Capítulo 4
- Obrigado. Gostaria de entender porque isso tinha que acontecer com uma pessoa como o meu pai. - A voz dele falhou e Mirela percebeu o quanto a morte o afetou. - Seu Edu era um cara do bem, um ótimo pai, um exemplo! É difícil aceitar que nunca mais vai me dar conselhos. - Ele passou as mãos pelo rosto, tentando aliviar a tensão. - Caramba! Quando falo nele não consigo evitar esta dor insuportável no meu peito.
- Imagino o que deve estar sentindo, embora nunca tenha perdido nenhum parente tão próximo. - Ela tocou o braço de Renan delicadamente - Nem sei o que te dizer, talvez nem existam palavras certas para um momento como este.
- Você é a primeira pessoa a falar sobre isso com sinceridade. - Ele notou o espanto no olhar dela. - Sério, nem dou ouvidos quando alguém vem comentar sobre isso comigo. É tanta hipocrisia que fico com vontade de descer a porrada nessa cambada de gente idiota. Só porque viram o meu pai uma vez na vida pensam que podem falar qualquer baboseira para mim e minhas irmãs. - O tom descontraído voltou novamente à conversa - Apesar da sua hostilidade e da cara de patricinha, até que você é bacana!
- Você também. Para um baderneiro de sessão de cinema até que não é nada mal!
Ele sorriu da resposta, mudou de posição no banco e acabou se encostando nela, que se afastou rapidamente do contato.
Renan a reconheceu no momento em que tropeçou nela no cinema. Mirela era a morena de vestido azul que o secou descaradamente na agência bancária uma semana após a morte de seu pai. Tinha ficado incomodado com a ousadia da mulher.
Tentou intimidá-la encarando-a, mas não deu certo. Ao contrário do que imaginou, ela ficou mais ousada. Ele sabia perfeitamente o efeito que causava nas mulheres, mas apreciava a descrição. Ao contrário dela, foi discreto e analisou-a minunciosamente, chegando à conclusão de que a mulher era só mais uma patricinha mimada querendo se dar bem, se aproveitando do momento de dor pelo qual estava passando. Todas as garotas da cidade estavam fazendo fila para ser seu "ombro amigo".
Detestava essa merda de lugar por isso, as pessoas pareciam ser mais hipócritas que o normal. Isso o revoltava!
Odiava o fato de as pessoas exporem suas vidas nas redes sociais a torto e a direito. Só mantinha um perfil no Instagram para agradar sua irmã caçula, que o tachava de antissocial. O que, de certa forma, tinha um fundo de verdade.
Encontrar Mirela no cinema não foi uma surpresa. Digamos que foi premeditado, mas, ainda assim, extremamente divertido.
A imagem de patricinha fresca havia começado a se arruinar no segundo momento em que a viu; e se destruiu totalmente quando ela o mandou calar a boca. Apesar das turbulências dos últimos dias, sorrir ao lado dela era fácil. Aparentemente, parecia não fazer ideia de que ele era filho de um dos empresários mais ricos da cidade, muito menos campeão nacional de motocross ou simplesmente havia ignorado os fatos, o deixando à vontade, conversando sobre assuntos triviais.
- Opa, uma engenheira mecânica que dirige um jipe no trânsito maluco desta cidade? - Renan havia ficado pasmo com a profissão dela e muito mais com o que ela fazia na prática.
- É claro! E tem coisa melhor? Posso até passar por cima desse bando de motoristas que compararam a carteira. - Eles caminhavam pelo shopping, sem pressa.
- Nossa, quanta fúria você tem. Devo me lembrar de ficar longe dos jipes da próxima vez que estiver dirigindo?
- Não sou tão violenta normalmente. Só que, às vezes, me sobe uma raiva... Falamos muito de mim, mas e você?
- Bom, o que posso dizer é que agora sou um administrador frustrado, só que, até poucos dias atrás, era um piloto de Motocross que curtia manobras radicais, velocidade, lama e toda aquela extensa lista que acompanha os gostos de um piloto. E não me olhe com essa cara de "você só pode ser louco". Na minha família, isso é tão normal quanto andar de bicicleta.
- Não deveria esperar menos de um cara que me fez ser expulsa da sessão de cinema, ou deveria? Vai morar aqui?
- O sonho da minha mãe é me ver de terno engomadinho e sentado atrás de uma escrivaninha cuidando dos negócios da família, mas definitivamente não nasci para isso! A relação com a minha mãe não é das melhores. Pela vontade da dona Renata, eu assumiria tudo, mas será minha irmã Duda a ter todas as responsabilidades chatas.
Renata Barbieri era o tipo de mãe que impunha suas vontades e, quando contrariada, sempre havia algum tipo de retaliação. Os filhos mais novos não costumavam seguir o padrão imposto por ela, então acabavam a confrontando. Renan era o principal prejudicado, pois sempre saía em defesa de sua irmã mais nova.
- Tenho necessidade de respirar ar puro. Preciso sentir a adrenalina correr loucamente em minhas veias, sou uma alma livre... Estou organizando as coisas por aqui, esperando minha mãe se recompor. Esta cidade não gosta de mim, definitivamente!
- Hum... Além de lindo, tem espirito aventureiro. Meu Deus! É demais para mim - Mirela tapou a boca imediatamente. Ele riu com a espontaneidade e ela ficou sem graça.
- Uau, você fala isso para todos os caras que acabou de conhecer ou fui premiado?
Naquele momento, o que Renan precisava era um pouco de paz. Talvez sua capacidade de julgamento estivesse comprometida devido aos últimos acontecimentos de sua vida, mas aquela mulher parecia algo bom em meio ao caos que se tornara os seus dias.
Nunca foi o cara que saía com a primeira que aparecesse, só que algo nela o fez acreditar que, pelo menos uma vez, valeria a pena arriscar.
- Me desculpe - ela disse, visivelmente arrependida e lhe interrompendo os pensamentos.
- Você sairia com um completo desconhecido? - perguntou num rompante. Provavelmente se arrependeria daquelas palavras algum dia, mas que se dane! Por uma noite, seria o cara que sai com uma garota maravilhosa que acabou de conhecer, sem pensar nas consequências futuras.
Mirela lançou-lhe um olhar confuso. Ele sabia que não eram completos estranhos, levando em conta que ela havia curtido todas as suas fotos no Instagram.
- O que você tem em mente, Renan?
- Me surpreenda... - O medo na própria voz apenas confirmou que sair da redoma teria seu preço. A pergunta era: estaria disposto a pagar?
Seus olhares se cruzaram por um segundo, ponderando as opções. O que tinham a perder? No máximo, um coração. No mínimo, jamais voltariam a se encontrar. Pelo menos teriam uma boa história para contar.
- O que acha de um passeio em minha Harley?
- Tá brincando? - Não conseguiu esconder a surpresa. Ela, definitivamente, não era nada convencional. - É sério isso? Devo deixar meu testamento assinado para ir com você?
- Ok. Considerando que é piloto profissional, acho que deveria ter assinado há muito tempo.
Bingo! Renan ergueu as mãos e abriu um sorriso largo, admitindo a derrota.
Sentindo-se desconfortável por um momento, de repente se viu tomado pela incerteza e medo.
Desde a morte de sua noiva, não tinha encontros. Às vezes, saía com algumas mulheres, mas nada comparado à Mirela. Tudo fluía tão bem que pareceu natural que tomasse esse rumo.
Eles haviam sentado em um banco qualquer do shopping, nenhuma música tocava, mas por uma fração de tempo, ouviram a canção silenciosa e ritmada de seus frenéticos corações.
Renan levantou-se, estendendo-lhe a mão. Dedos se entrelaçaram e ela levantou-se. O calor daquele pequeno gesto tomou conta do seu corpo. Ele a prendeu em um olhar, com o coração descompassado. Então, todos os clichês que haviam zombado no filme faziam todo o sentido.
Ainda perdido na intensidade com que Mirela o fitava, ele tocou o rosto dela, que instintivamente fechou os olhos. Talvez estivesse ficando louco, mas era bem provável que havia se apaixonado por esta garota. Seria possível?
- Quero correr o risco com você - Renan sussurrou ao pé do ouvido dela.
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