O acordo
capítulo 3
— Não entendo... Vossa majestade disse que arrancaria os olhos do eunuco que o enganou, entretanto soubemos que o rapaz saiu tranquilamente pelos portões do palácio, como se nada tivesse acontecido.
— Sim. — esclareceu Yoongi, engolindo ruidosamente as palavras venosas do ancião. — Dexei-o ir.
Reconsidere minhas palavras quando descobri que o dito cujo estava doente, delirando de febre. — mentiu, já sabendo que seria questionado pelo conselho por causa de Taehyung. — Pobre alma... O rapaz permaneceu com a mesma febre por dias à fio, então não estava em plena consciência quando cismou em entrar no caldeirão de oferendas... Seu corpo queimava como mil vulcões, por esse motivo se enfiou no primeiro expelho d'água que viu pela frente. Foi isso que aconteceu. — gesticulou Yoongi, se encostando no trono. — Mais adianta, depois de resolver esse mal entendido, vi que o tal eunuco poderia ser muito útil para Joseong. Ele tem uma incrível habilidade com os números. Isso só aumentou minha certeza de que a matemática e a ciência serão usados para resolver os problemas do reino.
— Mas temo que a matemática seja um truque ao invés de uma ciência, Vossa Majestade. Usar tal artimanha é contra nossas tradições. — comentou um dos ministros mais influentes.
— Vossa majestade, como poderia saber o plano da natureza a partir da aritmética? — questionou outro ministro, fazendo Yoongi ranger os dentes. — Por favor, reconsidere.
— Por favor, reconsidere! — todos repetiram.
— De acordo com o sungssochung¹, o motivo por trás da seca é que o céu está zangado, pois da pátria, não está sendo reproduzido seus herdeiros. — continuou o primeiro ministro. — Então, por favor, passe a noite com a rainha no dia escolhido. Por favor, reconsidere!
— Por favor, reconsidere! — todos repetiram, dessa vez se ajoelhando para aumentar a súplica, em um sinal claro que a opinião de todos uma só.
— Por favor, reconsidere!
Min Yoongi suspirou exaurido. Naquele jogo de xadrez ele continuava sendo o principal, todavia, dependia das outras peças à seu favor para avançar sutilmente. Taehyung era seu único bônus escondido na manga contra aquela corja de abutres, que sempre estavam prontos a lhe contradizer.
Encerrando a reunião do conselho, Min Yoongi disse que se recolheria aos seus aposentos. Seu quimono majestoso ainda farvalhava pelo salão quando, ainda com o rosto abaixado sobre o chão gelado de mármore, o ministro que levantou todas aquelas suposições, sorria.
Na verdade ele era o seu sogro e, como pai da rainha, almejava chegar ao trono. Mas para isso, teria que conseguir primeiro um neto de Min Yoongi.
[...]
Não muito distante dali, em algum lugar do grande palácio de Joseon, se ouvia os resmungos desafinados de Kim Taehyung.
— Estas roupas são de eunuco... Aaah, professor, por quê?! — protestou outra vez batendo os pés no chão.— Não, eu fico feio!
— Confesso que tem talento, mas ser um eunoco-bufão², não é trabalho para qualquer um. — explicou o eunuco-chefe, ajustando o chapéu do mais nova, que insistia em cair. — Sua majestade não irá rir, não importa o que você faça. Então não fique quieto e não faça nada.
Taehyung não entendeu o outro disse, só se atentou em olhar no espelho odiando aquela bata verde.
— Não tem outra roupa mais bonita? Nos doramas de época o Lee Min Ho e o Bo Gum se vestiam melhor.
— Pobre garoto... A tal febre deve ter queimado os seus miolos... — lamentou o homem balançando a cabeça. — Há quanto tempo é um eunuco? Já deveria estar acostumado com suas vestes. — estranhou. — Sabe que não pode andar como um plebeu, se é um mero servo, como eu.
— E-eunuco?! Oh, my gold...
Taehyung engoliu em seco finalmente entendo toda a situação: lhe confudiram como servo da coroa e, se não lhe falhasse a memória, lembrava das condições ao qual aqueles homens eram submetidos, como os votos de reclusão para não sairem além dos muros do palácio, não terem uma família e até mesmo a serem castrados, como um voto de fidelidade a coroa.
— Tenha orgulho, rapaz! Nós pecamos? — o acastanhado negou ainda mudo, cruzando involuntariamente as pernas. — Um eunuco continua sendo um homem! Então encolha os ombros, abaixe a cintura, junte as mãos! — ordenou.
— Eunuco? — sussurrou o estudante ainda assombrado, se curvando em um ângulo de noventa graus.
[...]
Todos pareciam ocupados demais quando o estudante se viu sozinho, saindo furtivamente e indo direto para o lugar onde tinha visto o rei pela segunda vez. Lá era uma espécie de sala de estudos, com estantes repletas de livros.
— Acho que é melhor os outros pensarem que sou mesmo um eunuco. — deu de ombros. — Pior seria se me confundissem com um soldado. Vai que cismassem em me dar uma espada com um cavalo e me mandassem ir pra guerra?! Aish... Isto tudo está em hanja e fui burro o suficiente pra se quer perguntar o nome do rei loirão. Como posso bolar um plano assim?
— Rei Min Yoongi.
Taehyung prendeu o ar ao se virar rapidamente e ver o emblema de dragão com fios entrelaçados no tecido negro. Ao subir o rosto, soltou o oxigênio de uma só vez, se deixando perder alguns segundos nos olhos endurecidos de Yoongi, que lhe encarava com desconfiança.
— Chega de brincar. Já é hora de me ensinar o que sabe, duende do futuro.
A voz rouca e baixa parecia ameaçadora, mas não era isso que faziam os pelos de Taehyung se erissarem.
[...]
— Árabes, árabes... eles têm seus próprios "personagens"?
Ambos estavam sentados de frente ao outro. O rapaz bocejava entediado, com os cotovelos apaiados na mesinha, onde tinham pilhas e mais pilhas de papéis.
— Pelo jeito você não conhece mesmo os números, não é? — sibilou o mais novo, fazendo Yoongi bufar, contrariado. — Este homem, sinceramente... Então esqueça isso e faça o exercício!
— Iah, me ensine a fórmula primeiro!
— Que fórmula, o quê? — respondeu Tae, fazendo uma careta enquanto apontava para o papel de um jeito autoritário. — Precisa saber dos números antes! — disse já arrependido no meio da frase, engolindo em seco ao abaixar o tom de voz sob o olhar felino que se espreitava em rosto, de uma forma bem intensa e ameaçadora. — E-então comece com isto, sim?
— Um tipo de teste? — arqueou uma sobrancelha. — Acha que virei rei automaticamente? Saiba que estudei minha vida inteira, como príncipe herdeiro nunca errei em um teste de matemática!
— Sério? — questionou pouco convencido. — Então, que tal um peteleco se você errar?
Yoongi suspirou audivelmente, se esticando de onde estava para se curvar, com os braços apoiados sobre a mesa. Dessa forma, encarou o estudante o mais próximo que conseguiu, até a respiração de ambos se resvalarem em seus rostos.
Taehyung sentiu seu coração errar as batidas pela milésima vez só naquele dia. Afinal, por que o rei lhe deixava tão nervoso, a ponto de esquecer até de respirar? Não era medo, nem repulsa por sua cicatriz, mas algo incomum que revirava seu estômago pelo avesso.
— Você me deixa bem curioso...
— E-eu?
— Como pode olhar em meus olhos assim? Não tem medo?
— Bem, isso... — piscou algumas vezes antes de falar pausadamente. — Como posso lhe ensinar sem olhar pra você?
Pareceu quase impercetível os lábios rosados se curvarem em um meio sorriso, mas antes que o estudante percebesse, Yoongi se afastou.
— Faz um tempo que enfrentei alguém assim. Eles sempre estão se curvando... — divagou pensativo. — Mas você disse "um teste", não foi? — mudou de assunto pegando uma pena embebida com tinta preta. — Podemos começar?
— Okay! — se empolgou Taehyung dando um sorriso largo. — Por favor, repita o número dez, agora o vinte dois...
E assim Taetae foi citando os algarismos aleatoriamente, testando a inteligência do loiro. Por isso, Yoongi vibrou em cada acerto, ao ver o outro dar o visto em suas respostas com a inseparável caneta preta. Porém, se zangava em uma birra infantil, cruzando os braços e virando de costas quando Taehyung rabiscava um "x".
— Vamos repetir, até você acertar. Não precisa inflar essas bochechas... — disse o estudante sem conseguir deixar de rir.
[...]
Mais um dia raiava, com o galo cantando em cima da cerca de madeira e arames farpados. Era o costumeiro sinal de que estava na hora dos humanos acordarem, inclusive o Kim, que chutava o ar tampando os ouvidos ao mesmo tempo que praquejava sem parar a ave barulhenta.
— Aish, vou fazer ensopadinho de você, se não me deixar dormir, ouviu?!
— Se vista, vamos! — disse Seokjin, surgindo do nada com uma muda de roupas limpas.
— Aaah, quando vai chuver? Quero voltar pra casa... — choramingou Taetae, fazendo caras e bocas, ao se revirar na esteira forrada com uma manta.
[...]
— Três mais sete, igual a... — falava o loiro ao riscar o chão com a ajuda de um graveto. — dez.
Taehyung aplaudiu nada empolgado, já cansado em segurar desajeitosamente a espécie de guarda-chuva mega pesado, que prevenia o rei branquelo de uma futura insolação.
— Ajeite sua postura, aish... O sombreiro está no meu rosto, seu desastrado!
— Omo, omo... — se desculpou, mas logo se desiquilibrou quando uma rajada de vento puxou o objeto. — Ah, não!
O céu estava limpíssimo, nem uma nuvem presente para lhe dar esperança de que cairia chuva. A garganta do estudante secava constantimente, nem em Daegu nos dias de verão, o clima era tão quente assim. Por isso corria vez ou outra para enxer a vazilha que Jin lhe dera, abastecendo de água e se hidratando rapidamente sob o olhar impaciente do rei. Mas logo voltava a segurar o pesado sombreiro com risinhos discretos de toda a comitiva composta por eunucos e empregados, que acompanhavam o pequeno passeio de vossa majestade.
Se fossem atentos o suficiente, veriam que Yoongi começava a gostar mais do que deveria da companhia do rapaz estabanado.
[...]
O som dos grilos na noite estrelada, sem a presença de aviões ou arranha céus, lembravam a Taehyung de que estava em um século diferente. Então poderia ser mágico comer na varanda, sentado sobre um banquinho de madeira ao respirar o ar puro do campo, se a comida não fosse uma gororoba verde boiando em uma cumbuca, que Jin e uma criança catarrenta comia sem reclamar. Próximo a eles, o rato aguardava paciente as migalhas cair no chão, como um animal adestrado.
— Você poderia até ser fofo se não fosse um roedor que passasse lectospirose e outros tipos de doença. — pensou em voz alta encolhendo as pernas, por pura precaução. Porém, logo se lembrou de que sua mãe tinha colocado algumas guloseimas em sua mochila e correu para procurar seu origine³. — Não está aqui!
Sob o mesmo céu estrelado, a alguns quilômetros dali, alguém estudava com afinco o que seria aquilo, ao comparar a tal coisa em seu livro de gravuras.
— Uma bomba? Sim! — deduziu Min Yoongi. Então colocou o origine nas chamas de uma das velas que iluminavam seus aposentos, para em seguida, correr até a janela mais próxima que dava para o jardim. Então jogou o pequeno pacote o mais longe que conseguiu. — Boooombaaaa! — berrou, se jogando no chão e tampando os ouvidos.
Contudo, nada aconteceu. Lá fora apenas permanecia os sons dos pequenos insetos.
— Majestaaade! — gritou o eunuco-chefe, entrando apressado, quase derrubando a porta devido ao susto. — Aigoo, mas o que...
— Só venha quando eu chamar! — disse encabulado sentando rapidamente, ainda com o rosto e orelhas vernelhas, alisando os cabelos desalinhados. Ainda demorou alguns longos segundos para o mais velho entender, ou não, só saindo realmente quando Yoongi lhe jogou os próprios sapatos, mandando o mesmo ir embora. — Aquele garoto... — suspirou o rei, perdendo a postura de bravo, ainda com o rosto em brasas.
Taehyung lhe surpreendia cada vez mais, de forma positiva, claro. Afinal, ele não era uma ameaça, e sim sua salvação.
Continua ☔
Sungssochung¹: meteorologia.
Eunoco-bufão²: aquele que faz o rei rir, como um bobo da corte.
Origine³: uma especie de bolinho de arroz em forma triangular, revestido com algas secas e recheios variados.
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