Capítulo 1


Mirela chegou à agência bancária correndo por causa da chuva torrencial que caía do lado de fora. Tirou as suas chaves e o celular de dentro da bolsa e os colocou dentro do caixa acrílica, entrando na porta giratória.

"Foi detectada a presença de metais em seu poder, por favor, coloque-os na caixa e entre novamente."

Aquela voz idiota parecia debochar da sua cara. Ela olhou em pânico para o segurança, que a reconheceu e liberou sua entrada.

— Poxa, Flávio, esta porta tá de sacanagem comigo. Toda vez a mesma coisa.

— Não sei não, viu, dona Mirela... Acho que esta porta tem uma quedinha por você – o segurança conclui, sorrindo.

— Era só o que me faltava. — A mulher sorriu e caminhou em direção ao balcão de senhas.

Encarou o painel por longos minutos, as atendentes chamaram todas as senhas possíveis, menos a sua. Mirela tirou os óculos de sol, arrumou seu vestido rendado azul, procurou o celular na bolsa e leu as mensagens no aplicativo. O painel acendeu novamente, ela olhou, cheia de esperanças, e rapidamente o sorriso em seu rosto se desfez.

— Puta merda! Faltam vinte pessoas para chegar a minha vez. Hoje não é o meu dia — ela disse para a pessoa ao lado dela. Em fila de banco, todo mundo é amigo. Aquilo era, para dizer o mínimo, esquisito.

Pagar as contas não era seu hobby favorito, mas seu sócio sempre conseguia o que queria fazendo cara de cachorro que caiu do caminhão de mudança. Jonas era um cara legal, um pé no saco às vezes. Tinham uma loja especializada em venda de peças e manutenção de máquinas agrícola. Podia defini-lo em duas palavras: sonhador e desequilibrado. Riu de seus pensamentos.

Notou uma cadeira vaga próxima ao balcão de empréstimos, apressou-se e sentou, antes que algum espertinho tivesse a mesma ideia. Guardou seus óculos, pegou o fone e colocou-o apenas em um ouvido, tirou o livro da bolsa, cheirou, alisou a capa e leu o título. Um conto do destino. Sentiu os olhares curiosos devido à quantidade de páginas do exemplar. Começou a ler e se desconectou do mundo exterior por um tempo, até escutar o burburinho das pessoas ao seu redor.

— Nossa, o pai dele era um grande homem! — uma senhora ao seu lado falou com admiração.

— Que pena. Morreu tão jovem — alguém na cadeira de trás lamentou.

— Foi imprudência. Ele estava correndo demais — uma mulher acusou.

— Não! Seu Edu não era imprudente, ele contribuiu muito para o desenvolvimento do esporte nessa cidade — o homem que estava encostado na parede e usava roupas esportivas defendeu.

Mirela não precisou se virar para entender sobre o que falavam. Sabia exatamente do que se tratava. Um empresário bem-sucedido havia morrido há cinco dias, a cidade havia ficado em luto. O motivo de toda a comoção estava de pé, conversando com o gerente da agência. Ela piscou algumas vezes e se arrumou na cadeira.

De onde tinha saído aquele homem? Ficou boquiaberta com o cara a sua frente. Óculos escuros, cabelos castanhos desalinhados, barba por fazer, calça jeans preta marcando o contorno das pernas e a camisa polo parecia se fundir ao abdômen. Ela suspirou... Um homem desses devia ser mantido em cativeiro, de preferência em sua cama!

Ele conversava com o gerente. Ela aproveitou o momento e pôs-se a analisá-lo descaradamente. Afinal, não é todo dia que se vê um cara assim dando sopa por aí! Uma funcionária do banco aproximou-se e o tocou de leve no braço, começando um teatro muito fajuto.

— Sei que em uma hora dessas nada que eu disser vai confortar você e sua família. Só nos resta pedir forças aos céus.

A indiferença à demonstração pública da moça não lhe passou despercebida. Ele nem se deu ao trabalho de agradecer e continuou a conversa com o gerente. Mirela teve pena da garota, afinal, que culpa tinha de estar hipnotizada pela beleza do homem?

O celular dele tocou, ele atendeu, colocou a mão no bolso e começou a andar em círculo. Enquanto ele estava distraído, ela o devorou com os olhos. O cara era muito gato!

O painel de senhas acendeu, faltava apenas uma pessoa para chegar sua vez. Logo agora que estava curtindo a espera... Ela se levantou, pegou sua bolsa e se virou para fitá-lo uma última vez. Ele tinha tirado os óculos escuros e seus olhos cor de mel encontraram os dela, prendendo-a por um momento. Quem era ele? Conhecia seu Edu, tinha visto sua esposa um par de vezes, até com as filhas dele já tinha esbarrado por aí. Se bobeasse, nem o cachorro da família escapava, mas nunca soube da existência do homem arrebatador que a encarava.

Passou o resto da tarde lembrando-se da cena no banco. Pareceu surreal. Talvez ele fosse um personagem que tinha saído de algum dos livros em sua bolsa para realizar suas fantasias. Doce ilusão, jamais o veria novamente. Com certeza morava fora e tinha uma loira peituda esperando por ele.

— Está tudo bem? — A voz de Jonas ecoa no pequeno escritório que dividiam, a trazendo à realidade.

— Claro, só estou pensando na minha vida sem graça — Ela riu. — Não me acontece nada de novo há meses.

— Quer dizer que não sou mais suficiente para sua vida? — Jonas levanta de sua cadeira e senta sobre a mesa dela, com um olhar desconfiado.

— Sei lá, talvez o nosso romance épico esteja saturado, não acha? Querido, as relações se desgastam com o tempo, sabia? — Ambos sorriram, todas as pessoas do planeta os acusavam de ter um namoro secreto há anos, seus funcionários, seus amigos e até mesmo os pais deles.

Jonas teve uma queda por Mirela na adolescência, mas não deu muito certo. No fim, preferiram manter a amizade e deixar de lado o romance. Tinham tanto em comum que acabaram escolhendo a mesma profissão: engenharia mecânica. Um ano depois da formatura, ele teve uma ideia inovadora e ela, como a boa amiga que era, embarcou, mesmo sem acreditar a princípio, e fundaram juntos a AGROMAQ.

Deu tão certo que após três anos lá estavam eles, com uma empresa sólida, que ganhava espaço significativo no mercado, e uma estrutura invejável. Como sua mãe dizia, eles eram "a tampa e o balaio". Só que, ao contrário do que as pessoas pensavam, romance nunca esteve nos planos de nenhum dos dois.

— Nossa, isso é muito duro de ouvir, Mi... Está me dando um fora, justo agora que eu tinha tomado a decisão de oficializar a nossa união? — Ele pôs a mão sobre o coração e o tom dramático a fez rir. — O que você está aprontando, garota?

— O que o faz pensar isso? — pergunta, tentando camuflar seus recentes pensamentos, mas era impossível esconder as coisas do seu amigo.

— Te conheço, garota! — ele afirmou, convicto. — Meu palpite é que existe um cara, povoando seus pensamentos. Me corrija se estiver errado.

— Credo, Jonas! Tem que parar com essas coisas, viu?! Existe um cara sim, mas é só mais uma das minhas fantasias literárias. Tenho certeza!

— Bem, se você está dizendo... — O amigo retornou à própria mesa. Não, ele não desistia assim tão fácil! — Tomara que não seja mais um daqueles fantasmas que você insiste em esconder de todos. Sua vida amorosa é uma incógnita. É por isso que as pessoas insistem na nossa relação, sou a melhor aposta delas. Se não arrumar um namorado, juro que vou encontrar eu mesmo um cara para você. Até os meus casinhos de uma noite pensam que estou traindo minha namorada. Pelo amor de Deus, quem aguenta uma coisa dessas?

— Você gosta desse papel, de namorado pulador de cerca. — Mirela estreitou os olhos e Jonas riu alto de suas afirmações. — Admita, não vai doer nadinha!

— Esta conversa tá ficando estranha, acho melhor falarmos de negócios. Tenho uma notícia que agitará esta sua vidinha sem graça. Recebemos uma proposta de trabalho para o Canadá, mas teríamos um novo desafio. — A mulher arqueou a sobrancelha, esperando que ele continuasse. — Na semana passada, estávamos comentando sobre entrar no ramo da mineração, manutenção de máquinas, vendas de peças essas coisas. Entrei em contato com alguns amigos e hoje obtive uma resposta positiva, o que você acha?

— É extremamente interessante e tenho certeza de que você não esqueceu que somos especializados em máquinas agrícolas. Me diga o que está aprontando, meu rapaz?

— Acho melhor arrumar as malas... Consegui uma introdução rápida às máquinas CATERPILLAR em Tucson, Arizona. Você parte em um mês para os Estados Unidos, Dalila já está cotando as passagens. O princípio é o mesmo; o que muda é a proporção e, por enquanto, até especializarmos nossa mão de obra, trabalharemos apenas com consultoria. Mirela, está disposta a dar o seu sangue pela nossa empresa?

— Você só pode estar brincando comigo, não é, Jonas? — Ela estava em êxtase, amava seu trabalho e as novas possibilidades que ele trazia sempre. — Fez tudo isso por baixo dos panos! E se eu não concordar com suas ideias, o que acontece?

— Chegamos ao ponto, querida. Você sempre concorda comigo. Ainda não consegui casar contigo, mas isso é só uma questão de tempo, pensando pelo lado de que temos um romance secreto há muitos anos. Você é uma mulher difícil, ou pelo menos finge muito bem.

—Seu besta... com essa cara de cachorro pidão, acabo fazendo quase tudo que você quer. Caramba! — A mulher estava eufórica novamente. — Pensei que a conversa da semana passada era só uma brincadeira, mas até que gosto da ideia de subir naquelas máquinas enormes e mandar em uma porção de homens machistas me olhando atravessado. Isso que é aventura de verdade. Já disse que te amo? Oh. Deus por que é que não me casei com este homem ainda?

— Sim, essa deve ser a centésima vez que se declara hoje... — Ele pisca e sorri travesso. — Você não faz o meu tipo, garota!

Seria muito bom ter novas possibilidades. Aomenos agora ela teria outra coisa para pensar e esquecer o deus grego.    

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