House of Memories
Encarei o meu pulso onde as marcas da mão do Levi tinham ficado gravadas como se fosse um desenho. Ele realmente tinha me segurado para impedir que eu enforcasse Erwin ou algo do tipo, chega a ser cômico que pouco tempo atrás ele veio para a tropa a fim de matar o mesmo alvo que estava protegendo da irmã adotiva.
Balancei a minha cabeça me livrando de pensamentos desnecessários, passei a bandagem e arrumei a minha camisa. O indicado era que usássemos vestes de civis então estava com um traje muito mais comum quando comparado ao uniforme da tropa.
Virei a noite lendo e relendo os relatórios, claro que a prioridade era encontrar o desvio e a origem das denúncias então sobre isso não menti enquanto tinha a pequena conversa com Levi no corredor. Entretanto se eu tivesse uma chance de cair na trilha das pessoas que invadiram a minha casa anos atrás, não deixaria passar.
Dei uma última olhada no dormitório antes de fechar a porta e descer para a entrada do quartel, os cavalos estavam abastecidos com provisões e também os equipamentos de movimentação. Apenas por precaução. Não deveria levar mais do que um dia inteiro de viagem para que chegássemos até nosso objetivo.
Levi já estava pronto quando eu sai do velho castelo, um soldado me entregou as rédeas recebendo um aceno de cabeça em agradecimento, não havia visto ninguém desde que tinha deixado o escritório de Erwin no dia anterior - nem mesmo Arlo.
Montei no cavalo e logo nós saímos sem alarde ou despedidas, também ainda não tínhamos trocado uma palavra sequer. Bati de leve na minha cabeça antes de tomar uma atitude afinal não éramos crianças, estávamos partindo pra uma missão importante. Não fazia sentido um tratamento de silêncio – Você está com raiva de mim? – perguntei olhando pra frente.
Se passou alguns momentos até que ele respondesse.
-Não – Levi disse – Entendo seu sentimento de alguma maneira, mas se atrapalhar a missão eu não vou pensar duas vezes em te impedir.
-Por favor faça isso – respondi.
Mais algum tempo depois ele me perguntou – Como está seu pulso?
Instintivamente girei ele enquanto segurava as rédeas – Bem, não foi nada demais.
As próximas horas foram de um silêncio confortável, mas era impressionante a falta de assunto e não é como se estivéssemos fazendo de propósito. Mas se fosse Arlo ele estaria falando do momento em que saímos do quartel.
Cavalgávamos por uma área aberta e ficaríamos na região até chegar no pé da montanha - que nesse ponto era só uma pequena onda no horizonte, seria uma longa e entediante viagem se continuássemos assim.
-Eu devia ter uns quatro anos quando aconteceu – falei e joguei as minhas costas pra trás olhando pro céu – Não lembro de muita coisa, mas era uma noite tranquila até que algumas pessoas entraram na minha casa. Bem... Ou algo próximo disso, nem sei se posso os considerar humanos.
-Quem quer que fosse estava encapuzado para que não fosse identificado, nos arrancaram de nossas camas e nos reuniram na cozinha – mesmo que Levi não tivesse me perguntado ele parecia prestar atenção – Estavam procurando alguma coisa mas meus pais não faziam ideia do que eles estavam falando.
-Minha mãe foi a primeira – falei deixando que as memórias que eu tinha daquele dia voltassem à tona. – Foi a primeira vez que eu vi tanto sangue.
-Por favor eu não sei do que vocês estão falando – meu pai gritava enquanto uma das figuras pegava a minha mãe pelos cabelos e a jogava no chão. Ela chorava desesperadamente clamando por piedade.
-Cale a boca dessa vadia, eu não suporto mais ouvir sua voz!
-Não! – meu pai tentou se mexer mas foi inútil a figura chutou o rosto da minha mãe e apenas consegui ouvir o barulho de seus ossos se quebrando, sua mandíbula ficando pendurada sem músculos ou estrutura para manter sua forma.
Então com golpe atrás de golpe eu vi seu crânio se tornar uma grande poça de sangue, sua cabeça batia no chão violentamente, tão forte que a madeira rangia a cada nova pancada. Enquanto isso meu pai era acertado no estômago por não dar uma resposta satisfatória para os invasores.
-Você é bem durão – bateram no meu pai mais uma vez o jogando no chão em seguida pisaram em seu rosto o forçando a se banhar no sangue de minha mãe – Não falou mesmo que sua esposa tenha virado polpa. Quem sabe a sua filha seja um pouco mais efetivo. Filhos geralmente tem um lugar especial não é mesmo?
Os gritos estavam travados na minha garganta, como se eu não pudesse mais respirar senti a lâmina gelada encostar na minha bochecha – Um rosto tão bonito... Conheço alguns lugares no subterrâneo que fariam bom uso dela, se é que você me entende. Alguns caras dariam um bom dinheiro para ter um brinquedo novo como ela.
-Deixe a minha filha... por favor.
Sentia minha cabeça ser puxada pra trás e a lâmina escorregou para o meu pescoço – A decisão é sua Maely, vai abrir o bico ou não?
-Eu já disse que eu não sei de nada – ele grunhiu.
-Então é uma pena.
Com uma força que eu não sabia que meu pai possuía ele se desvencilhou e atacou a pessoa que estava me segurando, ele tentou dilacerar a minha garganta mas desviei a tempo evitando a morte, mesmo a lâmina tenha cortado uma boa parte do meu rosto. Ele segurou o cara pela cintura e o jogou pra longe antes de colocar seu corpo em minha frente servindo de barricada;
-[Nome] fuja – seus olhos determinados queimavam como brasa apesar das lágrimas escorrerem por seu rosto lavando o líquido carmesim das agressões anteriores – Viva!
-Eu não sei como eu cheguei na casa do pai do Erwin. Era a vila mais próxima da nossa residência já que cuidávamos das plantações, vivíamos mais no campo – continuei contando, Levi por todo esse tempo estava só ouvindo a descrição brutal do que eu me lembrava do incidente, casualmente virando o rosto para me encarar – Mas ele diz que eu estava coberta de sangue e desmaiei assim que cheguei.
-Quando acordei dois dias depois eles apenas me contaram o que aconteceu, não me deixaram nem chegar perto da casa e não acho que sobrou muito dos meus pais para que eu pudesse ver também.
Apertei as rédeas do cavalo em minhas mãos – Eu não fico exatamente triste quando penso na morte deles. Afinal já foi, não tinha nada que eu pudesse ter feito e mesmo que houvesse outra opção, não tem como saber se seria melhor ou pior.
-Desde aquela noite eu tenho pesadelos com o que aconteceu, algumas vezes apenas cenas desconexas ou então só a lembrança do medo e do horror que eu senti. Mas existem dias que cada batida o ponteiro do relógio me lembra da cabeça da minha mãe sendo esmagada a sensação do sangue escorrendo pela ferida recém aberta – coloquei a mão no rosto – Mesmo que a minha cabeça se ache forte o meu coração é egoísta demais pra deixar que as pessoas que roubaram meus pais de mim saiam impunes.
Virei a minha cabeça pra ele encarando seus olhos pela primeira vez – Eu sou uma grande idiota não sou?
-Não – ele disse e se virou pra frente fazendo com que o cavalo avançasse ainda mais rápido – Você é humana.
Sem perceber senti o vento gelado batendo na lateral do meu rosto, soltei uma das mãos das rédeas para secar algumas lágrimas que eu nem sabia que tinham caído. A muito tempo eu não conversava tão abertamente com alguém assim.
Eu não sabia dizer exatamente o porquê, mas Levi me passava uma sensação familiar as vezes... Como se eu estivesse olhando um reflexo próprio ainda mais distorcido.
Sai dos meus devaneios quando o rapaz diminuiu a velocidade do cavalo se virando na direção das arvores.
-O que foi? – perguntei e ele levantou a mão num sinal claro para eu fazer silêncio. Olhei para a mesma direção que ele tentando localizar o que quer que tivesse feito ele parar.
Não demorou para que eu ouvisse o barulho de passos apressados, ou melhor de alguém correndo então surpreendendo a nos dois uma garotinha saiu do meio das arvores, suas vestes estavam sujas e suas pernas e braços estavam raladas, ela deveria ter se rastejado por algum lugar.
Desci imediatamente do cavalo – Hey criança, o que aconteceu.
Ela andou na minha direção e quando vi já estava com a cabeça encostada no meu estomago me abraçando pela cintura – Por favor... – foi a única coisa que saiu da boca dela antes de desmaiar, mesmo sem consciência seu corpo tremia eu não sabia muito sobre primeiros socorros mas eu podia apostar que ela também estava com febre.
-Ela desmaiou – falei e Levi voltou a encarar a floresta por onde ela tinha aparecido.
-Que merda é essa?
N/A: Obrigada por ler até aqui!
Até mais, Xx.
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