primeiro final de semana, as minhas aulas com a Jennifer deixaram de ser uma tortura, e eu passei a apreciar o nosso tempo juntos. Ela ainda aproveitava qualquer oportunidade pra me deixar constrangido, e às vezes eu queria matá-la, mas aí lembrava que estava começando a gostar dela e mudava de ideia.
Mike dizia que estava rolando algo entre nós, e eu dizia que ele estava louco. Não era como se eu pudesse dizer a ele que me inclinava deliberadamente sobre a cadeira da garota só para sentir o cheiro do cabelo dela e que tinha vontade de colocá-lo atrás de sua orelha quando ele caía sobre os olhos.
Ao lembrar de meu amigo, decidi perguntar se ele queria aparecer no domingo. Ele tinha muitos amigos e certamente não sentiria a minha falta quando fosse para a faculdade. Eu, no entanto, ficaria sozinho de novo e precisava aproveitar o tempo que tinha.
Peguei meu celular e digitei uma mensagem:
"Ei, cupido, o que você está aprontando?"
"De anjo, eu não tenho nada, nerd"
"Tem o cabelo."
"E as meninas adoram se emaranhar neles."
Revirei os olhos, porque eu não o via com outra menina além da Rox desde que ele caíra de quatro por ela, e com certeza ela não se emaranhava em nenhuma parte dele, por mais que ele quisesse isso.
"Sei..."
"Hoje eu tô tomando conta da pirralha enquanto meus pais dão uns pegas no cinema."
"Lol, como você fala assim dos seus pais?!"
"Tá, o que vc acha que eles foram fazer no cinema?"
"Assistir um filme, talvez?"
"Cara, às vezes eu esqueço que vc é inocente."
"Eu não sou inocente, vc que é depravado."
"Eu não sou depravado, sou realista". A mensagem veio acompanhada de um emoji piscando os olhos e outra mensagem logo em seguida. "Amanhã vai rolar uma festa na casa do Dylan, tá a fim de ir?"
Dylan era um sujeito do colégio que dava uma festa a cada oportunidade.
"Não, valeu."
"Eu imaginei, nerd, por isso que nem me dei ao trabalho de te falar. Mas é provável que a Jenny vá..."
Aquela informação me deixou balançado, mas a realidade logo se abateu sobre mim: eu e festas não fazíamos uma boa combinação.
"O que ela faz não é da minha conta"
"É claro que não..." No meio da mensagem, ele colocou um emoji revirando os olhos. "Mas o Dylan tá investindo nela. Não chore no meu ombro quando ele chegar primeiro."
Saber que Dylan estava dando em cima de Jennifer fez meu estômago se contorcer.
"Eu espero que vocês se divirtam."
"Qual é, Augusto, não vai ter maconha, não! Só algumas cervejas, nada de mais"
"O que você vai fazer no domingo?" Decidi ignorar seus argumentos e pude imaginá-lo revirando os olhos para a minha recusa ao que ele chamava de "curtir a vida".
"Nada, por quê? Vai me convidar pra sair? Vou logo avisando que eu sou difícil."
"Não, mas você podia vir pra cá. Desde que seu pai nos deu férias, eu não tenho oportunidade de te deixar para trás na piscina."
Mike e eu costumávamos dar aulas de natação de graça para crianças em uma das academias dos pais dele, mas nossas férias estavam durando mais, pois a piscina estava sendo reformada.
"Vai sonhando, nerd! Eu é que vou te deixar pra trás! Te vejo depois do almoço. Tenho que ir agora pq meu carma tá gritando que tá com fome."
"Vá lá."
Antes de dormir, fiquei me perguntando como Jennifer já tinha sido convidada para uma festa se só estava no colégio há duas semanas. Mas eu deveria ter esperado por isso, visto que o único que não babava por ela era eu – e o Mike, porque ele babava pela Rox. Ainda assim, fiquei com raiva por aquele idiota dar em cima da minha pupila.
***
Estávamos na melhor parte de Total War quando o interfone tocou, fazendo meu pai encerrar o jogo e deixar o meu quarto. Fiquei na janela observando a garota ruiva entrar e estacionar perto da porta. Somente quando ela recolheu os livros e saiu do carro eu desci, deixando Sammy presa lá porque não nos deixava estudar.
Parei no topo da escada e fiquei observando Jennifer conversar animadamente com a minha mãe, que é bem mais alta do que ela. Ela usava um vestido florido com uma saia curta e rodada. Deixei meus olhos percorrerem as pernas que ficavam escondidas no colégio. Por fim, decidi descer antes de ser pego em flagrante secando a menina.
— Eu trouxe um presente pra você — ela falou logo que me viu e tirou da bolsa um pacote de balas de gelatina e uma barra de chocolate branco com cranberries. Saber que ela lembrava dos meus vícios me fez sorrir.
— Obrigado, Jennifer.
— Você pode me chamar de Jenny, se quiser.
— Certo — respondi, sem conseguir evitar outro sorriso.
— Você deveria sorrir mais, Augusto. Fica ainda mais bonito assim. — Aquilo me fez corar. Uma maldição dos tímidos.
Ao encarar a minha mãe, notei que sua cabeça estava pendendo levemente para a direita, um sinal de que ela estava tendo dificuldade em acreditar que eu estava interagindo com alguém além de Mike. Com vergonha demais para dizer qualquer coisa a ela, apenas acenei com a cabeça e praticamente arrastei Jenny até o escritório.
A tarde passou tranquilamente enquanto eu lhe ensinava como calcular probabilidades genéticas. Conseguimos acabar cedo, e eu a convidei para um lanche no jardim antes de ir embora. Era a nossa última aula particular e, consequentemente, a última vez que ela iria à minha casa.
— Eu vou sentir falta do verão — resmungou, elevando o rosto para o céu, de olhos fechados.
Seu corpo pequeno e magro estava esticado em uma espreguiçadeira, e seu cabelo formava uma cascata ao redor do rosto, cada onda brilhava sob os raios do sol, realçando a cor naturalmente alaranjada. Os lábios também pareciam mais brilhantes e exibiam um sorriso discreto. O vestido havia subido um pouco, revelando mais um pedaço das pernas bem-torneadas, além de ter aderido mais ao busto, contornando as curvas e me fazendo imaginar a perfeição que ela escondia ali embaixo. Desejei capturar aquela pose e emoldurar para poder admirá-la todos os dias. Desviei o olhar e suspirei pesadamente antes de tentar me concentrar na conversa.
— Se você, que é inglesa, vai sentir falta, imagine eu, que vim da Califórnia.
— Por que vocês deixaram um paraíso ensolarado pelo clima da Inglaterra?
— Meus pais quiseram vir. Eu sou só o pau-mandado. — Não era exatamente verdade, mas era o que eu estava disposto a dizer. Percebendo que ela estava me fitando, a fitei de volta e indaguei: — O que foi?
— Você não gosta de falar de si mesmo, né?
— Eu não tenho o que falar. — Voltei a encarar o imenso gramado e ficamos em um agradável silêncio, que não durou muito.
— Me bateu uma curiosidade. — Achando que seria sobre a minha vida nos Estados Unidos, ocupei a boca com suco, na esperança de que ela entendesse que eu não queria falar sobre aquele assunto. — Qual seria a cor dos olhos de um filho nosso?
O suco desceu queimando a minha garganta, me fazendo engasgar. Aparentemente as pessoas gostavam de me fazer perguntas escabrosas quando eu estava bebendo algo.
— Você tem noção do quanto a sua pergunta é... íntima? — murmurei após superar a tosse, fazendo-a gargalhar como se eu fosse o louco, e não ela.
— Isso não foi uma proposta indecente. Eu ainda estou pensando em probabilidades genéticas e fiquei curiosa pra saber o que daria misturando olhos azuis e verdes, já que falamos em olhos azuis e escuros, mas não nos verdes.
— Eu não sei. Olhos verdes são uma mutação dos castanhos, então acho que não dá pra prever muito.
— E a cor do cabelo?
— Digo o mesmo. Cabelo ruivo também é uma mutação. Você é uma mutante, Jenny. — "Uma mutante linda, sem dúvida, mas ainda assim uma mutante". Não pude evitar sorrir com o pensamento idiota.
— Obrigada pelo elogio. — Ela me olhou com os olhos semicerrados por ter sido chamada de mutante. — E desculpe pelas perguntas. É que eu estou preocupada com a prova de biologia. Essa vai ser mais difícil do que a primeira.
— Não se preocupe. Você vai se sair bem porque foi preparada pelo melhor. — Apontei para mim mesmo, sabendo que receberia uma resposta afiada, mas ela decidiu ser boazinha e só me chamou de convencido.
Com um sorriso no rosto, fiquei de pé e estendi uma mão para ela após convidá-la para dar uma volta pelo jardim. A mão que pousou na minha era pequena e macia. Seus dedos finos exibiam unhas compridas pintadas de rosa claro. Movido pelas sensações, os acariciei com o polegar. Ela não se esquivou do toque, mas tinha uma expressão divertida no rosto quando ergui os olhos. Com um sorriso constrangido, soltei sua mão.
— Eu vou buscar a Sammy e o Toddy e já volto. — Aquela foi uma boa desculpa para conseguir uns minutos a sós e acalmar meus impulsos.
Ao passar novamente pelo conservatório, me lembrei do aparelho que vi no outro dia e fui até a estante descobrir o que era. Tirei tudo o que estava lá, mas não vi nada diferente. "Estranho, eu jurava que tinha alguma coisa ali."
***
Abri a porta do meu quarto, e Sammy saltou nos meus braços como se estivesse presa há anos.
— Calma, menina, olha o coração, você não quer ter um infarto.
Descemos juntos para procurar Toddy, e Sammy o encontrou em um sono profundo sobre uma cadeira da mesa de jantar. Eu o peguei no colo e acariciei sua barriga gorda, ganhando muitos resmungos enquanto ele se espreguiçava.
— Sammy, diga oi à Jenny. — Ela sentou e estendeu uma patinha, que Jenny pegou como um aperto de mão.
— Sammy, você é tão fofa! — exclamou fazendo carinho nas orelhas da minha pequena. — Eles parecem seus filhos, Augusto. Todos têm o cabelo preto do pai.
— Nunca tinha pensado nisso.
— Posso carregar o Toddy? Ele é tão macio, dá vontade de apertar.
— Claro.
Passei o preguiçoso para ela, que o carregou como se fosse um bebê, dando nele um abraço que me lembrou a Felícia — a menina do desenho que dá um abraço quase mortal no coelhinho. Senti pena do coitado e fiquei atento, pois teria de intervir se ele esbugalhasse os olhos.
— Eu tive um gatinho quando era criança, mas ele fugiu e eu chorei por semanas, então os meus pais nunca me deixaram ter outro.
— Isso é maldade. Eu acho que não saberia mais viver sem animais por perto.
Após cinco minutos, Toddy saltou do colo dela e Sammy o perseguiu até ambos sumirem de vista.
Caminhamos devagar e passamos pela piscina, pela academia, pelas macieiras carregadas de frutas e paramos para colher e comer amoras. De vez em quando, meus pets passavam correndo por nós, e Jenny gargalhou ao ver que agora era Toddy quem perseguia Sammy e ficou espantada ao ver o quanto um cachorro podia gostar de comer amoras.
Eu contei a ela que ganhei Sammy de presente no meu aniversário de quatorze anos. Ela tinha três anos, e os meus pais a recolheram de um abrigo para animais que eles ajudavam a manter. E que eu tinha achado Toddy no portão de casa há alguns meses, sujo e muito magro. Como ninguém apareceu depois que espalhamos cartazes, ficamos com ele.
Por último, eu mostrei a ela meu lugar preferido, um amplo pergolado de madeira rodeado por cortinas brancas, com o teto coberto por parreiras que protegiam do sol e da chuva fina, e orquídeas presas em treliças atrás de um sofá marrom de vime. No centro, uma mesinha e um largo colchonete rodeado por almofadas completavam o ambiente.
— Que lugar lindo, Augusto! — Ela olhava ao redor, maravilhada. — É tão agradável.
— Eu montei junto com o James, o jardineiro.
— Vocês têm bom gosto. Toda a sua casa é linda — elogiou após sentar no sofá, ainda admirando o ambiente.
— Obrigado. — Sentei ao seu lado, mantendo certa distância entre nós. — Eu passo muito tempo em casa, então quis ter um lugar agradável pra ficar.
— Por que você fica tanto em casa? — ela indagou, me fazendo perceber que tinha falado demais.
— Sei lá. Acho que sou caseiro mesmo. — Dei de ombros como se aquilo não tivesse importância.
— Não é possível. Você não gosta de fazer nada?! Ir ao cinema, patinar no gelo, jogar boliche, qualquer coisa?!
Seu espanto foi um lembrete do quanto as pessoas me achavam esquisito. Vindo de outras pessoas, aquilo não me incomodava mais, mas, por algum motivo, vindo dela me incomodou. A sensação piorou ao lembrar de Mike falando sobre a festa de Dylan. Naquela mesma noite, ela estaria em uma festa rodeada por gente normal.
— Não faço questão. — Com esforço, mantive neutralidade na voz, não deixando transparecer o quanto sua reação me machucou.
Ela ficou em silêncio, e eu estava prestes a dizer que ela poderia ir embora, se quisesse, mas ela começou a falar de si mesma, das coisas que aprontou na infância com as amigas e das regras que quebrou no antigo colégio. Rimos como hienas de piadas idiotas e por mais incrível que fosse, eu me diverti tanto com ela, que não percebi que já havia anoitecido.
Durante a conversa, acabamos nos aproximando, tanto emocional quanto fisicamente, e quando eu notei, ela estava a poucos centímetros de mim, e eu podia sentir o cheiro cítrico do seu perfume.
— Essa última semana me fez gostar bastante de você.
— Eu também gosto de você. Quero dizer, eu gostei das nossas aulas — emendei rapidamente.
— Posso te pedir uma coisa? — A expectativa fez meu coração martelar contra as costelas. Em pouco tempo, eu pensei mil coisas, inclusive se o pedido seria um beijo.
Ela se aproximou ainda mais, me fazendo querer avançar os últimos centímetros, já não aguentando mais ter de controlar a vontade de tocar meus lábios nos dela.
— Claro.
— Você é bom em química? Eu preciso de ajuda nisso também — explicou.
A água do balde estava mais para gelada do que fria. Eu me senti um completo idiota por pensar que ela queria outra coisa e fiquei envergonhado pela possibilidade de ela estar rindo de mim internamente. Abaixei a cabeça para esconder a mágoa e fiz o possível para disfarçar a decepção na voz antes de responder:
— Eu posso te ajudar em química também. Sem problemas.
Quando voltei a erguer o rosto, ela acabou com a distância de míseros centímetros entre nós, e me beijou.
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