Capítulo 18
JÁ HAVIA passado quase uma semana e Viktor ainda estava estranho comigo.
Até tentei pedir desculpas algumas vezes, mas ele me dispensou em todas elas como se eu não passasse de um enorme pedaço de nada.
E isso me deixou com um sabor amargo na boca e um peso no peito ao não saber até quando ele continuaria com aquela birra comigo.
Porque, por mais estranho que fosse, eu sentia falta da sua proximidade.
Quero dizer, não que havíamos voltado ao que éramos quando crianças, mas bem quando nós começamos a nos levar melhor eu estraguei tudo por ser tão estúpida.
Depois de ver a gravação do bar, ele simplesmente sumiu.
Só aparecia tarde da noite, sempre com aquela expressão no rosto que dizia um dê o fora daqui, não quero conversa sem nem mesmo pronunciar uma palavra.
E meu peito pesava tanto que já não aguentava mais.
Ty também não me disse nada sobre o vídeo ou se eles tinham descoberto algo e eu estava quase usando as táticas de persuasão que aprendi no curso para detetive para ver se conseguia algo, qualquer coisa que fosse.
Meu nível de estresse já ultrapassava o limite do aceitável e todas as noites eu só pensava em ir até o quarto de Viktor e me deitar ao seu lado para dormir tranquilamente como das outras vezes.
E para evitar fazer uma loucura como essa, eu comecei a dar voltas pela mansão, conhecer cada cômodo, conversar com os funcionários...
Tudo para gastar toda a minha energia e não ter tempo de pensar como Viktor é lindo e como eu gostaria de sentir o peso das suas coxas grossas sobre as minhas.
Era um maldito ciclo vicioso.
Quanto mais eu tentava não pensar no cara, mais ele dominava minha mente ao ponto de me fazer gozar até nos meus sonhos.
Droga de homem gostoso do caralho. -Pensei enquanto prestava atenção para não tropeçar.
As pedras rangeram sob os meus pés conforme eu caminhava pela parte de trás da ala leste e fiz uma careta já que odiava esse barulho.
Alguns pássaros cantavam desde as inúmeras árvores espalhadas pela propriedade e respirei fundo, deixando que o ar fresco limpasse meus pulmões contaminados por todo o gás carbônico da cidade.
O sol de meia manhã queimava minhas bochechas me fazendo agradecer a mim mesma por ter me lembrado de passar um protetor solar.
Não estava afim de ter a pele de uma senhora de sessenta anos, pelo menos por enquanto.
— Bom dia, senhorita Medina. -Um dos guardas me cumprimentou ao passar por mim enquanto fazia a sua ronda diária.
— Olá, Jack. Lindo dia para um passeio, não é mesmo? -Devolvi sem parar de andar e ele sorriu sabendo muito bem o que eu fazia.
Desde que cheguei, senti curiosidade por aquela área.
Havia um pequeno galpão que eu sabia que era uma garagem para os carros dos funcionários e ao lado ficava uma salinha onde eles podiam servir café, alguns bolinhos e até mesmo ver televisão nas suas horas de descanso.
Bertha tinham me falado sobre praticamente cada canto da casa, porém nunca havia me interessado em ir conferir pessoalmente como eram.
Até aquele momento.
Andei mais um pouco, parando na porta da garagem e sentindo uma curiosidade repentina de saber que modelos Viktor guardava ali dentro.
Os carros que vi no cassino eram todos modelos de luxo, porém de uso dos seus seguranças ou pelo menos foi o que ele me disse.
Mas e se esses fossem de coleção?
Eu realmente gostava de motos e carros, então era quase como se eles estivessem me chamando desde o interior: venha, Alicia, estamos ansiosos para conhecê-la.
E não era de bom tom deixá-los esperando, não é mesmo?
Coloquei a mão em uma das barras de ferro do portão e o empurrei para o lado abrindo o espaço necessário para que meu corpo passasse sem problemas.
Uma poeira densa subiu quando eu entrei e expirei bruscamente várias vezes em uma tosse seca, meus olhos se enchendo de lágrimas por conta do ardor da minha garganta.
Arrastei o olhar pelo interior pouco iluminado franzindo o cenho ao não encontrar muita coisa ali dentro.
Certamente os carros estavam sendo usados naquele momento, por isso só haviam quatro SUVs do mesmo modelo que a de Ty e a moto de Viktor estacionada ao lado de uma bem parecida com a minha.
Levantei uma sobrancelha em curiosidade.
Era até engraçado.
A mesma cor, modelo e inclusive o adesivo de gatinho no paralamas.
Um momento.
Aquela era a minha moto.
— Queen Bee! -Gritei animada enquanto corria até ela com o coração pulando como louco dentro do peito e deixei escapar suspiro emocionado ao encontrar com meu bebê bem ali na minha frente.
Meus olhos não podiam acreditar no que estavam vendo.
Aquele maldito a manteve aqui durante todo esse tempo sem me dizer!
Ah, mas ele iria escutar umas poucas e boas.
Só que antes, eu iria matar a saudade da minha garota.
Comecei a procurar desesperadamente pela chave, percebendo minutos depois que havia um quadro em uma das paredes ao lado da entrada com vários ganchinhos onde as chaves estavam penduradas bem diante do meu nariz.
Corri outra vez até o quadro e procurei pelo chaveiro de gatinho, uma cópia perfeita do rosto da Chess.
Voltei para a moto tão rápido quanto antes e quando coloquei a chave na ignição e dei a partida produzindo aquele estrondo que só ela era capaz de fazer e que ficou ainda mais potente pelo eco do galpão, senti cada pêlo no meu corpo se arrepiando.
Meu coração batia cada vez mais acelerado e passei a perna para o outro lado sentando no banco de couro sabendo que não havia volta atrás.
Eu não a deixaria ali sozinha.
Não mais.
Acelerei sem sair do lugar e um sorriso se formou imediatamente nos meus lábios.
— Você me paga Viktor Schultz. -Disse baixinho alisando o guidão emborrachado.
Eu o odiava e ao mesmo tempo queria lhe dar um beijo por não ter deixado que minha bebê ficasse abandonada no meu apartamento.
Ela provavelmente seria roubada ou, no pior dos casos, levada até a delegacia e não gostava nem de pensar no que aqueles bárbaros fariam com ela.
Deus, eu precisava dar uma volta.
Será que ele ficaria bravo comigo?
Dei de ombros.
De todas maneiras, não iria fazer nenhuma diferença, já que ele estava me evitando e nem notaria que eu saí com Queen Bee.
Me movi com cuidado até o portão e desci apenas para poder abri-lo mais até que pudesse passar com a moto.
Não me preocupei em colocar um capacete já que não estava na cidade e convenhamos, ninguém me colocaria uma multa e eu nem mesmo seria capaz de deixar daquela propriedade gigantesca.
Fechei o portão ao sair e rumei até uma estrada lateral que levava para os fundos dos domínios de Viktor, segundo o que Bertha tinha me comentado.
Como era um caminho em linha reta, aproveitei para acelerar ao máximo, deixando que a adrenalina corresse pelas minhas veias queimando todo o meu corpo, me fazendo quase chorar de emoção.
Um sorriso invadiu meus lábios ao me sentir livre depois de tanto tempo, como quando dirigia até o trabalho sem nenhuma preocupação além de prender os verdadeiros criminosos.
Era uma sensação tão instigante, tão maravilhosamente quente que era quase como transar com alguém em alta velocidade.
Continuei acelerando, levando Bee a dar o máximo de si, deixando um rastro de poeira para trás conforme eu avançava sem parar.
Tudo aquilo era como um sonho.
Uma realidade onde eu podia desfrutar da minha moto sem medo de ser presa.
Até mesmo o clima parecia estar colaborando.
O céu limpo sem nenhuma nuvem, os pássaros voando ao meu lado como se quisessem apostar uma corrida comigo.
E quase morri de amores quando vi um pequeno bezerrinho correndo atrás de mim do outro lado da cerca que delimitava a área onde ele devia permanecer.
Será que Viktor também possuía criações de gado?
Não seria nada raro.
Pessoas milionárias sempre diversificavam seus negócios.
Já haviam passado quase vinte minutos e eu ainda não tinha chegado no final das suas terras.
Avancei mais alguns quilômetros e diminuí a velocidade franzindo o cenho ao avistar um pequeno galpão literalmente no meio do nada.
O fato daquela estrutura estar ali não me chamou a atenção, afinal de contas, com o tamanho das suas terras, Viktor certamente devia armazenar coisas ali caso precisasse sem ter que ir até a mansão.
Não, o que parecia muito estranho e fora de lugar eram os dois carros estacionados de qualquer jeito ao lado da porta, um deles com certeza pertencia a Ty e o outro era diferente, bem mais luxuoso.
Um modelo que pertencia a alguém bem rico.
A alguém como Viktor.
Estacionei a moto há alguns metros de distância, desligando-a com cuidado para não fazer barulho e caminhei o resto do caminho me aproximando devagar.
Não havia ninguém do lado de fora, os carros estavam vazios e trancados e conforme eu me aproximava da porta, escutei barulhos de socos e de gemidos desesperados.
O que diabos estava acontecendo ali?
Meu instinto de detetive me deixou em alerta ao escutar um grito doloroso e rezei para todas as divindades que não me descobrissem e me dessem o mesmo destino que o pobre que estava apanhando.
Não estava afim de ser mais uma estatística do obituário tão cedo.
— Você sabe o que acontece quando tentam mentir para mim, Iván. -Fiz uma careta tentando reconhecer a voz abafada enquanto procurava um buraco ou até uma fresta para poder ver o que ocorria ali dentro.
— Já te disse tudo o que sei, Viktor. Eu juro para você que não aconteceu nada além do que te contei. Eu não a toquei, foi apenas aquela mulher... minhas mãos nunca deixaram o volante para o caso de precisarmos fugir. -Mas que porra? Viktor?
Dei mais alguns passos fazendo o mínimo de barulho e quando encontrei uma fresta entre uma das janelas na parede de madeira velha, não podia acreditar no que via.
O que ele estava fazendo?
E por que aquele cara estava sendo interrogado daquela maneira?
Viktor segurava uma adaga nas mãos, girando a lâmina entre os dedos em uma pose completamente ameaçadora enquanto Ty vigiava um homem amarrado em uma cadeira e que supus ser o tal Iván.
Iván tinha um aspecto horrível.
Os olhos inchados quase se fechando de tanto apanhar, o lábio inferior cortado com sangue seco dos lados e o nariz torto provavelmente quebrado.
Viktor por sua vez estava sem o terno e a camisa enrolada até os cotovelos, deixando à mostra várias das suas tatuagens e possuía uma aparência desalinhada bem inusual.
Os cabelos levemente despenteados, os nós dos dedos feridos por conta dos socos desferidos e uma postura cansada porém alerta.
A hostilidade no seu corpo era quase gritante, seu olhar fuzilava o homem sentado na sua frente e seus dedos apertavam o cabo da adaga com tanta força que não sei como ele não se partiu em dois.
— Será que vamos ter que passar mais uma noite aqui ouvindo esse papo furado? Ou você prefere que eu acabe com esse nosso encontro de uma vez? -Viktor se aproximou devagar, abaixando o rosto até ficar na altura do seu refém e prendi minha respiração. — Porque eu poderia fazer isso e tenho certeza de que seria bem mais divertido para mim do que para você. -Iván engoliu em seco com os olhos arregalados. — Mas hoje eu estou de bom humor, então vou te dar um voto de confiança e acreditar que está me dizendo a verdade, no entanto, você só precisa me falar quem foi que te contratou e te deixarei ir.
Franzi o cenho confundida.
Quem era aquele cara?
— Sabe que se eu fizer isso, sou um homem morto, cara.
— Você já é um homem morto, Iván. A diferença é que se cooperar comigo, eu prometo que vou pegar leve. Não como aqueles ratos de esgoto dos Red Demons. -O homem pareceu relaxar por alguns segundos, até que Viktor se virou para Ty fazendo um sinal com a cabeça.
O segurança desamarrou um dos braços do cara e o estendeu em cima de uma mesa ao seu lado, segurando sua mão aberta sobre a madeira suja.
— O-o que vai fazer? -Iván indagou com a voz entrecortada, os olhos arregalados em medo puro.
— Não se preocupe, só vou igualar a sua outra mão, vai ser rápido. -Viktor abriu um sorrisinho sinistro ao responder, como se estivesse de fato gostando de ver o terror no olhar do homem à sua frente.
— P-por favor, cara, não faça isso! Vai se arriscar assim por uma vadia? Já te disse que não a toquei, ela nem mesmo faz o meu tipo...
— O que acabou de dizer?
Ty negou com a cabeça soltando uma risadinha do tipo: oh não, você não deveria ter feito isso.
Viktor então espremeu o queixo do homem aproximando seu rosto do dele com os dentes tão apertados que seria um milagre eles não terem se quebrado em pedacinhos.
Toda aquela cena era surreal, como se fosse tirada de um sonho, ou melhor, de um pesadelo.
Mas o mais incrível, era que eu apertava minhas pernas com força para tentar não pensar em como ver Viktor agindo daquela maneira me provocavam sentimentos contraditórios de medo e excitação, por mais que soubesse que o que ele fazia era ilegal.
— E-eu não quis... -Iván pareceu perceber a besteira que havia cometido quando seus olhos se arregalaram tanto que parecia que iria desmaiar a qualquer momento.
— De todas maneiras, não importa. Que isso sirva de aviso para que saibam que não devem se meter comigo. -Meu coração palpitou dentro do peito conforme Viktor levantou a adaga a alguns centímetros em uma posição de guilhotina e a desceu com força cortando o dedo mindinho do cara em um golpe certeiro.
O sangue começou a jorrar pela mesa manchando a madeira e o chão de um vermelho carmesim.
Ty observava tudo tranquilo acostumado com a cena enquanto Viktor limpava a lâmina com um pedaço de pano sem nem mesmo se abalar.
O que era tudo isso?
Parecia como se eu tivesse sido transportada para dentro de um filme de terror e finalmente compreendi que tudo o que eu sabia sobre Viktor, eram lembranças de quando éramos apenas crianças.
Lembranças de uma época que não existia mais.
Tudo pareceu girar.
Viktor tinha acabo de cortar o dedo de um cara a sangue frio.
Os gritos do tal Iván se misturaram ao meu graças ao susto e o medo e a única reação que tive foi sair correndo dali o mais rápido que minhas pernas conseguiam naquele momento.
Meu estômago se revirava a cada passo desajeitado que eu dava na direção da minha moto, contudo, eu não podia parar para vomitar.
Viktor era muito mais perigoso do que eu imaginava.
E saber disso, era como se uma mão invisível apertasse meu coração sem dó.
— Alícia, espera! -Olhei para trás me assustando ainda mais ao vê-lo correndo atrás de mim com uma expressão estranha nos olhos azuis e acabei perdendo o equilíbrio indo de cara para o chão, meu corpo inteiro se enchendo de sujeira e pasto seco quando rodei algumas vezes pela estrada de terra batida.
Graças à adrenalina que não me permitiu sentir dor, me levantei rapidamente e terminei de chegar até minha moto, agradecendo o fato de ter deixado a chave na ignição, porque minhas mãos tremiam tanto que, do contrário, eu não teria sequer conseguido ligá-la.
Voltei para a mansão pilotando como uma maluca e devo ter feito o caminho na metade do tempo, tamanho meu desespero para chegar.
Nem sequer me preocupei em estacionar direito a moto e pulei dela antes mesmo que o motor terminasse de desligar.
Alguns guardas me lançaram olhares atravessados e curiosos, mas não estava nem aí para eles.
Eu precisava sair dali.
Corri para o meu quarto e comecei a retirar as roupas das gavetas e a enfiar de qualquer jeito dentro das bolsas.
Chess observava tudo com os olhinhos assustados e lágrimas se formaram nos meus olhos ao perceber que ela não entendia nada do que estava acontecendo.
— Vai ficar tudo bem meu amor. Não precisa se preocupar. -Acariciei suas orelhinhas sem parar de tremer antes de voltar a juntar todas as minhas coisas para dar o fora o quanto antes.
Eu estava aterrorizada.
As imagens de Viktor decepando o dedo daquele homem me assombravam a cada segundo e me faziam cogitar a possibilidade dele ser capaz de fazer coisas muito piores.
Deus, aquilo não era bom.
Não era nada bom.
Passei pouco mais de um mês vivendo na sua casa, comendo a sua comida e fazendo de conta que ele ainda era meu amigo, meu vizinho que escutava atentamente cada um dos meus segredos.
Como eu cheguei a pensar que ele continuaria sendo o mesmo depois de quinze anos?
Depois de saber que ele tinha uma maldita casa de prostituição.
Era muita ingenuidade da minha parte.
Eu quis acreditar no que eu mesma idealizei na minha cabeça e por isso era a única culpada por estar onde estava.
Fechei o zíper da bolsa com força e fui até Chess para tentar colocá-la na sua casinha de transporte.
Não fazia ideia de como a levaria na moto, mas eu daria um jeito.
A gata ao me ver com todas as tralhas na mão, se escondeu debaixo da cama como sempre fazia quando eu precisava levá-la para o veterinário.
Ela odiava a caixinha e devia estar ainda mais temerosa pelo meu estado abalado.
— Vamos Chess, não temos muito tempo! -Rosnei tentando puxar a sua patinha debaixo da cama quando avistei um par de sapatos sociais do outro lado.
— O que diabos pensa que está fazendo? -A voz de Viktor fez meu estômago se contorcer e respirei fundo.
Optei por não responder nada e continuar tentando pegar Chess que foi ao seu encontro assim que o viu.
Me levantei em um pulo e quase solucei ao ver como ele segurava minha gata no colo com as mãos ainda ensanguentadas.
— Me devolva a Chess, por favor.
Pedi em um murmuro baixo, no entanto, ele não obedeceu.
— O que são essas malas, Alícia?
— São minhas roupas. Estou indo embora. -Expliquei sem vontade de inventar uma mentira.
Ele não acreditaria em mim de qualquer maneira.
— O que... por que está fazendo isso?
Seu olhar se dividia entre preocupação e raiva.
Talvez preocupado pelo que eu pensaria ou se iria denunciá-lo e furioso por ter sido pego em um momento tão particular.
Cruzei os braços na frente do meu corpo em uma tentativa de parar de tremer e soltei uma longa respiração para me acalmar.
— Você ainda tem a cara de pau de fazer essa pergunta?
Viktor colocou Chess no chão com cuidado e veio na minha direção pelo que dei alguns passos para trás ainda assustada com tudo o que estava acontecendo.
— Você... você viu algo que não deveria e eu entendo o seu medo. -Ele começou me arrancando uma gargalhada nervosa. — Mas acredite quando te digo que aquele cara merecia muito mais... por favor, não tire conclusões precipitadas sobre mim.
Apertei a alça da bolsa em busca de apoio enquanto disfarçadamente me movia até a porta do quarto.
— Viktor, você literalmente decepou o dedo de uma pessoa. Como achou que eu ficaria depois de te ver praticando uma atrocidade dessas?
— Só me escuta, Alícia! Me deixa te explicar porque fiz aquilo.
— Oh, como você explica para alguém que usou uma adaga para cortar uma parte da mão de um cara? Eu estou indo embora e não há nada que você possa fazer para me impedir. -Declarei com mais convicção do que realmente sentia.
— Todos aqui estão ao meu serviço, ninguém vai te deixar sair. Basta apenas uma palavra minha para que te tragam de volta. -Arfei diante da sua arrogância.
— Não pode me manter aqui contra a minha vontade.
— Quer pagar para ver? -Sua voz ficou ainda mais sombria e tremi mais uma vez como se um terremoto estivesse me atingindo.
Eu não disse nada.
Não me atrevi a mover um fio de cabelo sequer.
Meu corpo paralisou por completo e eu não conseguia nem mesmo piscar.
Chess se aproximou dos meus pés parecendo perceber que eu estava à beira de um ataque de pânico, no entanto, nem mesmo seus miados foram capazes de frear as lágrimas que escorriam pelas minhas bochechas frias como mármore.
Viktor arregalou os olhos ao notar como a sua frase soou perigosa e seus pés se moveram até parar bem na minha frente.
— Por Deus, Coelhinha, não foi isso que eu quis dizer... -Sua mão se levantou com a intenção de tocar meu rosto, mas ao ver que eu estava petrificada, ele desistiu no meio do caminho, o braço musculoso e ensanguentado caindo pesado ao seu lado.
— Eu... eu não te conheço mais, Viktor. Não faço a menor ideia de quem você é, mas definitivamente não é mais o meu amigo. -Murmurei com a voz robótica. — E o pior de tudo, é que eu mesma me enganei ao pensar que ainda havia aquela bondade aí dentro. -Apontei para o seu peitoral e ele se afastou alguns centímetros, se dobrando levemente como se tivesse levado um soco na boca do estômago.
— Não faça isso, Alicia.
— O quê?
— Não me julgue outra vez. Não sem saber toda a verdade.
— Me desculpe, eu não... eu não posso lidar com toda essa merda agora. -Deixei a bolsa escorregar do meu ombro caindo no chão de qualquer forma e saí do quarto caminhando até a piscina sem olhar para trás.
Viktor não me seguiu dessa vez e eu finalmente pude respirar aliviada.
Me sentei em uma das cadeiras e no momento em que aquela injeção de adrenalina finalmente se dissipou, as lágrimas me inundaram como um tsunami salgado.
Meu corpo se sacudia com os soluços e esfreguei meus braços com força para tentar apagar as imagens daquele dedo sendo cortado da minha mente.
Eu já tinha visto coisas muito piores durante os anos que trabalhei como detetive, mas porra, uma coisa era ver fotos de ferimentos causados por criminosos que eu nem mesmo conhecia e outra muito diferente, era ver alguém que pelo qual eu tinha um sentimento, mesmo que confuso, cometendo um crime ao vivo e a cores.
Tudo o que eu via era vermelho e mais vermelho.
— O que aconteceu meu bem? Vi que você chegou alterada e logo depois Viktor apareceu todo ensanguentado... -Bertha se sentou ao meu lado alguns minutos depois segurando minha mão que ainda tremia sem parar.
— Com todo respeito, mas eu acabei de descobrir que Viktor é um filho da mãe que adora cortar dedos de desconhecidos. -Sussurrei envergonhada ao ver como suas sobrancelhas se levantaram ao me escutar lutando para conseguir falar sem soluçar.
Será que ela sabia que Viktor era assim? Ou ele reservava aquela personalidade apenas para Ty e seus outros capangas?
Por Deus, Ty...
Ele era meu único amigo.
Ou eu pensava que era, pelo menos.
Ninguém aqui era de fiar ao que tudo indicava.
— Hum certo...-Bertha disse baixinho — sabe, uma vez quando Viktor e eu ainda vivíamos na Alemanha, ele me viu chegando para trabalhar na casa do seu tio com um olho roxo e o lábio cortado. -Respirei fundo apertando as pálpebras. — Não faz ideia de como ele ficou furioso. Queria ir pessoalmente arrebentar a fuça do meu ex namorado. -Uma risadinha nostálgica escapou pelos seus lábios pintados com o batom vermelho como de costume.
— Droga Bertha, eu sinto muito... -Engasguei tentando não chorar outra vez.
— Está tudo bem, meu anjo. Não quero que sinta pena de mim, só que entenda que Viktor não é uma má pessoa. -A confusão me atingiu em cheio e elevei uma sobrancelha em uma pergunta silenciosa. — Ele pode até não ter métodos tão ortodoxos para resolver os seus problemas, mas ele só quer fazer as coisas bem. Como te disse antes, dê uma chance para que ele se explique. Tenho certeza que vai entender os seus motivos, assim como fez com relação ao seu clube privado.
Meu queixo se moveu para cima e para baixo em um aceno triste.
— E se o que ele me falar não me convencer? O que vou fazer? Viktor deixou bem claro que não vai permitir que eu vá embora.
— Eu mesma me certificarei de te levar até o portão.
Seu olhar duro indicava que ela estava falando muito sério.
— Ok.
Me levantei em um pulo e voltei para o quarto a passos firmes decidida a escutar o que Viktor tinha para me falar e ver se aquilo era o suficiente para me manter ali.
A cada metro que eu percorria, meus batimentos ficavam ainda mais fortes e minha mente dava voltas e voltas.
Eu respirava fundo sem parar, precisava estar atenta ao que ele me diria. Não podia fazer algo idiota como desmaiar, por exemplo.
Atravessei o corredor com as pernas bambas e coloquei a mão na maçaneta fria da porta do meu quarto abrindo-a devagar como se algum animal fosse pular em cima de mim a qualquer momento.
— Viktor? Está aí? -Sussurrei enfiando apenas minha cabeça para dentro sem obter nenhuma resposta.
Será que ele tinha voltado para o galpão?
Não.
Ele não correria o risco de sair e me deixar escapar.
Demorei alguns segundos para chegar à conclusão de que ele deveria estar no seu próprio quarto e antes que desistisse da ideia, andei até parar na sua porta dando leves batidinhas na madeira marrom.
Ele também não respondeu.
Droga.
Eu não podia recuar, não agora.
Munida de uma coragem repentina, empurrei de leve a sua porta e quando escutei o barulho do chuveiro meus pés se moveram para dentro como se tivessem vida própria.
Era tudo ou nada.
Ou eu falava com ele naquele instante ou perderia a chance e ficaria com a dúvida para sempre.
E eu sabia que me arrependeria dessa decisão, mas não tinha como voltar atrás.
Era como um trem desgovernado prestes a colidir contra uma parede.
Uma parede musculosa e tatuada.
— É agora ou nunca. -Recitei para mim mesma antes de abrir a porta do banheiro e entrar com uma confiança invejável, como se fizesse isso todos os dias.
— Você tem cinco minutos para me explicar porque cortou o dedo daquele cara. E não ouse mentir para mim.
— Alicia? Mas que porra é essa!? -Viktor exclamou desconcertado. — O que deu na sua cabeça?
— Conversei com Bertha e ela me disse para te dar uma chance de se explicar, então aqui estou. -Respondi ficando de costas para o box que apesar de ser escuro, ainda permitia distinguir a sua silhueta perfeitamente.
— Tudo bem, mas não podia esperar que eu terminasse de tomar banho? -Sua voz estava abafada por conta da água que não parava de cair do chuveiro e naquele momento eu percebi que tinha cometido um erro terrível.
— Não, Viktor. Se eu esperasse, você teria tempo de inventar alguma desculpa esfarrapada e não quero mais ser passada para trás.
Uma respiração pesada soou dentro do banheiro e eu esperei pacientemente que ele começasse a falar.
— Antes de mais nada, eu quero me desculpar pelo que você viu. -Puxei o ar com força. — Não era para ter presenciado aquela cena, Alicia.
— Jura? -Debochei nervosa.
— Estou falando sério. Você não faz a menor ideia de quem é aquele homem. Eu... eu perdi o controle, eu sei, mas foi por uma razão. -Sua voz instável deixou bem claro que ele estava vulnerável e por um instante me senti culpada por colocá-lo nessa situação.
Até lembrar do que havia visto mais cedo.
— Eu não entendo, Viktor. Você era meu amigo, um garotinho que não tinha coragem de machucar uma mosca e agora anda por aí machucando pessoas e talvez até fazendo coisas piores. Quem... quem é você? -Sussurrei com a voz trêmula me aproximando do box de costas sem ligar para o fato de que ele estava literalmente pelado do outro lado.
— Eu sabia que iria tirar conclusões sobre mim. Se você veio com uma opinião formada, o que quer que eu diga não vai te fazer mudar de ideia. Está perdendo seu tempo. -Me virei lentamente visando apenas encontrar os olhos azuis através do vidro fosco e engoli em seco sentindo um misto de raiva, arrependimento e curiosidade.
— Como você quer que eu aja depois do que vi, hã? Que te felicite pelo corte perfeito? Porra, Viktor, se coloque do meu lado da história um minuto! Eu sou uma policial, tratava desse tipo de cenários de uma outra perspectiva. Eu via tudo pelos olhos da lei e não do criminoso... -Finalizei baixinho e ele ficou em silêncio por vários minutos como se estivesse mastigando tudo o que eu havia acabado de falar.
Eu não tinha a menor intenção de magoá-lo, no entanto, tampouco podia fazer de conta que tudo aquilo era normal para mim ou que não estava afetada pela maneira que ele lidou tão calmamente com o cara amarrado.
O banheiro pareceu diminuir conforme nenhum dos dois falava nada e na minha mente vários pensamentos disputavam entre si, mas um deles se destacava em um repetição infinita.
Não olhe para baixo, Alicia.
Não olhe para baixo.
O chuveiro continuava ligado me fazendo desejar repreendê-lo por gastar tanta água, mas depois de um tempo, isso já nem importava mais.
Tudo aquilo era demais para mim.
Eu queria pensar que estava com a respiração acelerada por conta da expectativa pela sua resposta, mas no fundo eu sabia que não tinha nada a ver com isso.
Agora aquele erro parecia mais real.
Eu precisava sair dali antes que cometesse alguma besteira.
Como ele mesmo tinha sugerido, eu podia esperar que ele terminasse o banho, não é mesmo?
Eu podia...
A porta do box se abriu de repente e em um piscar de olhos suas mãos me puxaram para dentro fechando-a em seguida, minhas roupas ficando ensopadas tão rápido que não consegui sequer esboçar uma reação.
— Aquela criança ainda está aqui, Alicia. -Viktor levou minhas mãos até o seu peitoral e senti seus batimentos tão acelerados quanto os meus. — E todos os dias ela me lembra do que eu me tornei. -Engoli a bola que se formou na minha garganta me impedindo de respirar. — Eu não estou orgulhoso de mim mesmo, mas se disser que me arrependo por ter batido naquele idiota, eu estaria mentindo.
Porra.
De todas as coisas que pensei que ele diria, jamais imaginei que fosse ser sincero.
— P-por quê? -Indaguei em um fio de voz.
— Porque foi ele quem te levou quase inconsciente até a casa de Steven, depois até a sua casa e te carregou pelo edifício até te deixar na sua cama.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top