Capítulo 12 - Não se esqueça de dividir sua inspiração com outras pessoas
Podia sentir o celular no bolso do meu casaco vibrando constantemente e tive a certeza de que Judith não pararia até eu atender. Mas não me importei. Aquilo podia esperar. Ela podia esperar.
Andava devagar, tentando encaixar meus passos no ritmo da música. Não era frenética, era calma e, se prestasse atenção à letra, até mesmo introspectiva. Era perfeita para aquele final de tarde, para o começo do inverno e aquela cidade.
Como eu amava aquela cidade! Do sinal de pedestre a todos os pedestres que o ignoravam. Dos táxis amarelos que pareciam nunca ver o sinal que eu fazia até o metrô que caía aos pedaços. E cada uma das pessoas que estavam ali comigo, tentando ganhar a vida, se apaixonando cada dia mais por todos os defeitos que os outros viam em Nova York.
Fazia muito tempo que eu não ia para aquela vizinhança, muito tempo que não parava no café da esquina e conseguia comprar meu Mocha Latte sem ter que falar nada, já que Annie sabia exatamente o que eu queria. Já fazia anos que eu não via Gus, o dono da banca de jornais que nunca me julgou por comprar revistas de adolescente com mais de vinte anos de idade. E até a Sra. Lewis, que cuidava da floricultura do marido dela e sempre me dava as rosas que estavam amassadas demais para eles venderem. Ela já tinha me salvado uma vez de uma briga com Esteban e eu tinha passado todo aquele tempo sem nem pensar direito nela. Ou em qualquer uma das pessoas que continuavam sua vida naqueles quarteirões, que costumavam estar no meu caminho praticamente todo dia por vários anos.
Era estranho pensar na rotina que eu tinha quando fazia faculdade ali perto, nas coisas que eram normais para mim, que até me passavam despercebidas. Coisas que faziam parte da minha história, mas das quais eu tinha praticamente me esquecido completamente. Estranho pensar que alguém que tinha me ajudado tanto, trocado tantas conversas comigo, podia e tinha virado alguém em quem eu nunca pensava. Uma pessoa inteira, com sentimentos, pensamentos, planos e problemas, que continuava sua vida depois de eu chegar e ir.
Era quase como se eles tivessem parado no tempo. Algumas coisas tinham mudado, letreiros atualizados, propagandas novas e uma garota na floricultura que arrumava as flores e que eu nunca tinha visto antes. Mas o resto era tão familiar, tão intensamente nostálgico, que eu não pude evitar de sentir como se tivessem esperado por mim. E eu queria abraçar todos de uma vez só.
Em vez disso, simplesmente continuei meus passos calmos no ritmo da música da Jennifer Lopez até chegar na livraria da outra esquina. Ela, sim, continuava a mesma. Os mesmos sofás velhos, só um pouco mais rasgados. Os mesmos livros empoeirados e arrumados na ordem que Marshall gostava, mesmo que não fizesse muito sentido para mais ninguém. E o mesmo lugar reservado para as minhas obras, com uma foto minha logo atrás, orgulhosamente exibindo o fato de eu ter conseguido pagar meus estudos com o salário que ganhava dali.
E o mesmo cheiro de lugar fechado e velho de sempre, percebi quando entrei.
Assim que abri a porta e o sino tocou, Marshall levantou de trás da bancada e se virou na minha direção.
"Audrey!" Ele disse, abrindo os braços o máximo que podia e batendo na tela do computador antigo que ele se recusava a trocar. "Bem-vinda!"
Eu corri para chegar até ele e lhe dar um abraço.
"Como está a sua mãe?"
"Bem," respondi. "Ela disse que te encontrou um dia desses," falei, me afastando dele.
Mas, antes que ele pudesse comentar alguma coisa, já ouvia os saltos de Judith vindo na nossa direção.
Coincidentemente, meu celular parou de vibrar.
"Aonde você estava?" Ela perguntou, levando as mãos à cintura.
"No caminho até aqui," eu disse, dando de ombros.
Atrás dela, podia ver que a minha mesa já estava preparada, uma cópia enorme da capa do meu terceiro livro atrás de onde eu assinaria todos os exemplares que pedissem. E a minha foto logo ao lado estava grande demais, meu nariz fazendo questão de tomar conta da visão de qualquer pessoa que se atrevesse a virar para aquele lado.
"Precisava colocar minha cara ali?" Perguntei, indo até lá. "Eu já vou estar aqui na frente, não está bom, não?"
"Não," Judith disse, pegando seu celular para ligar para outra pessoa. "Quem mandou querer que a gente fizesse a primeira sessão de autógrafos aqui, nessa livraria minúscula e obscura? Sou obrigada a fazer o possível para conseguir que alguém encontre o endereço e entre aqui para ver! Senão, o que- Oi," ela falou no celular. "Já foi entregue? Eu estava esperando..."
Me afastei dela, respirando fundo e ignorando a conversa que claramente não era para mim. Fui direto a Marshall, que fingia também não ter ouvido os comentários dela e continuava fazendo o seu serviço.
Que, pelo que eu vi quando cheguei perto, era catalogar os livros que ele tinha recebido.
"Como vão os negócios?" Perguntei, me apoiando na bancada e dando uma olhada nos exemplares que ele tinha ali.
"Não tão bem quanto nossos antigos funcionários," ele disse, piscando para mim e rindo depois.
Marshall era quase como um desenho animado, alto, magro, bastante enrugado e introvertido. Ele vivia dentro do seu próprio mundo, e era legal poder ver de fora.
Eu não pude evitar sorrir, mas balancei a cabeça.
"Por que mesmo você quis fazer isso aqui?" Ele perguntou, apontando rapidamente com a cabeça na direção da mesa aonde eu me sentaria. "Por que agora? Com o último livro?"
Sorri. "Porque só agora que eu percebi a diferença que você fez, Marshall," falei, fazendo ele levantar as sobrancelhas, parecendo bem mais confuso do que lisonjeado. "Devia ter feito minha primeira sessão aqui com o primeiro livro." Olhei em volta, para cada uma das estantes empoeiradas que se estendiam até ficar escuro demais para as pessoas conseguirem enxergar o título do livro que estavam pegando. "Mas preciso admitir que demorei para perceber o quanto esse lugar era importante para mim."
"Importante?"
"Você, Marshall," Voltei a olhar para ele. "Você aceitou vender meu livro antes que eu tivesse uma editora. Você deixou que eu tomasse conta da vitrine antes que meu nome significasse alguma coisa. Esse é meu jeito de agradecer."
Ele sabia que era verdade, ele realmente tinha me dado mais espaço do que até a Judith me dava. Mas só balançou a cabeça, incapaz de aceitar aquele agradecimento.
E eu teria repetido várias vezes até ele acreditar, se ela não tivesse colocado a mão no meu ombro naquela hora.
Me virei para ela. "Sete horas," ela disse. "Vai se sentar."
"Mas não tem ninguém aqui."
"Culpa da sua escolha de livraria."
"Sebo," Marshall a corrigiu.
Ela bufou alto, revirando os olhos como se aquela informação fosse a gota d'água, e me empurrou na direção da mesa. Depois se virou para sua assistente, que a seguia como sombra. "Vá buscar um café com leite, sem açúcar."
"Estou sem fome," falei, finalmente me sentando na minha cadeira.
"É para mim," ela disse, voltando ao seu celular e fazendo um gesto para a assistente parar de enrolar.
Logo atrás de mim, tinha uma poltrona que parecia bem mais confortável do que a antiga cadeira de colegial na qual eu estava sentada, e Judith foi direto para lá, sem tirar seus olhos da tela.
Mesmo com a livraria vazia, eu ainda sentia um frio na barriga. Tinha uma pilha com vários exemplares de Caçadora de Vampiros: A Batalha Final à minha esquerda e uma caneta linda à direita. Tirei um guardanapo que tinha do bolso e comecei a treinar minha assinatura. E o que eu escreveria.
Porque só 'Audrey Scott' não teria graça. Queria algo mais emocionante. Algo que fizesse os leitores ficarem pensando para o resto do dia. E se eu-
O sino tocou outra vez, anunciando que alguém tinha chegado. Meu coração acelerou no milésimo de segundo que demorou para eu levantar o rosto e ver quem entrava.
Era Kendra, segurando um saco do que só podia ser donuts e com um sorriso enorme no rosto, ambos contrastando com seu terninho de advogada.
"Você veio!" Falei, minha voz chegando a ponto de ficar estridente. Eu realmente jurava que só a veria no final de semana.
"Claro que eu vim!" Ela disse, vindo até mim e me dando um abraço desconfortável por eu não ter me levantado. "Acha mesmo que eu perderia o grande lançamento do livro que achava que nunca seria escrito?" Atrás de nós, Judith bufou alto. "Oi para você também, Judith. Que bom que você está de bom humor."
"Ela não acha que esse é um grande lançamento," expliquei, fazendo Kendra revirar os olhos.
"Ela não entende o parto que foi escrever esse livro," completou, piscando com um olho para mim e depois puxando uma cadeira para sentar perto da minha mesa. "Aliá-ás," disse, prolongando a vogal para que entendesse que seria um assunto importante. "Soube de quem está se divorciando?"
Tentei pensar em todas as pessoas que nós conhecíamos que eram casadas. "Alex?" Ela balançou a cabeça. "Jess?" Fez que não outra vez. "Quem?"
Ela sorriu, apertando os lábios como se fizesse algo errado. Até fez questão de arregalar os olhos antes de responder. "Esteban."
"Quê?!" Foi minha vez de praticamente gritar. "Como assim? Ele tá casado faz um mês!"
"Três," ela me corrigiu. "Mas é verdade, está se separando. Tony que me contou."
"Ele sabe que confidencialidade entre advogado e cliente conta em divórcios também, né?"
Kendra deu de ombros. "Pelo que ele me disse, a mulher dele o pegou com outra."
"Tá brincando!"
"Não," ela disse, balançando a cabeça e rindo. "Então, só para avisar, ele está de volta em Nova York," ela suspirou, seu sorriso de orelha à orelha intacto. "Ai, eu sou uma péssima pessoa e não devia estar rindo, já que Tony agora está se matando para conseguir fazer com que ele mantenha pelo menos metade da sua empresa. Mas é tão bom poder ver carma finalmente alcançando o Esteban, Audrey!"
"Eu que o diga!"
"E é só um rumor, mas parece que os sócios querem que a gente largue Esteban como cliente depois desse divórcio-" Ela parou quando o sino tocou, e eu segui seu olhar na direção da porta. "Opa, você tem fãs para atender. Depois a gente continua."
Judith estava errada. Aquela livraria podia ser obscura - opa, sebo. Mas foi um grande lançamento. Uma vez que começou a chegar gente, não parou mais. Cada sofá, cada centímetro ali dentro estava ocupado por alguém. Ficou tão cheio, que Judith teve que chamar alguns seguranças da editora só para ter certeza de que o tumulto não sairia do controle. E Marshall ficou louco, andando de um lado para o outro, sem saber como reagir.
Assinei tantos livros, que minha mão estava ficando até torta. Mas não me importava, continuaria para sempre. Cada um que eu pegava parecia tão simples, tão descomplicado e até leve.
Mas não eram leves. Eram bem pesados, tinham suas quatrocentas páginas. E eu os girava à minha frente, a capa dura batia na mesa quando abria para assinar, tão banal, tão comum. Era estranho pensar que eu já tinha tido tanto medo daquilo que estava bem ali, embaixo dos meus dedos. Tinha tido medo de nunca conseguir fazer virar realidade, de não conseguir encher as páginas que tinham esperado tão ansiosamente meu bloqueio se desfazer.
Depois de quase um ano, todo o peso daquela época me parecia inventado. Ou pelo menos exagerado. Ainda mais quando eu tinha conseguido fazer o terceiro volume ser praticamente o dobro do primeiro.
Os livros estavam nas minhas mãos, eu escrevia neles e os entregava para cada um dos leitores que faziam fila e enchiam a livraria de Marshall, e todo o drama do passado parecia nunca ter acontecido. Quando contava para as pessoas, fazia questão de explicar como eu tinha me sentido, como tinha sido complicado, como tinha jurado que nunca conseguiria escrever de novo. Mas agora tudo aquilo parecia ter acontecido com outra pessoa. Eu me lembrava de como tinha sido, mas, uma vez que o problema já tinha sido resolvido, qualquer reação que tinha tido por causa dele me parecia descabida. Desnecessária.
Entreguei o livro que assinava para a menina na minha frente e ela deu lugar ao próximo. O rapaz me disse que se chamada Linus e eu peguei o seu exemplar para assinar.
Por mais simples e comum que o meu bloqueio me parecia ali, ainda tinha uma razão para agradecer que tinha acontecido. E era impossível não lembrar daquilo quando escrevia a frase que tinha escolhido na primeira página do livro.
"Acredite na beleza das pequenas coisas," e assinei logo embaixo, fechando o livro e entregando para Linus, que me explicava o quanto Marianne significava para ele, como minha história tinha mudado sua vida.
E eu teria prestado atenção, teria até me levantado e lhe dado um abraço. Mas estava pensando em outra coisa.
Estava pensando em outra pessoa.
E me perguntando, como tinha ganhado a mania de fazer durante meus dias, o que Johann pensaria se me visse agora.
Só a menção de seu nome na minha cabeça já me deu um aperto no coração. Mas eu sorri para o próximo fã e peguei o livro da sua mão.
Tinha muita coisa do que tinha acontecido que eu gostaria de esquecer. O jeito que fugi, sem falar nada, como uma completa covarde. E os meses que se seguiram, cada reunião que eu mal estava presente, pois só conseguia pensar nele. Cada vez que preferi ficar em casa, me empanturrando de chocolate ao invés de sair com Kendra. E cada carta que escrevi para Johann, enderecei à rua do castelo de água e não enviei.
Mas tinha muito mais que gostaria de lembrar. E mesmo que já fizesse mais de trezentos e sessenta e cinco dias, ainda sentia uma necessidade quase grave de tentar, de todos os jeitos possíveis, fazer o que tinha acontecido em Amboise continuar vivo dentro de mim. Não pelo que eu sentia por Johann, isso preferia fingir que já tinha desaparecido, ou pelo menos estava amortecido o suficiente para eu conseguir continuar minha vida.
Mas tudo que ele tinha mudado em mim. Toda vez que saía de casa, ou até mesmo quando tinha que ficar para as tarefas básicas, tentava sempre enxergar o que cruzasse meu caminho como único. A mesma cama desarrumada, mas em um dia diferente. Tinha a leve impressão, ou talvez fosse medo, de que minhas lembranças dele fossem desaparecer facilmente se eu não me esforçasse para manter o que ele tinha me ensinado vivo. E tentar ver as coisas pelos olhos dele, me perguntar o que ele diria, como agiria, como me veria, isso já tinha se tornado meu passatempo preferido. Mesmo que Kendra falasse que eu estava no limite do saudável, simplesmente não conseguia ver o problema com aquilo.
Ali, por exemplo. Eu estava sentada na mesa perto da vitrine, entregando o próximo livro para o fã na minha frente. E imaginei Johann do lado de fora da livraria, olhando para dentro. E ele sorrindo, feliz por eu ter conseguido aquilo que antes me incomodava tanto. Depois de milhares de reuniões e capítulos reescritos, ele ficaria com orgulhoso de mim. E até pensaria em continuar andando, já que tínhamos, de certo modo, decidido que só cruzaríamos o caminho um do outro por duas semanas em duas vidas inteiras.
Mas o sonho era meu. E, no meu sonho, ele dava a volta na livraria e entrava pela porta.
Como por mágica, o sino tocou. Mas estava tão cheio ali, que eu nem pude ver quem era. E só continuei assinando os livros, me deixando imaginar o resto.
Fingi que o sino era por causa de Johann. E ele dava a volta na fila, sem tirar os olhos de mim mesmo quando não conseguia me ver. E ele se distrairia com algum outro livro, alguma coisa nas estantes, adiando o momento em que viria falar comigo, porque não queria todas aquelas pessoas entre nós.
Sem querer, sorri e quase errei o nome da menina que estava na minha frente. A culpa não era exatamente minha, tinha H's e Y's demais em um nome que era já diferente sozinho.
Acabei acertando, fechando o livro e a entregando com um sorriso, que ela retribuiu. No pouco tempo que demorou para a menina atrás dar um passo à frente e me entregar o dela, olhei na direção da estante onde tinha imaginado Johann.
Meu coração parou de bater pelo milésimo de segundo entre eu avistar o cabelo castanho de algum cara e ter que desviar o olhar para a fã na minha frente.
Eu era tão idiota! Já fazia tanto tempo que aquilo não acontecia, mas tampouco era inédito. Eu não conseguia ver o cara inteiro, no máximo alguns fios de cabelo que eram mais altos do que os livros na estante e os joelhos, que vestiam calça jeans. Mas muitos caras usavam jeans. E muitos caras tinham cabelo castanho. Era extremamente tonto da minha parte me animar só por isso, só pela minha própria imaginação e uma coincidência tosca daquelas.
Outra olhada rápida na sua direção e eu vi sua mão. Ele pegou um livro e tirou da estante, me fazendo inclinar para a direita para tentar ver seu rosto no espaço que tinha liberado. Já nem sentia minhas pernas embaixo da mesa, mas, a cada movimento que ele fazia e eu quase conseguia vê-lo direito, mais certeza eu tinha de que era ele. Era Johann. Ele estava ali, na livraria do Marshall! Ele tinha ido me ver.
Estava quase me levantando quando alguém apareceu do seu lado, falando algo com ele, fazendo ele olhar para o lado e exibir uma tatuagem que tinha no pescoço.
Seria possível? Será que Johann tinha feito uma tatuagem?
A menina na minha frente pigarreou.
"Desculpa," falei, respirando fundo e me concentrando na página aonde assinava. Mesmo assim, quando percebi pelo canto do olho que o cara estava saindo de trás da estante, olhei de novo na sua direção, já sentindo meu coração na base da garganta.
Era ele. Era o momento em que eu o veria. E nossos olhares se cruzariam e eu saberia que ele tinha ido até ali por mim. E nós começaría-
O cara saiu de trás da estante. E eu vi seu rosto.
Soltei a respiração que nem sabia que segurava junto com meus ombros.
Não era Johann.
Claro que não era. Ele não faria uma tatuagem. E nem abandonaria sua vida para atravessar o oceano. E eu precisava parar de me animar.
Depois de tanto tempo, finalmente tinha chegado ao que eu considerava ser completa aceitação. Sabia que não era para ser. Sabia que o que tinha acontecido já tinha tido um final. E, minha parte preferida, tinha começado. E era nisso que eu me concentrava, era nisso que pensava.
Mas era inevitável me animar daquele jeito, quando podia jurar que o tinha avistado num mar de gente na Times Square. Ou sentado do outro lado da quadra na Madison Square Garden.
Nunca era ele. E, a cada vez que eu percebia que só estava imaginando coisa, não sabia se ficava mais desanimada ou esperançosa.
Kendra se aproximou da mesa discretamente quando eu entreguei o livro para a menina, praticamente bloqueando o caminho do próximo fã.
"Audrey, está tudo bem?" Quis saber, franzindo sua testa e se inclinando para me enxergar melhor.
Eu mesma recuei a cabeça. "Por que não estaria?" Perguntei, tentando disfarçar que a minha respiração estava mais acelerada do que o normal.
Ela deu de ombros. "Não quer fazer um intervalo, não? Eu vou buscar outro café para você. Dá uma relaxa na mão, conversa com eles. Você parece estar precisando."
Na hora em que falou isso, minha mão esquerda foi direto à direita, apertando o espaço entre meu dedão e o indicador, que já estava até rígido de dor.
"É, um intervalo seria uma boa ideia," falei, fazendo ela sorrir, triunfante.
Ela mesma se virou para todos ainda da fila e anunciou que passaríamos uns dez minutos só descansando. Eles pareceram um pouco desanimados, mas ela completou que eu ficaria por ali e que poderiam conversar comigo.
Aquilo não seria dos melhores descansos. A livraria estava tão tumultuada, que a minha primeira ideia foi sair dali e ficar sozinha. Para isso, tive que desviar de todos os comentários e toques que recebi no caminho, mas fui até o pequeno banheiro no fundo.
A luz continuava ruim, poderia apostar que Marshall nunca tinha se dado o trabalho nem de chamar um eletricista. E o espelho!, pensei, levando meu dedo até ele e tracejando o quebrado de quando eu tinha batido o secador, tentando me arrumar o suficiente para parecer estar com menos ressaca.
Mas não parei para lembrar de quando tinha trabalhado ali. Me apoiei na pia instável e tentei respirar. Já estava mais calma, mas ainda podia sentir vestígios daquela sensação de finalmente ter visto Johann de novo por todo meu corpo.
Era como um fantasma que me assombrava. Ou então era eu que o assombrava, que ia atrás dele, que o perseguia. Eu que procurava pelo rosto dele em cada lugar que entrava, mesmo sabendo que não existia a menor possibilidade de encontrá-lo. Eu que comparava todos os caras que conhecia com ele e descobria que nenhum nunca chegaria perto dele. Eu que ainda enumerava seus defeitos e explicava para mim mesma o quanto gostava deles, quanto eles nunca seriam realmente defeitos. Eu que me assombrava.
Lavei o rosto como dava, sem estragar minha maquiagem. Até corrigi algumas coisas antes de sair de lá.
Assim que fechei a porta atrás de mim, percebi que ninguém tinha me notado. Resolvi que não tinha pressa de voltar até a mesa, pelo menos, não enquanto Kendra ainda não tivesse voltado. Ainda mais que, dali eu podia observar tudo como se acontecesse com outra pessoa.
Como se estivesse de fora. Analisar como os meus leitores se comportavam, tentar ouvir o que falavam de mim para os outros, o que comentavam sobre meus personagens.
Mas meus olhos buscaram o cara que eu tinha achado que era Johann. Mesmo que ele não fosse, ainda sentia uma ligação estranha entre nós. Assim que o notei na multidão, comecei a andar na sua direção, sem pensar no que estava fazendo. Ele estava ali. Ele devia ter lido algum livro meu. E, mesmo se não tivesse nada a ver com a sessão de autógrafos, eu provavelmente conseguiria arrumar algum assunto, já que conhecia aquelas estantes com a palma da minha mão.
Assim que entrei no corredor onde ele - e vários outros - estavam, meu coração começou a bater rápido outra vez. A um metro de mim, era até ridículo o quanto ele era diferente de Johann. Me fazia sentir extremamente ingênua por ter acreditado, pelo milésimo de segundo que tinha sido, que existia a chance de ele ser quem eu queria que fosse. Ele tinha várias tatuagens espalhadas pelo corpo, o que era notável apesar de ele usar casaco. Ele parecia mais novo também, diferente. Ele simplesmente não era Johann
Parei antes de começar a falar alguma coisa. Precisava ainda respirar fundo. E me lembrar que, afinal, ele era um estranho. E qualquer coisa que podia pensar de Johann não tinha nada a ver com ele. E que nem devia tentar compará-lo. Seria inútil.
Respirei fundo outra vez, o que ia completamente contra minhas intenções e só fazia meu coração bater ainda mais rápido. Mas não fui até ele.
Pelo contrário, fiquei aonde estava. Podia jurar ter sentido o perfume de Johann e aquilo me deu um aperto no coração. Estava cansada de sonhar com ele, cansada de pensar a cada vez que finalmente era verdade. E já ia reclamar de como o destino era cruel, fazendo alguém me lembrar tanto dele, quando ouvi uma voz atrás de mim, alta e clara.
"De todas as livrarias de todas as cidades do mundo..."
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