Plano de Retomada
O tecido das bandeiras dançavam solitárias, fincadas no chão coberto de restos sinalizavam a perda da batalha.
250 mil pessoas, cerca de 20% da população e pouco mais de 100 sobreviveram.
Vidas que foram sacrificadas para a continuidade das outras, uma escolha forçada sobre sua existência. Tantos futuros perdidos num piscar de olhos, tantas histórias finalizadas sem ter um capítulo final.
Me sentia suja por participar de algo como aquilo, de ver e não poder fazer nada. Sentia vergonha de não ter conseguido mudar o terrível destino daquelas pessoas que no fim morreram sentindo o mais terrível dos sentimentos, o de ser incapaz. Sentada sozinha sobre o céu escuro mantinha a cabeça entre os joelhos, me lembrando do dia em que recebemos o relatório para o plano de retomada.
— Erwin isso é ridículo!
Minha voz ecoou alto junto da batida que dei na mesa, todos os oficiais estavam reunidos ouvindo as instruções dadas a tropa de Reconhecimento. Sim a queda da Muralha Maria trouxe inúmeros problemas, mas mandar inocentes para lutar com titãs como método de contenção era mais que cruel. Era desumano.
— Geralmente não concordo com [Nome], mas isso é demais até para a polícia militar. — Arlo foi aquele que me ajudou.
— Essas ordens não vieram deles, mas sim do rei — o novo comandante da tropa cruzou as mãos embaixo do queixo —, não temos outra opção se não as seguir.
— Plano de retomada... É só um abate em grande escala, é mais digno os colocar contra a parede e dar um tiro em cada — o tom em minha voz era ácido, até venenoso e transmitia em palavras o descontentamento com a solução proposta —, mas não. Como se mandar civis despreparados para enfrentar titãs os tornassem menos assassinos.
— As muralhas que ficaram firmes por mais de cem anos agora caem, a incerteza traz com ela o medo — Hange tomou a atenção para si —, e a medida provisória a escassez. Se todas essas pessoas continuarem em Rose, muitos vão morrer de miséria, não é tão cruel quanto?
— Sim é horrível — concordei —, e de repente se torna uma preocupação social. Enquanto isso tem pessoas no submundo sofrendo a anos.
Não poderiam me culpar, todos eles pensavam o mesmo, porém apenas eu tinha coragem o suficiente para dar voz aqueles absurdos. O que borbulhava em meu interior estava além do ódio, era desgosto por ter ratos governando nossas cidades, se os ricos de Sina e os grandes comerciantes aceitassem abrir mão de um pouco do que tinham, teríamos o suficiente para manter todos vivos, mas não. Eles precisam ter os miseráveis se rastejando aos seus pés.
Os refugiados já estavam trabalhando para cultivar áreas inférteis, se tivessem mais se fosse feito diferente...
— É mais fácil mandar um monte de gente para morrer do que cuidar deles, porcos são porcos não importa aonde precisa aceitar e conviver com a sujeira deles. Isto é, se quiser manter a sua cabeça grudada no pescoço.
Levi estava em minha frente e limpava a adaga de estimação com um pano branco, ele se levantou e girou a lâmina a cravando na madeira da mesa em minha frente.
— Se acha que matar aqueles que deram as ordens fará alguma diferença, vá em frente.
— Oe, não a incentive!
Arlo se levantou e colocou as duas mãos na mesa, passando o olhar entre os outros tenentes e mirando Erwin como se esperasse algum posicionamento. Nada aconteceu
— Você é um soldado em meio de muitos, importante, mas não insubstituível. Forte, mas sem voz, degolar aqueles no poder não servirá de nada só serão substituídos por outros iguais.
— Levi tem razão — o comandante disse —, sei que todos aqui compartilham de sentimentos parecidos. O dever da tropa de reconhecimento é trazer esperança, não supervisionar um massacre, entretanto, a força necessária para o evitar não está presente.
— Faremos o que for necessário, ainda que contra nossos princípios. A reunião de hoje está finalizada.
Assim que aquelas palavras deixaram sua boca eu arrastei a cadeira e saí da sala, seria mais seguro para aqueles presentes que eu apenas me afastasse. Isso até a aura assassina que me cercava deixar meu corpo por completo.
Passos me levaram até o santuário da Raika a árvore estava com as folhas secas indicando a troca de estação e aquelas que ainda se prendiam aos galhos soltaram quando chutei seu tronco. Um grito de raiva estava travado em meus dentes havia um sentimento crescente que me fez descontar numa árvore de tronco largo a minha insatisfação.
Não me importava com a dor, com as lascas que entravam em minhas mãos ou o sangue que manchava a minha pele antes de pingar na terra. Antes que pudesse perceber estava chorando, lamentando pelas vidas que seriam perdidas. Apoiei a testa na madeira, minhas mãos tremiam e a pele nos nós dos meus dedos já não existiam mais.
Passos soaram, uma única pessoa.
— Vá embora, me deixe em paz.
— Sangrar até a morte não vai te ajudar em nada.
Desencostei da árvore virando para Levi, ele tirou o mesmo pano com que estava limpando a lâmina mais cedo e a rasgou pedindo minha mão em seguida.
— Você acha que sou idiota?
— Às vezes — respondeu sem fazer rodeios enrolando o pano em minhas mãos —, mas não dessa vez. Embora descontar na árvore não seja algo muito inteligente, tem Arlo para isso.
Um riso escapou da minha boca seguido de um resmungo de dor quando ele prendeu o nó.
— Você chorou por eles e escolheu desafiar seu comandante, é mais que qualquer um vai fazer — ele refez o movimento na outra mão em seguida usando as costas da mãos secou as marcas de lágrimas em meu rosto —, já disse uma vez. Você é boa [Nome], não é qualquer um que sangra por 250 mil desconhecidos.
— Mesmo assim não serve de nada, não salva suas vidas ou tira o luto que suas famílias irão enfrentar.
— Sim, mas também se sacrificam para que o luto não vire miséria. É uma situação de merda, mas necessária. — suas mãos pegaram as cintas na altura da minha barriga puxando em seguida meu corpo para perto.
Abraços eram algo que eu descobri ser algo que Levi gostava, embora fossem reservados apenas para momentos que estávamos sozinhos, pela diferença de altura apoiei a bochecha em seu ombro. Nossa relação pareceu progredir de maneira natural, ainda tínhamos nossas barreiras, mas aos poucos elas estavam se abaixando.
Não era apenas uma paixão, existia uma confiança mútua e absoluta, uma certeza de que aquilo que tínhamos era simplesmente certo.
— O que vamos fazer Levi?
— Sobreviver, assim como todos os outros dias.
Viva, porém se sentindo indigna. Do grupo que supervisionei com meu esquadrão, apenas cinco sobreviveram. Não havia trocado meu uniforme e também não estava muito inclinada a fazer algo sobre isso.
— Disse que ela estaria aqui — Arlo proferiu — Pelos céus nem sequer se limpou, me ofereceria para te dar um banho, mas não acho que o senhor namorado aqui ia gostar disso.
— Arlo — levantei a cabeça —, será que você pode ser menos babaca?
— Desculpe, só estava tentando levantar os espíritos, não seria a primeira vez de qualquer forma — Levi se virou para ele num instante —, longa história, mas foi antes de vocês começarem a namorar e eu acredito que deu a minha hora boa noite.
Encostei a cabeça na parede de pedra, me perguntava o que poderia ter feito para ganhar um amigo como aquele, Arlo às vezes se passava por um inimigo. Levi se manteve em silêncio, e coube a mim, explicar de maneira breve os acontecidos.
— Ele não me viu nua, se isso te preocupa, mas eu realmente precisava de ajuda naquela época.
Ele se aproximou devagar e me estendeu a mão para me ajudar a levantar, ainda em silêncio. Suponho estar digerindo a informação, por não ser nada rotineiro, e dito completamente de propósito. Arlo era bem articulado e se Levi o tinha como consultor amoroso tinha inúmeros problemas.
Quando cheguei na porta de meu quarto ouve um momento estranho, normalmente Levi apenas se despedia com alguma frase e ia embora, porém dessa vez se manteve quieto, apenas me dizendo para deixar a porta aberta.
Com vergonha e sentimentos confusos segui para o meu banheiro deixando as roupas imundas no canto, primeiro uma ducha para me livrar do pesar e da sujeira, gelada para me colocar mentalmente de volta aos eixos. Enquanto isso a banheira se enxia, entrei apenas quando me senti limpa novamente abracei meus joelhos e fiquei pensando, será que Levi tinha a intenção de passar a noite aqui? Ou poderia ter saído para pegar o jantar, uma vez que eu não compareci.
Vapor saia da água que ainda estava quente, por sorte os oficiais tinham caldeiras que aqueciam a água de seus quartos com lenha. De repente senti um arrepio familiar e parado na porta estava o mesmo objeto dos meus pensamentos.
Então era para aquilo que ele queria que eu deixasse a porta aberta.
— Hum... Você não precisa entrar se não quiser. Arlo é um panaca.
Levi abaixou o olhar e começou a desabotoar os botões de sua camisa — Não, eu quero isso.
Olhei pra frente sentindo o meu rosto esquentar, ele com certeza não fazia ideia do tipo de coisa que se podia imaginar com uma frase daquelas. Somos adultos numa relação estável, ou algo parecido com isso, é normal certas interações acontecerem... Certo?
— Sorte que você é baixo, se não isso nunca aconteceria.
— Cala a boca.
Senti sua figura sentar atrás de mim e logo em seguida ele puxou as minhas costas para que encostasse em seu peito. Pele na pele, sentia seus músculos e ossos pressionados as pernas nas minhas laterais e a respiração quente na minha orelha.
— Levi, você está usando roupa de baixo na banheira?
— Sabia que estava pensando algo estranho, é um banho sua idiota só isso. — ele puxou a minha orelha.
Imagino que por sua mãe ter sido uma prostituta, Levi tivesse pensamentos particulares e únicos sobre sexo. Mesmo sendo uma situação peculiar, não era uma linha que precisamos atravessar, deixaria que as coisas acontecessem em seu tempo.
— Desculpe — coloquei a mão no rosto — foi só um pensamento não quero que fique desconfortável.
— Se você me deixasse desconfortável eu não estaria aqui para começo de conversa — sua boca encostou na base do meu pescoço —, não gosta?
— Não, quero dizer, sim é... Confortável. — respondi, deixando que meus ombros enfim relaxassem.
Um suspiro deixou sua boca — Você é bonita [Nome], não estou te rejeitando só... Vimos muitas mortes hoje.
— Sei disso Levi, não estou te cobrando nenhuma ação libidinosa — peguei sua mão esquerda que estava apoiada na beirada e entrelacei nossos dedos —, é legal só ficar assim.
Ele resmungou algo em resposta, dobrei os joelhos deixando a posição mais confortável lembrando da sensação familiar. Levi aparentemente não reagiu ao ver meu corpo nu...
— Se lembra da construção abandonada da primeira expedição que fomos juntos?
— Sim.
— Por acaso foi você que viu eu me lavando na volta?
Sua respiração falhou e pela proximidade consegui sentir seu coração batendo forte — Oh, não acredito que meu namorado é um pervertido.
Levi cobriu meus olhos com a mão livre — Você que é descuidada em se limpar ao ar livre, poderia ser qualquer outro.
— Foi nesse momento que se apaixonou loucamente por mim?
— Não.
Inclinei a cabeça para ver seu rosto — Então me diga.
— Não.
— Foi quando me viu escalando uma parede a primeira vez?
— Não.
— Fala sério, não vai mesmo me contar? — reclamei me afastando e virando o tronco para poder reclamar.
— Um dia talvez, mas não hoje, então minha querida [Nome] — sua mão ergueu até o meu pescoço o puxando para perto —, continue vivendo para descobrir.
N/A: Atualização tripla! Não perca os próximos.
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