Prólogo

Trovões e relâmpagos castigavam com sua grandiosidade, enquanto o Sol se escondia por detrás das nuvens acidentadas. Parecia que o céu iria desabar sobre a terra a qualquer momento.

Claro que um dia assim chega a ser mais aterrorizante. Muitos diziam apenas a resposta da mãe natureza ao tratá-la tão mal, outros afirmavam veemente que eram os deuses zangados pela conduta errônea da humanidade.

Seja qual fosse a resposta, isso parecia ser um mero detalhe para o rapaz que ressonava com o rosto imprensado nos livros, onde uma pequena fileira de saliva surgia no canto da boca entreaberta.

— Kim Taehyung! — esbravejou o professor com os punhos fechados em sua mesa, fazendo o jovem pular da cadeira. — Resolva a equação no quadro.

— Sim, senhor! — respondeu mecanicamente, ainda atordoado.

O rapaz suspirou enquanto olhava entediado seus colegas rirem, pelo fato do professor ter flagrado ele dormindo. Então, sem um pingo de animação, impulssionou para trás a cadeira pesada de madeira, se levantando. Caminhou até a lousa vagarosamente, sem entender bem o que era proposto.

Releu a pergunta três vezes até algo fazer sentido... e que "furada". Era uma equação geométrica que pedia a soma dos catetos da hipotenusa.

— Qual o valor de X? — pensou em voz alta, coçando a nuca.

— Quanto são 6 vezes 3? — perguntou o mais velho em seu encalço.

O estudante franziu a testa e começou a contar os dedos.

— Você tem uma prova importante em dois dias. — alfinetou o professor, sussurrando o suficiente para que só Taehyung escutasse. — O que irá fazer, hum? Você ao menos decorou a tabuada?!

O moreno balançou a cabeça negando, se sentia frustrado pelos números nunca terem sido seu "forte". Decorar milhares de fórmulas era extremamente desgastante para o adolescente, que só queria estar na paz de seu lar lendo, provavelmente, uma fanfic da Ariana Grande enquanto tocava algo aleatória na sua playlist do Spotify. Céus, era pedir muito?

— Aish, volte para o seu lugar, garoto. Mas dessa vez fique de olhos bem abertos! — ordenou o professor, já  escrevendo a solução do problema.

Se levantou um burburinho maldoso em volta do moreno, que apenas se encolheu em seu assento, talvez já saturado demais para rebater as piadinhas de mau gosto.

O tempo era sua sentença, mesmo que passase devagar, não tardava de parar para que Taehyung solucionasse seus conflitos.

Ele continuou o resto da aula em silêncio, segurando o rosto entre as mãos para  observar o balde no canto da sala, que estava quase transbordando devido a goteira enorme que se formou no telhado  comprometido.

— Três... dois... — cantarolou baixinho esperando o sinal tocar, ao mesmo tempo que as gotas faziam um som melodioso ao se juntar a quantidade translúcida. — um!

O ponteiro do relógio fixado na parede amarelada, marcou exatamente 3 da tarde. A sirene tocou, indicando o intervalo, e assim chegando ao fim a aula chata de matemática, com o professor resmungando ao puxar a perna direita:

— Aish, minha artrite sempre volta quando o tempo esfria.

[...]

Esparramado no sofá, Taehyung mexia no celular, desejando ficar assim por toda eternidade. Tinha acabado de jantar e com a preguiça transparecendo em cada poro da pele dourada, cantou errado a letra da música romântica, falhando drasticamente ao tentar acompanhar o homem máscarado.

— Olá, caros telespetadores! Vocês gostaram dessa apresentação? — perguntou o simpático apresentador, surgindo com elegância no palco bem iluminado. — Eu também adorei, mas agora chega de tanta espera, vamos finalmente revelar o cantor misterioso que nos presentiou com sua linda voz todas essas semanas. Quem vocês acham que é?

— Lee Min Ho. — disse Taehyung sem desgrudar os olhos do joguinho virtual.

— E o cantor é... — fez uma pausa dramática para ganhar mais uns segundos de suspense. — Uau, tem dizendo aqui na ficha que ele também é reconhecido como "um dos melhores atores da Asia". Nosso mascarado é... Eu não acredito. Lee Min Ho!

— Não disse? — sibiou convencido. — Deveria ter apostado com alguém.

— Hey, garoto! — ouviu a voz da mãe lhe repreendendo, enquanto limpava a sujeira que pés grandes tinham deixado no sofá pago em vinte prestações. — Você não deveria estar estudando?

— Omma, minha cabeça vai explodir! — choramingou, ajeitando sua postura para a mulher sentar a seu lado. — E eu estou assistindo o show de talentos. — completou, desnecessariamente.

— Que seja, já começou minha novela. — deu ombros, colocando seus óculos. — Hoje o príncipe herdeiro subirá ao trono. Ouvi dizer que haverá uma reviravolta na trama, com ele desmascarando aquele bando de corja dos ministros! — rosnou a senhora Kim, pegando o controle para sintonizar no canal. — Mas me diz, que cara é essa, meu filho? É porque amanhã a diciplina é matemática?

— Sim... — respondeu Taehyung fazendo um pequeno bico.

— Você tem dificuldades com os números, como seu pai. Deve ser algo genético. — observou a mulher já distraída com cenas do dorama.

Então não percebeu a mudança de humor do filho, que se levantou esasperado com o rumo daquela conversa.

— Onde vai, querido? — falou um pouco mais alto, já que o rapaz foi apressado pegar um casaco e trocar as pantufas pelo tênis.

— Comprar lamen. Não se preocupe, volto mais tarde.

— Mas você acabou de jantar... Ah, sim, entendi, entendi. — desconversou coçando a cabeça. Às vezes sua boca grande deixava o filho desconfortável. Ela literalmente pisava em ovos ao se dirigir em certos assuntos, já que Taehyung parecia sensível demais nos últimos dias. — Diz para ela que mandei um "oi".

[...]

O som do micro-ondas despertou Taehyung de seus pensamentos. Ele piscou os longos cílios e balançou a cabeça, tentando não ficar tão distraído.

Suspirando, destravou a pequena porta de vidro, tirando os dois potes de plástico com cuidado para levar até a mesa ali perto.

— Então o Seneung¹ é amanhã? — perguntou IU, puxando a tampinha metálica do recipiente para sair o vapor do macarrão fulmegante.

— Infelizmente. — lamentou o moreno, fazendo careta. Ele rasgou com habilidade o pacotinho do tempero, misturando ao macarrão, até ficar uma cor homogênea. — Agora te pergunto, noona: como pode um dia ser tão crucial e influenciar o resto de nossas vidas?

A garota encolheu os ombros procurado as palavras certas.

— Sei que é estressante, Taetae, mas... é necessário se esforçar. Veja meu futuro só porque tive que desistir de tudo. — disse a amiga apontando para o unifirme, onde o nome da loja de conveniência estava estampado. — Vai por mim, daqui a alguns anos verá que valeu à pena estudar até seus neurônios entrarem em colapso. — finalizou, cutucando o melhor amigo.

— O problema é esse, IU. A pressão até aqui já foi tanta, que deu curto circuito! — disse dramático. — O vestibular está ai, e não consegui decorar nada, os números dançam na minha frente e quando vejo já estou pensando em coisas insignificantes de novo, como patos fofos nadando ou ET's. — debochou. — Além disso, mesmo se por um milagre eu passar no teste, não sei que faculdade escolher... — resmungou, mexendo a comida sem muito apetite. — Não quero ser um adulto frustrado, como meu pai. Sabe, noona... Ainda não estou pronto.

IU soltou um grunhindo baixinho quando sugou o macarrão quente, rápido demais. Ela limpou a boca de qualquer jeito, antes de se aproximar e abraçar o mais alto com força, massageando as costas largas. Sentia uma pressa incontrolável em ninar Taehyung, já que ele era apenas um "bebê grande", ao seu ver.

— Meu neném... — falou com uma voz infantil, arrancando um sorriso retangular do moreno.

A amizade de IU com Taehyung, começou ainda na escola. A aproximação inusitada da garota mais bonita do ensino médio com o garoto orelhudo do fundamental, foi bem chocante. Mas, o que mais lhe chamou a atenção entre os outros alunos, foi o fato do Kim ter um olhar distante e melancólico, como se guardasse uma enchurrada de coisas na qual não poderia suportar por muito tempo. Ela se via nele, então diria que, o que verdadeiramente os uniu foi o sentimento de empatia.

IU também se sentia assim, porém disfarsava com sorrisos e gestos forçados, maquiando seus problemas dos outros colegas super populares. Por isso eles não entenderam quando, em uma segunda-feira qualquer, saiu desfilando de braços dados pelos corredores com o garoto magricelo. Na verdade, ela só estava cansada de se encontrar com Tae apenas quando não tinha mais ninguém por perto, às vezes no refeitório vazio ou atrás da arquibancada, após as aulas. Afinal, não achava justo ignorar alguém que lhe escutava, mesmo esse sendo jovem e inexperiente demais  para saber consolar.

— Lembra quando eu disse que abandonaria a escola para cuidar dos meus irmãos mais novos e que você segurou minhas mãos, apertando com força como se dissesse "ei, garota, tudo bem. Pode chorar no meu ombro, se quiser".

— Lembro, noona.

— Você ganhou meu coração a partir dali.

A amizade foi posta à prova milhares de vezes, devido ao tempo corrido nos dois empregos de IU e o horário escolar do mais novo. Mas sempre que arranjavam um pequeno intervalo, se encontravam, ou se não, matavam um pouquinho da saudade nas infindáveis ligações.

Assim a ex garota popular, se tornou sua única e melhor amiga.

— Vamos fazer assim: amanhã, quando os portões abrirem, darei um jeito de sair do trabalho para estar lá. Quero lhe passar energias positivas. Que tal? — perguntou, acalentando os cabelos sedosos, com doçura.

— Faria mesmo isso por mim? — fungou, afrouxando o abraço protetor.

A mais velha confirmou, balançando a cabeça ao limpar as bochechas molhadas de Taehyung.

— Tudo pelo meu Taetae. E depois podemos comemorar o resultado, que tal?

— Em um naraebang²? — perguntou mais animado. — Faz muito tempo que não vamos no karaokê, seria perfeito, nonna. Te amo muito, muito, muito!

Mostrando estar imensamente grato pelo convite, no segundo seguinte ele já se curvava, dando um beijo estalado no rosto macio da amiga.

— Aish... — pigarriou, sentindo as bochechas queimarem.

Taehyung tinha esse poder de lhe deixar emotiva, sempre fazendo seu coração disparar com as singelas demonstrações de afeto. Com certeza, ele era alguém muito especial em sua vida.

[...]

— Espera, filho! — gritou a senhora Kim, saindo apressada a tempo de puxar a mochila do moreno para colocar algumas guloseimas dentro, já que a prova se estenderia por horas a fio.

— Valeu, mãe!

— Ei, leve também esse guarda-chuva, na previsão do tempo disse que iria chover! — disse a jovem senhora, estedendo o objeto amarelo.

Taehyung saiu apressado, ainda ouvindo a mãe gritar um "fighting" ao dobrar a esquina. Se não tivesse chegado naquele exato minuto, teria perdido o ônibus. Suas pernas longas eram úteis nessas horas.

Já dentro do transporte público, conseguiu ir na maior parte do tempo sentado. Por isso, aproveitou as mãos livres para pegar algumas apostilas. Tentaria decorar algo, como se isso ainda fosse possível.

Estava tão nervoso que não percebeu a chuva começar a cair forte lá fora. Então, quando o ônibus freiou bruscamente devido a pista escorregadia, seu material de estudo caiu no chão, causando um pequeno alvoroço.

— Ah, droga! — praquejou ao levantar o rosto e ver que já tinha passado da sua parada, agora teria que voltar alguns quarteirões.

Não queria acreditar que estava entrando em uma maré de azar, porém tudo indicava isso. Ao descer do ônibus, lembrou do guarda-chuva esquecido na cadeira.

A chuva não daria trégua. Taehyung estava quase arrancando os cabelos, mas preferiu transformar a adrenalina em energia. Com esse pensamento, segurou as alças de sua mochila vermelha para começar uma corrida frenética pelas ruas de Daegu.

Ele correu e correu, até os pulmões arderem, implorando para diminuir o ritmo. O que só fez quando estava a poucos metros do prédio onde faria o Seneung.

Taetae viu uma multidão de parentes e amigos com faixas de incentivo para os estudantes. Mas ficou paralisado, com o peito doendo, ao reconhecer a amiga ali também.

Essa estava claramente lhe procurando, tentando ficar nas pontinhas dos pés, quase sendo esmagada no meio daquelas pessoas eufóricas.

Sim, IU estava lá como havia prometido, mas Taehyung se sentia estranhamente sufocado. De repente o pânico alcançou um tamanho desproporcional, fazendo ele correr mais uma vez, mas na direção oposta na qual deveria ir.

Minutos depois, as gotas de chuva se misturavam as suas lagrimas, no rosto sem expressão. Após perambular sem rumo, sentou em um banco de madeira, em uma praça qualquer. Tremia com a roupa encharcada colada ao corpo, contudo, a mente vazia fazia ele ficar inerte ao mundo exterior. Então não se sabe quanto tempo ficou assim, até perceber uma vibração  vindo da mochila: era seu celular tocando insistentemente com o número da melhor amiga.

— Me perdoa, mas não consigo. — chorou um pouco mais ao recusar a ligação. — Eu só queria sumir... — implorou olhando para os céus.

Como uma espécie de resposta divina, Taehyung começou a ouvir batidas ocas e ritmadas, fortes e intensas. O som parecia ser proveniente de um local próximo, de forma que não pensou duas vezes em seguir aquele ruído. Levantou do banco ainda com a mochila sobre os ombros e caminhou a passos incertos.

Estranhamente notou que o barulho peculiar vinha de uma poça rasa no chão.
Pensou que seus ouvidos estivessem lhe pregando peças, talvez todas as inseguranças queimaram seu cérebro de vez. Estava tendo uma alucinação.

Contudo, ao olhar melhor, pode ver o concreto do parque desaparecer através da água transparente, dando vista para uma imagem longínqua que não soube decifrar muito bem o que era.

Hesitante, Taehyung colocou um dos pés naquele conjunto de água, esperando pisar firme no chão, porém ele apenas afundou.

Se afastou assustado com os olhos levemente arregalados. Chegou bem perto de novo, inclinando-se para analisar melhor, ouvindo dessa vez burburios e sentindo uma vibração incomum. Nada fazia sentido certamente, muito menos a sensação inexplicável que se manifestou com força em seu corpo, ao se impulsionar trás e voltar correndo até aquela poça, atirando-se nela.

A poucos metros dali, uma garotinha refugiada debaixo de um alojamento, por conta da chuva, deixou cair sua bola de futebol ao testemunhar o momento em que Taehyung se afundou por completo na "rasa" poça d'água.

Seneung¹: é um teste escolar de habilidades padronizado, utilizado na Coreia do Sul para ingresso em universidades coreanas. O teste é aplicado na segunda quinta-feira de novembro, porém na fanfic será no comecinho do ano letivo.

naraebang²: são casas de shows de karaokês ao vivo, divididos em pequenas ou grandes salas particulares, em um ambiente com muitas luzes coloridas, bebidas e comidas. É muito comum na Coréia do Sul.

#RainOfLove
#ChuvaDeAmor

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