Não Solte



-Eu disse para ficar deitada, vou ter que desmaiar pra conseguir isso?

Meus ombros se levantaram de susto quando a voz de Levi soou atrás de mim, já estava farta de ficar descansando. 

Dois dias inteiros se passaram desde o leilão e poucas horas depois de Levi me encontrar os reforços do comandante chegaram. Conseguiram prender alguns fugitivos no meio do caminho, mas a grande maioria dos compradores ainda conseguiram fugir. 

Os soldados e cidadãos de Yakell passariam por uma intensa investigação, e soube Ronan ficou bem ocupado explicando para os enviados do general o que andou acontecendo. Ally e as crianças aparentemente voltaram para sua casa e eu e Levi ficamos abrigados no centro da cidade para cuidados.

Mais eu do que ele na verdade.

Tirei a mão de apoio da parede - Estou bem Levi, de verdade.

-Bem merda só se for - ele se aproximou e cutucou um ponto específico da minha costela que quase me fez curvar para a frente de dor. - Quer repetir o que disse?

Não respondi, Levi pegou meu braço e passou por cima do próprio ombro e com a mão livre segurou a tira de couro do uniforme que passava da minha coxa a usando como apoio.

-Quebrou costelas, se ficar andando pode furar algo e acabar num caixão aqui mesmo. - me senti uma criança sendo repreendida - Não quero ter que explicar para Erwin como algo do tipo aconteceu.

-Usando minhas falas contra mim. - rebati - Não sabia que prestava tanta atenção no que digo.

Não obtive resposta verbal, mas o olhar de canto de olho foi bem explicativo. Tinha motivos para acreditar que ele mesmo me jogaria pela janela se continuasse a desobedecer suas ordens. Levi empurrou a porta do quarto com o pé e me ajudou a sentar na cama, antes de puxar uma cadeira próxima a janela e se sentar.

-Não precisa ficar aqui - reclamei - Já entendi que não é para se mexer.

-Disse a mesma coisa ontem. - duras verdades - Pare de agir como uma pirralha, até mesmo Brandon segue melhor as ordens que você.

Ri e em seguida reclamei da dor.

Vendo que ele ficaria de guarda apenas me deitei e olhei para o teto, não tinha condições de pegar o cavalo e voltar para a base da tropa ainda, então teria que esperar. Pelo menos até que conseguisse andar com as costas retas.

Ergui a mão no alto encarando meus dedos - Não suporto ficar aqui, toda vez que fecho os olhos... Lembro de Huxley sentado em mim, sinto o aperto na minha garganta e o cheiro de pele queimada misturada com cinzas.

Abaixei o braço cobrindo os olhos com ele - Só quero voltar pra base logo e deixar tudo que aconteceu aqui em Yakell para trás, ou pelo menos tentar.

-Sua vingança não valeu a pena?

-As almas dos meus pais podem descansar em paz agora, mas não foi só sobre isso. - respirei fundo e continuei a falar - Se fosse qualquer outra pessoa o destino seria o mesmo, coincidir com o assassino dos meus pais foi um bônus.

-Parece uma fala bem diferente da que disse quando recebemos a missão.

-Opiniões mudam, tinham coisas mais importantes envolvidas do que meu desejo pessoal. O que passou... Não tem como mudar, agora o futuro sim. 

Tirei o braço do rosto e virei a cabeça para mirar seu rosto, Levi tinha um dos braços sobre a mesa que ficava logo embaixo da janela e parecia olhar para algo do lado de fora, me ouvia com atenção e feição inexpressiva. 

-Pensa diferente?

O homem se virou - Não, concordo com você. É por isso que entramos na tropa de exploração, não? Para tentar mudar algo.

O homem parecia... Maduro, se é que eu poderia falar isso. Ainda tinha algumas atitudes marcantes como já era da sua personalidade, mas a impulsividade que tinha quando o recrutamos do submundo parecia ter dado lugar a outra coisa.

-Fala de mim, mas a maior mudança foi em você. - mencionei - Para melhor se me permite dizer. 

Ele me olhou com confusão e expliquei - O Levi de meses atrás talvez não parasse para socorrer Briana, nem se preocuparia com Brandon preso no meio da floresta.

-Seja o que for que você encontrou, te fez bem.- sorri voltando a encarar o teto - Não deixe ir embora.

A conversa não se estendeu mas o silêncio ficou dançando entre nós dois por algum tempo, o único som que chegava aos nossos ouvidos era o das pessoas do lado de fora.

Com a missão finalizada não sabia sobre que tipo de coisa conversar com a minha companhia. Respirei fundo e me sentei, não aguentando ficar mais deitada. Levi imediatamente fez uma careta

-Não vou sair andando só me cansei, não precisa me olhar como se eu fosse um titã.

-Não estou te olhando como um titã.

-Está sim - retruquei - Seus olhos ficam mais finos e você franze o meio da testa, exatamente do jeito que está fazendo agora.

Nesse instante sua expressão se suavizou, como se ele tomasse consciência do que estava fazendo e vendo que eu estava me divertindo demais meu companheiro de tropa resolveu se pronunciar.

-Disse que eu presto atenção em você, mas me parece o contrário. Arlo não vai ficar muito feliz com isso.

-Arlo? O que ele tem a ver com isso? - mudei de assunto não querendo dar uma resposta sobre a primeira parte da frase.

-Vocês... - Levi deixou a voz morrer antes de limpar a garganta e encarar a rua desviando o olhar de mim - Não são "algo"?

Teria gargalhado se o simples gesto não parecesse uma sentença de morte - Não, claro que não. Arlo é tão meu irmão quanto Erwin, só... Não.

-Fizemos o treinamento de cadetes juntos, somos amigos a muito tempo.- me lembrei de algumas situações inusitadas que passamos juntos, como a do banho - Temos muitas memórias compartilhadas, só isso.

-Mas você deve ter recebido alguma atenção das mulheres da tropa. - mexi em meus dedos ainda machucados por conta da briga com Huxley - Soldados de cargos de confiança geralmente são mais cobiçados.

-Não tenho interesse.

A resposta foi rápida e seca, porém me deixou com dúvidas.

-Em garotas ou...

Pela primeira vez desde que conheci Levi vi um leve rubor aparecer em sua pele clara e novamente a expressão "matar titãs" apareceu em seu rosto.

-Você que falou. - ergui as mãos em sinal de rendição.

Ele resmungou em frustração - Não tenho interesse em nenhuma delas.

Aquela pequena frase fez meu coração bater rápido, apesar de aparecer junto com uma outra sensação dolorida que me era desconhecida. Não quis avançar o assunto e estragar o bom relacionamento que desenvolvemos durante a viagem.

Desconfortável, Levi se levantou e cambaleou até a outra janela na parede oposta para ver a rua foi então que me lembrei de seu tornozelo.

-O que aconteceu com o seu pé? Não chegou a me contar.

-Foi na mansão.

A primeira resposta foi rápida mas depois me deu um cenário um pouco maior e contou como cortou a corrente do candelabro e usou um dos meus movimentos para isso.

-Entendo, provavelmente você soltou o cabo antes demais - respondi - Quando usamos só um cabo para nos movimentar precisamos usar o peso do próprio corpo como vantagem. A força é uma curva, começa devagar tem seu ponto máximo e decai.

-Para esse tipo de manobra o ápice é o melhor momento, pois combina a força do mecanismo com o peso corporal. Também tem o jeito certo de cair no chão, nossos ossos não aguentam tanto impacto.

-Com certeza disso você entende - me interrompeu apontando na direção das minhas costelas.

-Não está errado, por mais que eu odeie admitir. Se você quiser... E tiver tempo, podemos treinar juntos. - sugeri, e corrigi logo em seguida - Digo, quando voltarmos pra base e eu estiver curada.

O olhar de Levi sustentou o meu e um breve e singelo sorriso moldou seus lábios, causando um rubor se instalar em minhas bochechas.

-Parece bom.

Em seguida ele se desencostou da parede e andou em direção da porta - Vou tentar achar algum chá nesse lugar, voc-

-Não se atreva a se mexer - completei sua frase - Já sei.

-Na verdade ia perguntar se você também quer, mas que bom que entendeu o recado.










N/A: Yayyy, calmaria. Conversinhas, coisa boa. Estamos numa fase de calmaria.

Eu gosto de deixar os personagens de recuperarem e contar sobre isso ao invés de fazer um grande time skip. Então continuem comigo pessoal.

Se quiserem me acompanhar mais, fiz um IG: iamhksan posto umas coisas lá.

Até mais, Xx!

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