Herdeira do Caos

Alertas de possíveis gatilhos: Abuso infantil, prostituição, sangue



O cheiro da lenha sendo queimada se misturava com o de álcool, sujeira e perfume barato, as vozes de velhos bêbados ressoavam pelas árvores de folhagens escuras até alcançar as copas revoltas pelo vento noturno. No céu a lua se arrastava devagar para trás de nuvens escuras de chuva, seus raios prateados mal alcançando o chão.

Briana ainda estava nos meus ombros e disse baixo apenas para que eu ouvisse - [Nome] o que vamos fazer?

-Estou pensando. - murmurei uma resposta falhada a fim de não causar alarde.

Andei o mais devagar possível tentando achar uma saída, tinham crianças dispostas no palco como mercadorias, tinham cordas lhes prendendo os pulsos e as mesmas ficavam presas contra o tablado improvisado. Os aparentes compradores se aproximavam e os observavam como animais, lhe puxavam as vestes, tiravam medidas e enchiam suas cabeças com mentiras.

Pelo canto de olho vi que o restante dos pequenos estavam amarrados nas árvores mais afastadas longe daquilo tudo e vigiadas por um grupo.

-Briana comece a se debater - falei e imediatamente a menina começou a balançar os braços e gritar desesperadamente. Enquanto isso, usava do barulho para passar meu plano.

-Espere o meu sinal, quando isso acontecer se livre das cordas e corra até os cavalos. Consegue trazer o equipamento até mim?

Ela balançou a cabeça fazendo que sim enquanto gritava

-E me desculpe. - falei por fim.

Sem dar um segundo aviso bati na lateral de seu rosto com as costas da mão fazendo com que se calasse, fosse pelo choque das minhas ações ou pela dor. Estamos imersos num teatro perigoso, valsando com a morte numa noite vazia ao som do desespero. Qualquer desconfiança mínima que ali tivesse levaria a nossa ruína, prendi seus braços de maneira desleixada a fim de que ela pudesse se soltar facilmente depois.

Feito isso me afastei tomando um lugar na lateral como se estivesse de ronda, por mais tudo aquilo fosse uma farsa. Tinha certeza que as lágrimas que escorreram dos olhos de Briana eram verdadeiras.

Um homem tomou sua posição na frente do palco e começou os anúncios para a noite, eu não teria muito tempo para resolver a situação.

-Boa noite senhores, como podem ver temos muitos itens esta noite, por favor deem seus melhores preços- abriu os braços teatralmente e apontou para a lateral - Ainda temos a honra de ter o senhor Huxley entre nós, então espero que suas ofertas sejam grandiosas.

-O primeiro item de hoje - ele indicou um garoto que não devia ser muito mais novo do Brandon, cabelos lisos, olhos escuros e o rosto sujo manchado pelas lágrimas de uma tarde de torturas.

- Pode parecer franzino mas tem alguns músculos para se desenvolverem - o leiloeiro se aproximou do garoto apertando seus braços - Um assassino se bem treinado talvez? Um ladrão astuto e traiçoeiro?

E continuou com o show de horrores correndo os dedos imundos pelo corpo do garoto afugentado - Agora que tem um gosto mais peculiar, depois de limpo podem fazer bom uso de sua pele jovem nos bordéis. - o homem chutou a parte de trás do joelho da criança, o colocando numa posição claramente submissa - Se deixarem o cabelo crescer até se parece com uma menina, ou podem o transformar em uma. Senhores pra vocês não existem limites.

Minhas mãos estavam fechadas em punho debaixo da capa, o que eu estava presenciando ali era repulsivo. Uma existência sórdida que não valia absolutamente nada, palavras que se tornavam vermes carniceiros assim que deixavam sua boca, parasitas, desperdício de espaço. Não eram melhores do que as brotoejas nascidas da pele podre de um cadáver abandonado.

E quem levantava a mão para dar lances, não tinha palavras desprezíveis o suficiente para proferir. Nem mesmo a morte em sua forma mais cruel e dolorosa parecia ser punição o suficiente.

Enquanto os abutres se batiam para ganhar a oferta, Huxley estava sentado no canto a marreta no colo e bebidas ao seu redor. Estava desleixado e parecia não estar dando muita importância para o evento em si, tomei o fato como uma chance de me esgueirar para perto das bebidas alcoólicas.

-O que pensa que está fazendo? - um cara que estava por perto perguntou, fiz meu melhor para engrossar a voz a responder.

-Servindo os compradores, quanto mais bêbados mais fácil de aumentar os valores.

Ele pareceu surpreso mas riu em seguida - Tem razão, ei vocês aí, venham aqui. - Chamou alguns que estavam por perto - Nosso colega teve uma ideia, vamos embebedar os porcos do submundo e aumentar as ofertas, aqui distribuam.

Agradeci todos os dias que passei imitando a Arlo e suas frescuras para Raika, pois tinha certeza que foi aquilo que me salvou de ser descoberta. O próprio cara me deu duas ou três garrafas e voltando para perto dos senhores do submundo serpenteei entre eles deixando o meu rastro para trás.

Faltavam apenas três crianças para serem leiloadas, fiz meu caminho de volta para o tambor fazendo minha primeira vítima no caminho. O homem era velho, gordo e cheirava a excrementos e não perdeu a oportunidade de se levantar rapidamente quando o espetei com um caco de vidro pela retaguarda.

-Vendido para o senhor ali!

O leiloeiro anunciou, o velhote não queria demonstrar fraqueza então apenas acenou como se fosse um ato planejado. Antes de se virar para mim tacar a bebida que tinha em mãos no chão e tentar me agarrar pelo colarinho, dei um passo para trás desviando.

-Seu miserável, olhe só o que fez - ralhou com cólera saltando de seus olhos esbugalhados. - Você vai me pagar por isso.

Houve uma tentativa de soco desleixado, e mais uma vez eu desviei recuando. Isso apenas pareceu despertar ainda mais a ira dele - Se acha muito espertinho não é?

A lua finalmente pareceu se esconder por completo atrás das nuvens deixando o breu tomar seu papel no grande espetáculo da noite.

-Não me acho - Sorri com as sombras. - Sei que sou.

Tomei sua mão esticada em minha direção e virei arremessando o homem contra a fogueira, o grito foi instantâneo. Quando suas vestes já imbuídas em álcool ficaram em chamas ele se afastou caindo sobre os assentos servindo de ignição para a pequena trilha que eu havia deixado. As três garrafas de bebidas foram esvaziadas enquanto andava entre eles e agora num piscar de olhos as chamas consumiam aquele show de horrores a céu aberto o mergulhando em caos.

Um breve olhar para o palco e Briana já não estava mais lá, o leiloeiro tinha se afastado tentando salvar um de seus outros clientes das chamas. Tirando uma lâmina das minhas costas, corri até o palco aproveitando a distração das altas labaredas livrando as crianças dali.

-Corram naquela direção até acharem os cavalos.

A princípio elas não se moveram - Andem! Se mexam!

Não tinha tanta distância entre o palco e as árvores, precisava de pouco para sumir entre os troncos de madeira escura.

Uma risada sádica e grunhida soou atrás de mim - Veja só quem resolveu aparecer, tinha certeza que pelo menos um de vocês estava por aqui. Depois da confusão que causaram no meu barracão, pessoas tão nobres não deixariam para trás pirralhos como esses.

Huxley estava de pé andando com passos arrastados em minha direção, não parecia se importar com os convidados pegando fogo ou a confusão, mantinha a marreta no ombro enquanto girava o cabo de madeira clara.

-Mas você não é aquele cara, me parece mais alto.

Poucos metros nos separavam, a mesma distância de anos atrás. A mesma distância que separou minha figura infantil do corpo sem vida de minha mãe, a mesma distância da qual fui obrigada a assistir enquanto seu crânio era esmagado contra o chão sem piedade.

Puxei o capuz da cabeça, revelando meu rosto - Não sou, mas com certeza se lembra disso - apontei para minha cicatriz.

Nesse momento seus olhos pareceram brilhar e um sorriso sujo se abriu em seu rosto enrugado. Uma gargalhada rompeu a noite, tão estrondosa que Huxley jogou a cabeça para trás.

-Isso é bom demais pra ser verdade. Vai acertar as contas Maely? - urrou - Veio procurar vingança por todas as noites que visitei seus sonhos? Ah sim, eu tive eles também.

-A sensação daquele dia nunca me deixou - o tom em sua voz era de um deleite doentio - O sangue viscoso, a madeira rangendo e seus olhos. Sim, sim! Seus belos olhos me encarando de maneira viperina.

Huxley passou a língua pelos lábios e tirou a marreta dos ombros tomando uma posição de ataque - Prometo encontrar um vidro bem bonito para deixar eles depois que os arrancar da sua cabeça.

Me preparei vendo que o confronto era iminente, toda a raiva reprimida ao longo do tempo percorrendo a minha espinha fazendo meu corpo ferver de dentro para fora. Apertei o punho da lâmina e sorri, ou melhor gargalhei. Baixo, num tom rouco e venenoso.

-Homens mortos não cumprem promessas Huxley.









N/A: Lembrando que estou intercalando, então o próximo é do Levi. huehue

Obrigada por ler até aqui.

Até mais, Xx!

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top