Final e Recomeço
O sol mal tinha se erguido sobre Yakell quando partimos e estava a caminho de se pôr quando chegamos a cidade em que nasci; a mesma que compartilhava das lembranças de Erwin.
Fiquei surpresa quando Levi aceitou meu pedido de desvio, nunca voltei para o lugar. Nem mesmo após me tornar um soldado da tropa de exploração. Com o fim de Huxley pensava que o ponto final seria retornar onde tudo começou.
Seria uma viagem de apenas algumas horas a mais se os cavalos estivessem correndo, mas como não era o caso acabamos ganhando quase um dia a mais na viagem de retorno.
O caminho estava muito diferente do que eu me recordava, as trilhas desaparaceram e o mato alto crescia desgovernado. Escondida no meio daquele pedaço de terra esquecido e castigado pelo tempo, estava o que um dia foi a minha casa. Parte do telhado caíra e mesmo de fora dava para ver os buracos nas paredes causados pela deterioração.
— Encantador. — comentei soltando as rédeas do cavalo e me ajeitando para descer.
Puxei o cavalo para perto enquanto Levi também descia e observava o lugar. Atrás da casa tinham os campos de plantação, arados e com nada além de solo infértil e morto.
— Eu costumava passar o dia aqui. — disse em voz alta andando até a parte de trás — Meu pai e outros moradores ficavam nos campos cuidando e eu fingia ajudar em algo.
Abaixei a cabeça com pesar — Provavelmente mais atrapalhava do que ajudava, mas mesmo assim meu velho me deixava participar no dia seguinte. — olhei para trás para a porta dos fundos, essa parecia menos machucada do que a da frente.
— Imaginei que passasse seus dias subindo em coisas. — Levi comentou me acompanhando.
Balancei a cabeça — Não tanto, em árvores às vezes, mas o hábito de desenvolveu depois que tudo aconteceu. Sempre que eu olhava para o chão me lembrava da minha mãe. Então subir nas coisas era meu jeito de escapar, já eu sempre precisava olhar para cima.
Andei até os degraus e subi tendo um pouco de dificuldade em abrir a porta emperrada.
— Pode fazer a gentileza?
Levi deu um passo para trás e com precisão chutou a porta, fazendo uma careta quando ela praticamente se desmanchou e espalhou pelo chão uma série de insetos que estavam vivendo dentro das suas ripas de madeira.
— Tudo isso é raiva guardada Levi? Pedi para abrir não destruir.
— Consegue passar não consegue? Então está feito.
Ri com a resposta mal criada dele, estava se tornando um hábito puxar os botões do meu colega, aos meus olhos o tornava mais humano e nos deixava mais próximos. Peguei um pano no bolso e tapei meu rosto antes de entrar, o cheiro de mofo era forte e predominante, mas ainda consegui sentir o metálico de sangue pairando no ar; mesmo que fosse apenas na minha mente.
O lugar deve ter sido saqueado depois do acidente, pois não havia mais nada por ali além de cômodos vazios e lembranças. Passei pela cozinha vendo as marcas no chão, as tábuas quebradas onde minha mãe encontrou a morte e o lugar onde seguraram a mim e meu pai amarrados.
Continuei a seguir até os quartos, apenas restos de móveis e armários revirados, mas algo me chamou a atenção escondido nas camadas de sujeita um lapso de cor que tinha destaque. Tirei algumas coisas de perto com o pé e me abaixei para observar mais de perto, então retornou a minha mente uma lembrança; meu pai sentado na varanda com uma tábua pequena de madeira vermelha gravando um desenho nela.
"Uma tradição de família, uma madeira de base forte para manter a casa Maely também forte."
Era uma coroa, enfeitada com algumas flores apesar de todos esses anos parecia praticamente intacta.
— Me empresta sua faca.
Levi encarou minha mão estendida sem se mexer, apenas para franzir o cenho e tirar o objeto cortante das vestes e me entregar. — Você limpa depois.
— Claro, vossa majestade. — guardei o pano no bolso e usei a ponta da faca de alavanca para tirar aquela ripa. A parte de baixo estava imunda como o esperado, mas debaixo do chão tinha algo a mais.
Afastei um pouco mais os entulhos e coloquei a mão no buraco alcançando o que quer que fosse que estava escondido ali. Parecia uma caixa a princípio envolta num pano de cor clara, imundo de pó, mas ainda com seu tom original.
— O que é isso? — Levi perguntou.
— Não sei — respondi — Nem me lembrava da madeira quem diria algo escondido debaixo dela.
A luz já começava a ficar escassa então resolvi sair para ver melhor do que se tratava. Raspei também a parte de trás da tábua tirando a sujeira acumulada, para Levi foi um sacrilégio, pois ficou resmungando a cada instante.
Desfiz o nó do pano precisando me afastar pela poeira que se ergueu, estava certa quando disse aparentar ser uma caixa. Era diferente de qualquer coisa que eu já vira, era escura tinha detalhes em ouro e no topo dela uma versão bem mais rica e detalhada do desenho feito na madeira; uma coroa embrenhada em flores.
— Espera — Levi segurou meu pulso antes de eu abrir — Não sabemos o que tem aí, tem certeza que é seguro?
— Estava guardado embaixo do que costumava ser minha cama, não acredito que meus pais deixariam algo perigoso por perto. — ele manteve a expressão séria — Já que você se preocupa tanto comigo, pode ter a honra de abrir.
Virei o cabo da adaga para ele.
— Por que eu faria isso?
— Está mais apto a desviar do que eu.
Levi tomou a adaga murmurando ofensas as quais eu nem sequer me dei trabalho de registrar, dei um passo para o lado enquanto ele colocava a ponta de metal próxima à tampa com a finalidade de abrir. Um único empurrão e estava feito.
— Um ameaçador pedaço de papel. — comentei rindo e observando o conteúdo — É um mapa... Eu acho?
Desenhado na folha de tom amarelado tinha um enorme círculo azul, com coisas grandes que pareciam terras desenhadas.
-Oe [Nome] — Levi me chamou pegando outro papel de dentro da caixa — Esse não é o símbolo real?
Olhei para o que ele segurava em mãos e realmente tinha o símbolo da família Fritz.
"Fomos contratados para recuperar algo, uma coisa roubada da coroa. Sabia que a sua família de merda não passa de um bando de ladrões?"
Então tudo se encaixou, a coisa que meu pai deu a vida jurando não existir estava ali nas minhas mãos, era real. Soltei o papel e cambaleei para trás não conseguindo respirar.
Por que tamanho sacrifício feito para proteger aquela caixa? Teriam meus antepassados roubado a coroa? Qual era a verdade desconhecida?
— Olhe para mim!
Duas mãos seguraram meus ombros com força, só estão percebi que não estava respirando, lágrimas caíam dos meus olhos pela recém-descoberta.
— Essa caixa, foi por ela que...
— Sei disso — Levi me interrompeu — Mas também sei que seu velho não daria a vida para proteger algo irrelevante. Roubado da coroa ou não, não é um crime que você cometeu.
Seus olhos encararam os meus com profundidade — Quis vir aqui para colocar um ponto final, e pôs. Só que agora precisa continuar o legado que te encontrou e não desperdiçar os esforços dos que vieram antes de você.
— Porque isso sim, é cuspir e chutar cada um deles.
Sequei os olhos com a manga das minhas vestes — Isso é você falando para eu acreditar na nobreza nos meus antepassados?
— Não, isso sou eu falando para você não ser boba e se entregar antes de descobrir o que realmente aconteceu.
Olhei para a caixa que ainda tinham algumas coisas dentro — Agora que sabe sobre isso, é um segredo seu também.
Meu colega pareceu acompanhar o raciocínio da situação e soltou meus ombros em seguida — Nunca mais faço missões com você.
— Qual é Levi — bati as mãos nas roupas vendo sua silhueta se afastar —, somos uma ótima dupla!
O sol estava para se pôr, já tingindo o topo do céu com as cores da noite. A silhueta do meu colega de tropa estava praticamente dourada por receber os últimos raios do dia.
— Eu te protejo e você me protege, não é tão ruim assim.
Ele se virou e nesse momento uma brisa soprou fazendo com que sua capa dançasse o mesmo com os cabelos escuros. Até mesmo seus olhos ganharam uma tonalidade mais clara quando iluminadas lateralmente.
— E deixa eu adivinhar, é uma promessa?
Sua pose era debochada, mas tinha algo na cena que o tornou completamente deslumbrante, a ponto de eu sentir meu coração acelerar pelo jeito que Levi me encarava. Passamos por tanto nessa viagem de Yakell, desde a discussão nos corredores do quartel até os cuidados recebidos nos últimos dias.
Existia uma confiança mútua forjada pelas situações que enfrentamos e, além disso, um laço mais forte e desconhecido que era unicamente nosso. Sustentei seu olhar e sorri gravando na mente aquela cena saída de um conto de fadas.
— Sim.
N/A: obrigada por ler até aqui.
Até a próxima!
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