Capítulo 09

— Mas que porra é essa, Alicia? -Viktor esbravejou enquanto esfregava a bochecha avermelhada pelo golpe.

Eu podia ver a confusão e raiva escancaradas no seu olhar frio, mas para ser sincera, estava pouco me fodendo.

Ele merecia isso e muito mais.

A dor de um simples tapa não era nada comparada com a de um coração despedaçado e por mais que parecesse cruel da minha parte, eu queria que ele sentisse o mesmo que eu senti quando encontrei sua casa vazia depois do velório dos seus pais.

O aperto na garganta, a sensação de que o chão estava desabando debaixo dos seus pés e o pensamento irracional de que de alguma maneira eu era responsável pelo seu desaparecimento.

Queria que ele visse o quão horrível era.

O quão perturbador era não ter ideia do que estava acontecendo e ao mesmo tempo sentir saudade da sua voz, do seu toque, da sua companhia.

Que experimentasse na própria pele como era a sensação de não conseguir dormir por medo de que ele nunca mais voltasse para mim.

Eu queria me vingar, fazê-lo entender como fiquei ferida e profundamente chateada, mas a única coisa que estava ao meu alcance naquele momento, era uma bofetada que minutos depois pareceu ridícula.

Porém eu não voltaria atrás.

Seria muita hipocrisia minha se dissesse que me arrependia.

— Que porra digo eu, caramba! Você desapareceu por quinze anos e do nada manda aqueles seus capangas para me vigiarem e age como se nada tivesse acontecido. -Minha voz ficava cada vez mais alta e tinha quase certeza de que poderia ser ouvida do lado de fora ou até mesmo do portão que ficava a pelo menos uns quinhentos metros de distância.

Droga, eu provavelmente poderia ser ouvida da lua.

Estava tão furiosa, que minhas mãos chegavam a coçar de vontade de quebrar algo ou socar alguém e isso não era bom. Essas reações eram as que eu tinha lutado para suprimir, uma parte de mim que poucas pessoas conheciam e que não tinha a menor intenção de trazer de volta.

Anos de terapia foram necessários para eliminar toda essa atitude destrutiva, no entanto, bastou com encontrá-lo outra vez para que tudo viesse à tona.

E eu o odiava ainda mais por me fazer sentir aquele velho sabor à vulnerabilidade.

Viktor não disse nada por alguns minutos, seu olhar fixo no meu corpo, o cenho franzido e os lábios levemente fechados como se estivesse lutando para respirar, assim como eu.

Meu coração batia acelerado, a adrenalina correndo solta, me incendiando por onde passava.

Essa era a reação que ele provocava em mim. Sempre.

Ele era a pólvora e eu o fogo.

Uma combinação perigosamente tentadora, mas ao mesmo tempo destrutiva como o inferno.

Depois do que pareceu uma eternidade, Viktor soltou uma respiração resignada antes de se virar ficando de costas para mim.

Sorri com escárnio.

Como ele se atrevia a parecer ferido?

Quem deveria estar chateada era eu!

— Quer saber, fique à vontade, se estiver com fome, peça para Bertha te preparar algo. Pelo visto esse não é o melhor momento para conversarmos, quando estiver mais calma me procure, se quiser, é claro. -Ele disse com a voz aveludada dando alguns passos para fora do quarto claramente com a intenção de escapar desse confronto.

Oh, não. Eu não permitiria que ele fizesse isso comigo.

Não outra vez.

Não sem lhe fazer entender o quão frustrante era não ter nenhuma resposta, nenhuma reação.

— Isso, fuja, como sempre fez! Já me acostumei com isso mesmo. Se nem o corpo dos seus pais você esperou esfriar antes de desaparecer como um covarde, o que dirá uma conversa de adulto...-Gritei para as suas costas e ele parou no mesmo instante.

Eu precisava disso. Precisava ter aquela faísca de volta, aquele brilho que reluzia no seu olhar quando ele estava no limite, porque assim saberia que ele ainda se importava comigo, que ainda não tinha...me esquecido.

Mas o que diabos se passava pela minha cabeça? O cara estava casado, por Deus!

Eu não deveria sequer pensar nesse tipo de coisa.

Seus ombros subiam e desciam conforme ele respirava fundo e podia notar que ele estava tentando se controlar, tentando não demonstrar que se afetava, afinal de contas, esse não era mais o Viktor de anos atrás e sim um magnata frio e dono de quase toda a cidade.

Esse Viktor era alguém totalmente desconhecido para mim.

E quando ele voltou com passos firmes e confiantes e parou a centímetros de colidir comigo com a cabeça tão perto da minha que podia sentir o cheiro amadeirado do seu perfume, por um breve instante eu me imaginei sendo eliminada da face da terra em um piscar de olhos e meu corpo inteiro se estremeceu como se um terremoto estivesse se desatando dentro de mim.

— Você não faz a menor ideia do que aconteceu, Alicia, então por favor, pare de gritar e de dar esse showzinho estúpido e vá descansar ou comer ou fazer o que caralhos te der na telha. -Engoli em seco e apertei as mãos em punhos ao lado da minha cintura olhando para qualquer lugar que não fosse o seu rosto.

Uma tarefa difícil, já que ele estava estupidamente lindo.

Quem ele pensava que era para falar assim comigo?

E por que eu tinha sentido cada pedacinho do meu coração remendado se quebrando outra vez?

Parecia que ele tinha enfiado a mão dentro do meu peito e apertado-o sem nenhuma gota de dó.

E como se toda essa humilhação não fosse suficiente, contra a minha vontade, meus olhos se encheram de lágrimas e tive que me controlar ao máximo para não derramar uma delas.

Pisquei várias vezes antes de falar:

— E você não tem o direito de me dizer o que eu devo ou não fazer. Se quiser ir, vá. Essa é a porra da sua casa afinal de contas. -Engasguei com a minha própria saliva. — Só me deixe sozinha, por favor. Não deve ser difícil para você, já que essa é a sua maldita especialidade. -Arfei lutando contra o nó que se formava na minha garganta.

Eu estava furiosa com ele, mas estava ainda mais furiosa comigo por me deixar levar pela emoção e permitir que ele visse como eu tinha ficado abalada.

Não deveria ser assim. Eu já estava curada dele, a cada ano que se passava, era como se recebesse uma dose mais forte da vacina anti Viktor Schultz.

Eu estava conseguindo ficar bem, por mais que ainda sentisse sua falta e algumas vezes desejasse tê-lo de volta ao meu lado.

Mas quem não cometia esses deslizes não é mesmo?

Que nunca tinha experimentado uma recaída depois de deixar um vício?

Era humano errar, mas era inaceitável insistir nesse erro uma e outra vez e eu não me permitiria ser feita de trouxa outra vez.

Meu orgulho me protegeria.

Pelo menos era o que eu esperava.

Depois de alguns minutos em um silêncio desconfortável, Viktor levantou a mão como se quisesse me tocar, no entanto pareceu desistir da ideia e a deixou cair em um golpe seco ao lado do seu corpo.

Revirei os olhos ainda chateada.

Nesse momento sua expressão se suavizou e ele soltou uma respiração entrecortada.

— Droga Ali, me desculpa, eu não quis... -Seus dedos percorreram os cabelos castanhos perfeitamente alinhados penteando-os para trás como ele fazia quando ficava nervoso ou irritado.

Eu fiquei irritada comigo mesma por reconhecer cada gesto seu, por identificar cada sinal do seu corpo e saber se ele estava bem ou não mesmo tendo ficado tanto tempo longe dele.

Era um fardo que eu sabia que carregaria pelo resto da vida.

Porque se tinha um assunto do qual eu era especialista, era saber como ele funcionava. E isso só me fazia sentir ainda mais tonta.

— Não precisa fingir que ainda somos velhos amigos, Viktor. Só vim com Ty porque eu realmente não tinha outra saída, mas vou dar o fora daqui assim que conseguir resolver essa bagunça. -Garanti cruzando os braços por um lado para dar mais seriedade às minhas palavras e por outro, para tampar meus mamilos que provavelmente estavam visíveis através da blusa de algodão.

Eu definitivamente deveria ter colocado um bendito sutiã.

Odiava o fato de ficar excitada mesmo querendo matá-lo com as minhas próprias mãos.

Vê-lo tão perto depois de tantos anos me trazia uma sensação agridoce, por um lado estava feliz em saber que ele estava bem e por outro lado, queria esganá-lo com as minhas próprias mãos.

— Por favor, não faça com que me arrependa de ter te trazido para cá. Não sabe como me arrisquei ao fazer isso e... -Ele começou, mas interrompeu o seu discurso quando Chess, que estava quieta até o momento, escolheu essa hora para dar as caras e caminhar elegantemente até as suas pernas se esfregando na calça cara enquanto Viktor observava a cena com os olhos tão arregalados que franzi o cenho surpreendida e curiosa. — Que diabos é essa coisa?

Levantei a bola de pelos do chão e a abracei contra o meu corpo me sentindo bastante ofendida com a sua reação.

— Essa coisa, é uma gata e ela tem nome para a sua informação. -Estendi meus braços na sua direção e ele deu alguns passos para trás sem desviar o olhar dela.

— Eu não me lembro de ter dito que você poderia trazer animais para a minha casa.

Dei de ombros.

— E eu não me lembro de você ter se despedido antes de sumir e muito menos de ter pedido para que me vigie.

— Alicia... -Viktor alternava o olhar entre eu e Chess e por um momento cheguei a pensar que ele estivesse com medo dela, no entanto, era mais provável que ele simplesmente não gostasse de animais, principalmente de gatos.

Não duvidava mais de nada a essa altura.

— Vamos Chess, volte para a cama antes que me obriguem a te abandonar por aí. -Suas patinhas afundaram em cima da almofada, massageando-a sem parar ao ser colocada em cima da fronha de seda e como qualquer gato preguiçoso, ela voltou a dormir alheia à tensão que emanava de cada poro do meu corpo.

Quando me virei, uma respiração profunda escapou pelos meus lábios ao perceber que Viktor continuava ali, parado como uma estátua.

— Não tem mais nada para fazer? Cuidar do seu cassino, almoçar com a sua mulher, sei lá?

Por mais que eu tentasse, não consegui esconder a decepção e ciúmes que sentia cada vez que a imagem dele e Bertha se abraçando como um maldito casal feliz invadia meus pensamentos.

Mas o que eu esperava? Que ele se negasse a qualquer relacionamento durante todo esse tempo?

Que não conseguisse abrir seu coração para ninguém, se auto sabotando cada vez que tentassem ter algo mais sério com ele, assim como eu?

Era óbvio que Viktor continuaria a sua vida. Ele era um homem no final das contas.

— Por acaso Chess é uma referência ao gato de Cheshire? -Ele indagou com a sobrancelha levantada, claramente ignorando o que eu tinha acabado de falar.

Até então, Viktor não tinha demonstrado nenhum sentimento além de raiva contida, por isso, quando ele me lançou aquele sorrisinho de canto, meu coração deu um pulo animado ao se lembrar de como eu adorava vê-lo.

Oh não, isso não era um bom sinal.

Não era nada bom.

— Isso não é da sua conta. Agora se me permitir, gostaria de dormir um pouco. Estou com uma enxaqueca horrível e meu corpo inteiro está queimando de dor.

Pedi séria e recebi um olhar estreito, quase como se ele estivesse preocupado comigo.

— Hum... Direi a Bertha que não te espere para o almoço, então. -E lá estava o velho novo Viktor de volta. Aquele que não se interessava mais por nada além dele mesmo.

— Que seja. -Grunhi levemente decepcionada. — E... obrigada por me ajudar. Não precisava ter feito isso, mas eu reconheço que não teria me saído bem sozinha.

Deixei meu orgulho de lado por alguns segundos.

Tinha que reconhecer que sem os seus armários ambulantes, eu estaria muito ferrada.

Na verdade, seria bem provável que estivesse presa perdendo minha paciência ao tentar convencer os idiotas da segunda divisão que não era eu naquela maldita gravação.

Viktor pareceu pensar em alguma resposta para me dar, mas desistiu no meio do caminho para o meu alívio.

— Fique à vontade, Alicia. Se precisar de algo, peça a Bertha. -Ele reiterou antes de se virar outra vez passando pela porta sem olhar para trás.

Eu não sabia o que fazer.

Ficar à vontade na casa de um cara que não via há quinze anos?

Impossível.

Embora tivéssemos sido muito próximos em algum momento das nossas vidas, agora existia um enorme abismo entre nós dois.

Nem eu e muito menos ele éramos aqueles adolescentes sonhadores de antes.

Não éramos mais jovens iludidos com o futuro, preocupados unicamente com que faculdade faríamos e se teríamos horas livres o suficiente para nos encontrarmos nesse meio tempo.

Eu não conhecia mais nada dele.

A única referência que tinha do meu amigo estava praticamente expirada. Como uma embalagem antiga esquecida no fundo do armário.

E tinha o mesmo gosto a mofo, a uma velha lembrança que só existia dentro da minha cabeça perturbada.

Dobrei meu corpo apertando o meu estômago.

Uma vontade de vomitar fez meus olhos ficarem marejados e já podia até mesmo sentir a bile subindo pela minha garganta.

Eu sentia tanta falta de Viktor.

Quero dizer, do Viktor que eu conhecia.

E ao dar de cara com um completo estranho, meu mundo desabou.

Por uma fração de segundos eu tive esperança de que ele me abraçaria e diria que tudo está bem, que nada mudou entre nós e que sentia muito por tudo.

Mas isso nunca aconteceu e nunca aconteceria.

Aquela pessoa que estava ali na minha frente parecia ser o seu irmão gêmeo malvado, mas por alguma razão, eu me sentia ainda mais atraída por esse seu lado obscuro.

Droga, eu estava perdendo o controle dos meus próprios pensamentos, da minha própria vida.

Caminhei até a cama e me joguei no colchão macio arrancando um miado de reclamação da minha gata ao ser quase catapultada para fora.

Chess.

Era óbvio que ele entenderia o nome dela. E era óbvio também que ao fazer isso, veria que de uma forma ou de outra eu ainda mantinha nossa pequena tradição.

Depois de que Viktor foi embora, eu fiquei tão obcecada por Alice no País das Maravilhas, que até mesmo fiz uma tatuagem de um dos seus personagens.

O gato de Cheshire escancarava aquele sorriso característico no meu ombro direito.

Era uma maneira de manter vivas as memórias de um tempo em que eu era feliz. Por esse motivo também fiquei furiosa quando encontrei o exemplar que tinha lhe presenteado esquecido no seu quarto como se ele não tivesse tempo para toda essa bobagem infantil.

Como se não tivesse mais tempo para mim.

O que Viktor não fazia ideia, era que o livro estava ali comigo, pesando dentro da minha mochila junto com o resto das minhas coisas.

Para ser sincera, eu não sabia porque tinha pego o livro amassado e velho, no entanto, não me arrependia de ter feito isso. Pelo menos teria algo para ler enquanto não ficasse louca.

Chess se espreguiçou ao meu lado e bocejou mostrando todos os dentes afiados antes de dormir outra vez.

— Droga, não trouxe nada para você, amorzinho. -Pensei lembrando que a única coisa que peguei foi sua bolsa de transporte e nada mais.

Todo o resto ficou no meu apartamento, sua caixinha de areia, o pacote de ração, a caminha...

— Devo dar um jeito nisso.

— No que deve dar um jeito, querida? Está tudo bem? -Bertha indagou da porta me fazendo assustar com sua aparição repentina.

Me sentei na cama e observei como ela caminhava com elegância até a mesinha na frente da poltrona cinza apoiando uma bandeja com uma xícara fumegante e um pratinho com vários biscoitinhos que pareciam ser bem caros ao lado de uma cartela de medicamentos.

Não pude deixar de notar o anel de diamantes na sua mão direita e meu estômago embrulhou novamente.

O pior de tudo, era que a mulher estava sendo tão amável comigo, que me sentia péssima por ficar com ciúmes. Ela não merecia nada disso.

— Viktor me disse que você não estava se sentindo bem, então trouxe um chá de erva cidreira e alguns docinhos para que possa ter algo no estômago. -Assenti devagar. — No entanto, se quiser almoçar, é só me avisar que mando preparar um prato para você, está bem? -Balancei a cabeça outra vez.

Mas que droga, será que tinha esquecido de como se fala? Ou será que de repente tinha me transformado em um cachorrinho de brinquedo, daqueles que balançam a cabeça sem parar.

— Hum, obrigada Bertha. É muito amável da sua parte. -Suspirei.

A mulher sorriu, movendo a cabeça levemente para baixo e sem dizer mais nada saiu do quarto me deixando sozinha com os meus pensamentos.

Dei de ombros e me levantei caminhando até a mesinha, parando na sua frente para analisar o que ela tinha trazido.

Dentro da bandeja, a xícara branca adornada com detalhes dourados que formavam pétalas de flores parecia fazer parte de um acervo de algum museu, como se tivesse sido roubada de uma dinastia chinesa e se perdido com o tempo até parar na casa de um milionário rabugento. Meu estômago trovejou ao pegar um dos biscoitinhos que agora podia ver que eram de maisena e tinham cara de ser bem apetitosos.

Levei um deles com cautela até a boca e gemi ao sentir o sabor delicioso na medida que eles se derretiam na minha língua.

Imediatamente comi outro, e outro, e outro, até que não sobrou nenhum.

Caramba, eu estava mesmo com fome.

Bebi o chá devagar, deixando que o calor me tranquilizasse ao deslizar pela minha garganta sem parar de pensar na loucura que estava sendo esse dia.

Se alguém me dissesse que eu seria acusada de um crime e acabaria na casa do meu ex amigo que não via há mais de uma década, eu cairia na risada na frente dessa pessoa.

Terminei de comer, tomei um dos analgésicos que estavam ao lado da xícara e me deitei outra vez para tentar descansar um pouco.

Eu precisava disso.

Precisava desse momento surreal antes de voltar para a realidade.

Porque era óbvio que eu não ficaria aqui.

Quero dizer, estava verdadeiramente agradecida pela ajuda, embora estivesse furiosa na mesma medida pela forma como fui trazida, mas eu não podia aceitar essa sua ideia maluca.

Não era mais uma criança e sabia que nada de bom poderia sair de Viktor e eu estando no mesmo lugar.

Ou entraríamos em uma briga terrível ou acabaríamos na mesma cama.

E nenhuma dessas hipóteses era aceitável.

Passei tanto tempo remoendo os acontecimentos do passado, sentindo outra vez o sabor amargo da decepção enquanto acariciava Chess que ronronava sem parar, que nem percebi o momento em que me entreguei ao sono profundo, levando para dentro dos sonhos o rosto atordoado de Viktor ao me ver depois de anos se escondendo nas sombras.

Pela primeira vez em muito tempo, eu acordei de uma maneira muito diferente da que estava acostumada.

Em completo silêncio.

Não escutei o maravilhoso barulho de buzinas, nem de pessoas conversando umas com as outras ou gritando no pior dos casos, nem mesmo dos cachorros latindo ou do caminhão que passava recolhendo o lixo.

E isso era... estranho.

De uma maneira bem confusa, essa barulheira me tranquilizava e me lembrava de que eu não estava sozinha.

Porém, ali dentro daquele quarto gigante acompanhada apenas por Chess que estava sentada na janela olhando fixamente para um pássaro do outro lado vidro, me senti levemente aterrorizada.

Mas não havia nada que eu poderia fazer quanto a isso.

E eu ainda estava viva e livre, o que era algo a agradecer.

Me levantei bocejando e espreguiçando os braços e fui direto para o banheiro me aliviar e escovar os dentes antes de substituir o pijama por uma blusa e uma bermuda jeans e descer para o primeiro andar.

A casa parecia ainda maior quando a observei com mais atenção.

Atravessei o longo corredor que me levava até a escada e pisei nos degraus com a precaução de uma presa que sabe que está sendo perseguida.

Notei vários caras do lado de fora, vestidos com ternos idênticos e que não paravam de andar para um lado e para o outro falando aparentemente sozinhos com uma mão no ouvido, mas eu sabia que se tratavam de pontos eletrônicos e que eles provavelmente estavam conversando entre si.

Por que Viktor tinha tantos seguranças?

Dei de ombros sabendo que jamais encontraria a resposta para essa pergunta.

Se meu amigo já era reservado na sua adolescência, agora ele devia ser um cofre de aço cuja senha só ele sabia.

E Bertha, é claro.

Praguejei baixinho.

Esse era mais um dos motivos para eu dar o fora daqui o mais rápido possível.

Pensei que não me afetaria ver como Viktor tinha construído a sua vida, mas uma coisa é o que pensamos e outra coisa muito diferente, é a inegável realidade.

E por mais que fosse vergonhoso, o primeiro passo, era aceitar que eu estava ferida.

Ferida por tudo o que ele tinha feito comigo, pela forma em que decidiu lidar com seus problemas e principalmente por não conseguir esconder que mesmo depois de tantos anos, ele ainda tinha certo domínio sobre o meu coração.

E isso era um golpe certeiro no meu ego já machucado.

Cruzei a sala decorada com sofás pretos do que parecia ser couro legítimo, uma mesinha de centro de madeira no mesmo estilo minimalista e no canto direito um vaso elegante com flores naturais.

As paredes dos dois lados eram praticamente compostas por vidro que na frente davam para a entrada por onde passei no dia anterior e atrás, abriam caminho para o jardim com uma piscina de tirar o fôlego.

Embora tivesse crescido em uma família relativamente rica, tudo aquilo era demais para mim.

Riqueza demais, luxo demais... Viktor demais.

O seu perfume parecia estar impregnado em cada centímetro das paredes, em cada partícula do ambiente e prendi minha respiração enquanto seguia meu caminho até a cozinha, soltando-a devagar ao escutar vozes conversando baixinho e rindo como se estivessem compartilhando um segredo.

Imediatamente meu pulso se acelerou e quando passei pela porta, usei toda a força que eu possuía para não dar meia volta e escapar dali nem que fosse correndo descalça estrada afora.

Viktor estava encostado no balcão de mármore com aquele maldito terno que o deixava sexy para caralho e um sorrisinho apaixonado no rosto que me fez ter vontade de vomitar, enquanto Bertha apoiava uma mão no seu bíceps tonificado deixando à mostra o anel de diamantes que reluzia sob a luz da cozinha perfeita, dessa casa perfeita, do seu marido perfeito.

Ela também sorria balançando a cabeça para cima e para baixo e me peguei desejando que ela não fosse assim tão linda.

Por Deus, eu era patética.

Bertha só tinha me tratado bem desde que chegara e não era justo pensar todas essas coisas ao seu respeito.

— Parabéns, Alicia, você acaba de ser promovida a idiota do ano... -Murmurei sem perceber.

Os dois pareceram ficar conscientes da minha presença e Bertha se afastou de Viktor como se de repente ele estivesse pegando fogo.

Seu olhar foi parar direto no meu corpo vestido com uma blusa ridícula com a estampa de Marge Simpson em biquíni e a bermuda jeans e fiz uma careta forçando para fora da minha boca o resto de educação que ainda existia em mim.

Pigarreei antes de falar:

— Bom dia.

Minha voz estava rouca pela vontade de chorar e rezei para que nenhum dos dois percebesse isso e pensassem que era apenas porque eu tinha acabado de acordar.

Ao me ver, Viktor empurrou seu corpo para longe da bancada e caminhou até parar na minha frente, do mesmo jeito que tinha feito no dia anterior.

Ele se movia com tanta destreza, com tanta masculinidade que era impossível não notá-lo em um raio de dez quilômetros e isso me deixava nervosa. O cara parecia um predador se preparando para atacar a sua presa e me peguei desejando ser o animalzinho indefeso.

— Bom dia, Alicia -seus dedos seguraram meu queixo me arrancando um arrepio. — Como dormiu? Está melhor?

— Eu... hã... -Desviei a vista para Bertha que fazia de conta que estava procurando algo na geladeira. Se estivessem me filmando nesse exato momento, com certeza seria notável o meu desespero. Desde o olhar arregalado que agora alternava entre Viktor e Bertha, até a postura alerta e pronta para fugir caso fosse necessário.

Como ele tinha coragem de me tocar com tanta intimidade com a sua esposa ali do lado?

Será que ele era esse tipo de pessoa que não se importava com ninguém, que pensava que as mulheres eram apenas objetos que deveriam obedecê-lo de olhos fechados?

Será que Viktor tinha mudado tanto assim?

— Vai me responder agora ou devo voltar mais tarde? -Sua voz rouca me trouxe de volta e afastei sua mão com um tapa, caminhando até a mesa com os braços cruzados.

— Estou ótima. -Apontei para uma das xícaras vazias. — Posso?

Eu precisava desesperadamente de uma dose de cafeína para poder aguentar esse dia.

— Não deveria nem mesmo perguntar isso, querida. Pegue o que quiser, aposto que está com fome. -Foi Bertha quem respondeu e agradeci silenciosamente sentindo minhas bochechas ficando quentes em um sinal claro de que estava ruborizada.

Ótimo.

Servi café e alguns bolinhos em um pratinho e me sentei em uma das cadeiras para comer e assim ter uma desculpa para não falar nada.

Meu corpo se retesou quando Viktor se aproximou novamente e sentou ao meu lado com uma expressão nada amigável no rosto másculo com aquela barba aparada.

Desde quando ele tinha passado de ser um adolescente franzino a um homem que poderia facilmente estampar uma capa de revista?

Neguei com a cabeça.

Eu não deveria estar pensando nele dessa maneira.

Bertha aproveitou o momento para sair e nos deixar sozinhos e eu não estava gostando disso.

Não queria ficar a sós com ele.

— Eu sei que está brava comigo por ter sumido, e com razão. -Viktor começou arrumando uma porção de cabelo atrás da minha orelha quase me fazendo engasgar com a porcaria do café. — Mas quero que entenda que eu não tive escolha.

Virei meu rosto de supetão, encarando seus olhos azuis depois de tanto tempo sem acreditar no que ele estava me dizendo.

— Não teve escolha? Por favor, Viktor, não sou mais aquela garotinha ingênua que te seguia para todos os lados como um filhotinho. -Rosnei deixando a comida de lado, perdendo a fome em questão de segundos.

O olhar de Viktor escureceu quando ele examinou meu corpo escrupulosamente.

— Não tenho a menor dúvida disso. -Fiz uma careta sem acreditar no que acabava de escutar.

Era sério isso?

Senti meu sangue ferver e sabia que rapidamente entraria em combustão e que deveria me controlar, mas agora já era tarde.

Era como um vulcão entrando em erupção: não havia maneira de deter as palavras que sairiam pela minha boca.

— Não tem vergonha não? Me olhando e me tocando desse jeito, quando sua mulher está em outro cômodo, provavelmente escutando tudo?! -Rasguei com o coração batendo rápido no meu peito.

Fiquei ainda mais furiosa quando ele arregalou os olhos parecendo não entender nada, segundos antes de soltar uma gargalhada estrondosa que abalou minhas estruturas.

— Do que diabos você está falando, Alicia?

— Do que eu estou falando? Não se faça de inocente, Bertha é uma mulher legal, caramba! -Me levantei subitamente e ele fez o mesmo imitando meu gesto ficando sério de repente.

— Bertha?

— É, a loira estonteante com um corpaço de dar inveja e que estava aqui até poucos minutos atrás, Viktor! Sua maldita esposa! Qual é a sua, heim?

Pisquei várias vezes para não chorar.

Eu odiava ser tão sensível.

Apesar de ser uma detetive que tinha que lidar com situações estressantes praticamente todos os dias, era nesse tipo de discussão onde eu perdia o controle sobre mim.

Era nessa hora que eu rezava para não parecer uma menininha mimada que derramava lágrimas por qualquer besteira.

Viktor segurou outra vez o meu queixo me mantendo firme no lugar e apertei seu pulso com meus dedos trêmulos com a intenção de afastá-lo, no entanto, ambos sabíamos que eu não estava fazendo nenhuma força. Droga.

Apenas tocá-lo foi suficiente para incendiar todo o meu corpo e tudo piorou quando ele aproximou os lábios dos meus me fazendo acreditar por um milésimo de segundo que ele me beijaria ali no meio da sua cozinha na frente de quem quisesse assistir.

— Bertha é minha governanta, Alicia. Uma velha amiga da família que amo como se fosse minha mãe, não precisa ficar com ciúmes. -Ele sussurrou sem desviar o olhar do meu e engoli em seco sem saber como reagir com essa informação jogada para cima de mim.

— O-o quê? -Gaguejei incrédula.

Ele estava tão perto que conseguia ver perfeitamente a cicatriz na sua bochecha.

Aquela linha irregular em um tom rosado só o deixava ainda mais sexy e desejei passar a língua nela em uma vontade louca de provar o seu sabor.

A tensão dentro da cozinha estava tão densa que podia facilmente ser cortada com uma faca, mas toda essa névoa se dissipou quando Viktor tornou a falar.

— E por última vez, faça o favor de parar de berrar como uma maluca na minha casa. Preciso ir, nos vemos mais tarde. -Ele se virou dando passos para fora da cozinha me deixando para trás com o cenho franzido.

Não demorou nem um segundo para que minha visão ficasse vermelha e como um touro raivoso, só faltava arrastar meus pés no chão e dar cabeçadas em quem cruzasse o meu caminho.

— Babaca! -Gritei para as suas costas com o sangue queimando nas minhas veias. — Você é um idiota, Viktor Schultz! -Completei me jogando na cadeira que ocupava minutos antes, a vergonha cobrindo meu corpo por inteiro.

Ótimo, agora ele pensava que eu estava com ciúmes e se acharia ainda mais.

Mas o pior de tudo, era ter que admitir que essa era a mais pura verdade. 

NOTA DO AUTOR
Hellooo amores da minha vida! 
Peço desculpas pela demora, é que hoje tive que fazer tanta coisa
que quase não tive tempo de respirar kkkkkk
Mas vou deixar o capítulo para vcs surtarem e sair de fininho hahah

Espero que tenham gostado, 
Não se esqueçam de votar e comentar!

Amo vcs, 🥰
Bjinhossss BF 🖤🖤🖤

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