Capítulo 28

EU BALANÇAVA minha cintura no ritmo de Blender de Five Seconds Of Summer que soava pelos alto falantes da mansão enquanto cozinhava o jantar para receber Viktor com algo que o fizesse se sentir melhor.

Depois do que aconteceu sobre o seu pedido de namoro e da forma em que eu respondi desastrosamente mal, ele passou a se comportar de um jeito estranho, mais retraído e misterioso do que de costume.

O que me fez pensar ainda mais que algo não está certo.

Nem mesmo Bertha conseguiu explicar o que diabos estava acontecendo com o cara que era basicamente um fantasma dentro da sua própria casa.

Ele quase não aparecia de dia e de noite quando chegava, ia direto para a cama sem dizer uma só palavra.

Sem falar que nas vezes que transamos, as coisas foram levadas a um nível insano.

Tudo ficou mais intenso: suas palavras, seus toques e até mesmo a sua maneira de olhar para mim.

Aquele fogo que eu sempre encontrava nas íris azuis, tinha virado um vulcão que parecia levar tudo consigo.

Algo estava errado e eu tinha medo de perguntar o que era.

Medo de insistir e acabar escutando algo que não queria ouvir.

E essa covardia só fazia com eu que me sentisse cada vez mais idiota e inútil.

Como passei a ficar todas as tardes praticamente sozinha, aproveitei para bolar um plano para pegar Penélope, onde basicamente eu iria me fazer de isca para conseguir sua confissão gravada para poder provar a minha inocência. Também passei a conversar mais com Susanna, embora por conversar entendia-se por eu me lamentando com a minha amiga sobre o abismo que estava sendo construído entre Viktor e eu.

E por mais que Susy tenha me garantido que não devia ser nada, que eu estava fazendo tempestade em copo d'água e todas aquelas frases que as pessoas dizem quando não querem enxergar o óbvio, dentro de mim eu sabia que não era isso.

Afinal de contas, eu conhecia Viktor há um bom tempo para saber que mesmo sendo uma pessoa retraída e complexa, aquela distância não era correta.

Por isso resolvi fazer aquele jantar só para nós dois em uma medida desesperada para que ele se abrisse comigo, que confiasse em mim de uma vez por todas e parasse de pensar que eu ainda era aquela garotinha indefesa e ingênua de quinze anos atrás.

Porque, porra, agora que a gente começava a se levar tão bem, eu não queria mais voltar aos tempos sombrios.

Eu não merecia nada disso.

Muito menos ele.

— Hum, o molho está com um cheiro muito bom, querida. -Bertha passou um braço por cima do meu ombro e sorri me sentindo maravilhosa com a sua aprovação.

Ela era uma mulher que sabia fazer muitas coisas.

Mas mais do que isso, ela sabia fazer tudo perfeitamente bem e obter o seu selo de qualidade era quase como uma solenidade para quem amava cozinhar como eu.

— É a minha receita secreta, passada de geração a geração. -Apontei para uma caixinha com molho pré pronto e ela soltou uma gargalhada.

— Também tenho essas receitas familiares, mas não diga para ninguém. -Fiz um sinal de trancar a boca com a chave e ela sorriu ainda mais.

— Sabe se Viktor já chegou? -Tentei não parecer ansiosa ao falar, mas era bem provável que ela tenha percebido o quão eu era patética.

Seu olhar se entristeceu e eu soube que não teria uma boa resposta para a minha pergunta.

— Na verdade, eu vim para te avisar que ele vai demorar um pouquinho.

Minha cabeça pendeu para o lado, a confusão me deixando levemente chateada.

Desliguei o fogo antes de me virar com os braços cruzados.

— Por que ele não me ligou para avisar? O que está acontecendo, Bertha?

— Meu amor...

— Não, nada de meu amor. -Resmunguei. — Viktor está distante comigo e agora deu na telha de entrar em contato através de você, como se eu não pudesse atender uma maldita ligação!

Ela nem mesmo se moveu diante da minha explosão, como se ela já esperasse por aquilo.

— O que está acontecendo, Bertha? Por favor, me diz! -Repeti com os olhos cheios de lágrimas.

Bertha se aproximou tomando o meu rosto entre suas mãos e me puxando para um abraço segundos depois.

— Não posso, meu bem. Ele só me pediu para te passar esse recado, nada mais.

— Como vou poder ajudá-lo se não tenho a menor ideia de como fazê-lo?

Engasguei com as minhas próprias palavras e fui apertada ainda mais forte contra o seu corpo.

— Eu falei com Viktor e ele me garantiu que conversaria com você assim que chegasse para explicar sobre o seu atraso, está bem?

Balancei a cabeça me sentindo uma idiota por chorar no colo de uma mulher que tinha muito mais com o que se preocupar, no entanto, ela não parecia se importar com fazer o papel de mãe por alguns minutos.

E apesar de estar morrendo de vergonha, ficamos na mesma posição por mais um tempo antes de que tudo começasse a parecer íntimo demais.

— Obrigada, já sabe... pelo recado e tudo mais.

Bertha apenas balançou a cabeça e saiu da cozinha me deixando sozinha outra vez.

Continuei cozinhando para ver se me distraía, mas nada do que fizesse era capaz de tirar aquela ideia maluca da minha mente.

Eu sabia que algo não estava certo, podia sentir dentro de mim e me desesperava pensar que a qualquer momento aquela granada invisível seria detonada e eu não poderia fazer nada a respeito.

Meu peito se apertava cada vez mais conforme eu cortava os ingredientes, fritava a cebola ou fervia as massas.

Parecia que uma enorme bola tinha sido empurrada pela minha garganta me fazendo perder o ar em várias ocasiões.

A sensação de impotência começava a me dominar, a me fazer desejar que pudesse acabar logo com aquele sofrimento e poder tentar ser feliz de uma vez por todas.

Mas nada do que eu fizesse ou pensasse mudaria uma realidade que aparentemente já estava escrita.

Balancei a cabeça controlando as lágrimas para não ficar com os olhos inchados e quando terminei de montar a lasanha, resolvi tomar um banho para tirar o cheiro de comida do corpo e aproveitei para dar comida e carinho a Chess, que embora fosse independente na maioria do tempo, ainda amava ganhar mimos.

Depois de me vestir, coloquei o celular para carregar caso Susanna precisasse me ligar e como se ela soubesse que eu estava perto do aparelho naquele momento, ele começou a vibrar em cima da mesa me arrancando um suspiro desanimado.

Não sabia se queria falar com ela naquele momento, porém minha amiga não tinha culpa de nada e talvez fosse até bom conversar com alguém alheio à toda aquela merda para me distrair um pouco.

Então antes que pudesse me arrepender, sem nem mesmo olhar para a tela, atendi a ligação colocando a chamada no viva-voz para escutá-la sem precisar usar as mãos.

— Olá, Susy. Quais as novidades? -Indaguei enquanto abotoava a blusa de frio que decidi colocar por cima da roupa, já que a noite estava um pouco fresca.

Finalmente consegui te achar, Medina. -Uma voz completamente diferente da da minha amiga soou do outro lado da linha fazendo todo o meu corpo se arrepiar e não de um jeito bom.

— H-harvey? C-como...? -Afastei o celular para ver o nome que aparecia na tela e em vez do de Susy, haviam apenas números desconhecidos.

— Isso não é muito relevante no momento, Alícia. Eu liguei porque preciso mesmo falar com você.

Me sentei em uma cadeira, meu coração batendo tão rápido quanto era humanamente possível.

Nesse momento o mundo começou a girar ao redor de mim e minha respiração falhou temendo que ele fosse me levar para a prisão e me afastar das pessoas que eu amava através do telefone.

— Escuta, Harvey, eu estou quase conseguindo provar a minha inocência... só preciso de mais tempo, eu...

Balbuciei entre lágrimas e soluços, no entanto, parecia como se tudo aquilo não significasse nada para ele.

— Alícia, eu sei que você é inocente e tudo mais e embora pudesse te prender agora se fosse da minha vontade, na verdade eu queria entrar em contato para te alertar.

Franzi o cenho sentindo aquele aperto no peito outra vez.

— O que quer dizer com isso?

— Viktor não é quem você pensa. -Ele foi direto ao ponto, como era acostumado. — Pode até pensar que está segura aí na sua mansão impenetrável, mas é o contrário.

— Eu o conheço há anos, Viktor não me machucaria. -Rosnei sentindo uma necessidade insana de defendê-lo apesar de estar muito brava com o idiota.

— Como pode ter tanta certeza?

— Porque ele me ama, porra! -Apertei os lábios ao perceber que estava sendo uma idiota sem nenhum motivo.

Eu não queria causar aquela confusão e piorar ainda mais a minha imagem com a polícia, mas também não podia permitir que falassem de Viktor sem ele estar ali para se defender.

— Pode até ser, mas isso não o impediu de cometer um crime no passado e temo que não vá impedir agora.

— Que diabos está tentando me dizer, Harvey?

— Ele te contou como os seus pais morreram? -Levei uma mão até o rosto tampando minha boca ao notar que de fato não, ele nunca sequer mencionou o acidente até poucos dias atrás.

— Foi... foi um acidente de carro... eles perderam o controle por culpa de um animal que apareceu na pista. Eu estava no velório deles... -Cuspi toda a informação que eu sabia e as que havia descoberto graças ao que tinha investigado nos arquivos da segunda divisão.

— Isso foi o que ele me pediu para colocar no seu arquivo, Alícia.

— O-o quê?

— Viktor cortou os freios do carro do pai para que ele batesse de propósito, ele só não esperava que a mãe fosse estar junto com ele no dia do acidente.

— Está mentindo! -Meu grito ecoou dentro do quarto e Chess veio ao meu encontro se esfregando na minha perna sem saber o que estava acontecendo, mas mesmo assim tentando me tranquilizar.

— Ele não tinha um bom relacionamento com o pai, Medina. Os dois passavam o tempo inteiro brigando, sua mãe era a intercessora, mas você sabe que nem sempre as relações podem ser consertadas com um abraço e um aperto de mãos.

De repente lembranças da nossa infância começaram a pipocar dentro da minha cabeça e encostei na parede, meu corpo deslizando lentamente até chegar no chão.

Viktor quase não gostava de ficar em casa, sempre que eu o via com seu pai eles pareciam discutir ou ele ficava extremamente sério na sua presença.

Sem contar que ele tinha me contado exatamente isso quando eu lhe mostrei o livro que encontrei na sua casa que estava revirada quando eu entrei.

Deus, como eu pude ser tão cega?

Todos os sinais estavam ali na minha frente e eu me recusei a enxergá-los.

Mas mesmo assim eu ainda não conseguia acreditar que Viktor realmente fosse capaz de fazer algo tão terrível.

Não, devia haver alguma explicação.

— Alícia, eu estou te contando tudo isso para que você entenda que deve deixar esse lugar o mais rápido possível. Não está segura aí.

— Eu não... eu não posso. Ainda não.

— De policial para policial, esse homem é imprevisível quando está sob pressão. Ele é capaz de quebrar tudo ao seu redor e é difícil controlá-lo nesse estado.

Lembrei do que Bertha contou sobre o seu quarto na Alemanha e depois do que ele mesmo disse sobre sua casa ao lado da dos meus pais.

Tudo aquilo parecia encaixar, mas nada fazia sentido.

Era como se eu estivesse tentando montar um quebra-cabeças com peças de outro jogo.

Apertei meu peito tentando respirar.

Eu precisava de ar.

Porra, eu precisava de uma maldita explicação.

— Se tudo o que está me dizendo é verdade, por que não o condenou como devia ser? Você é a porra de um delegado!. -Sussurrei com o resto de força que possuía.

— Porque nós... -ele engoliu em seco — nós fizemos um trato.

Meus dedos se embrenharam nos cabelos curtos, penteando-os para trás.

Merda.

— Que tipo de trato? -Indaguei com a voz trêmula.

— Gabriel Schultz e eu éramos bons amigos e Viktor me garantiu que ele não tinha noção do estrago que iria causar, que só queria assustar seu pai e me pediu desesperado para que eu não o levasse para a prisão.

— Caralho...

— Então o seu tio me ligou e me disse que cuidaria dele na Alemanha até que a poeira baixasse. Eu sei que não fiz o correto, Alícia, mas eu prometi a Gabriel que cuidaria do seu filho se algo lhe acontecesse. -Ele continuou e uma tontura repentina fez meu estômago se revirar.

Me levantei rapidamente e comecei a guardar todas as minhas coisas de volta na bolsa que havia trazido do meu apartamento.

Chess observava a cena com curiosidade, talvez chegando à conclusão de que a dona estava louca.

— Eu não liguei antes porque não sabia o seu número e não podia entrar aí, afinal de contas, sei que não seria bem recebido, mas quero te ajudar, Alícia. Posso te colocar em um programa de proteção até que as investigações terminem e você fique livre e.

— Obrigada, Harvey, mas eu consigo me virar sozinha. -Encerrei a ligação antes de jogar o telefone pela janela, produzindo um barulho seco ao golpear o chão.

Como eu pude ser tão cega?

Era por isso que ele estava estranho.

Por isso que quase surtou quando viu o livro ou quando ficou sabendo que eu entrei na sua casa.

Porque ele tinha medo que eu descobrisse o seu segredo.

Agora eu entendia porque praticamente a cidade toda o temia.

Estava na minha cara o tempo todo.

Se Viktor era capaz de matar os próprios pais, ele poderia fazer qualquer coisa, então ninguém se metia com ele.

Todos esses anos longe não tinham nada a ver com o luto.

Viktor estava fugindo.

— Me desculpe, Chessy, mas terá que ficar apertada até conseguirmos sair da mansão. -Deslizei o zíper da mochila de transporte acompanhada dos miados de reclamo da gata.

Ela odiava viajar assim, no entanto, eu só tinha a minha moto e abri mão de várias peças de roupa para poder levá-la comigo.

Jamais teria coragem de deixá-la ali.

Vesti uma calça de moletom e uma blusa de frio pretas, o tênis mais confortável que tinha e peguei todos os meus documentos colocando-os em um dos bolsos vazios.

Meu coração pulava dentro do peito conforme eu lembrava de todos os momentos bonitos que passei ao lado de uma pessoa que pensei conhecer, mas que me enganou direitinho.

Eu realmente continuava sendo uma maldita ingênua no final das contas.

— Alícia? O que é tudo isso? -A voz rouca me paralisou e respirei fundo antes de me virar rezando para que ele não ficasse alterado.

— Estou indo embora.

— Por quê? Aconteceu alguma coisa? -Viktor tentou me tocar, mas sua mão ficou suspendida no ar quando eu dei alguns passos para trás.

— Só... não faça disso um problema, por favor.

Meu corpo inteiro tremia e eu rezava para que ele não percebesse como eu estava aterrorizada.

— Fazer um problema? Mas o quê... olha, se está brava porque me atrasei para o jantar, não foi minha culpa, eu...

— Não é nada disso.

— Então o que é? -Seus dedos conseguiram chegar até o meu rosto e o encarei com os olhos marejados. — Me diz o que está acontecendo...

A pouca paciência que eu tinha foi para o ralo ao perceber que ele não admitiria nada.

Que continuaria mentindo até que não restassem mais dúvidas.

Conte uma mentira mil vezes e ela se tornará verdade.

No final das contas, o ditado parecia ser certo.

E eu não podia ir embora calada.

Ele precisava aprender a se abrir e se fosse preciso virar aquela maldita mansão de ponta cabeça, pois eu faria isso e muito mais.

— O que está acontecendo, Viktor, é que aparentemente depois de todos esses anos você ainda insiste em pensar que eu sou uma criança ingênua.

— Por que está me dizendo essas coisas? -Seu olhar escureceu e por um milésimo de segundo eu temi pela minha vida embora algo dentro do meu peito me dizia para ficar tranquila, que ele não me machucaria.

— Porque você teve a coragem de mentir para mim.

— E-eu não estou te entendendo, amor. -Ele tentou se aproximar outra vez, mas eu fui mais rápida e praticamente corri para o outro lado do quarto.

— Falei com Harvey. -Eu disse simplesmente enquanto olhava diretamente nos seus olhos.

Eu precisava vê-lo ficar ofendido com a acusação, precisava que ele brigasse comigo, que dissesse que eu estava louca, qualquer coisa serviria.

Qualquer coisa me faria acreditar nele.

No entanto, não foi nenhuma dessas reações que eu obtive.

O que Viktor fez foi arregalar os olhos como quando alguém é pego em flagrante e em vez de todas as palavras que pensei que sairiam pela sua boca, ele me apenas me deu a confirmação de que de fato, Harvey não mentia.

— Merda... 

NOTA DO AUTOR
Como tinha prometido, aqui está o segundo cap de hoje ;)
Espero que tenham gostado, 
não se esqueçam de votar e comentar 
senão vou deixar vcs sem cap umas 2 semanas kkkkkkkk
(brincadeirinha.... ou não)

Amo vcs 🥰
Bjijnhossss BF 🖤🖤

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