Dinastia Joseon
capítulo 2
Kim Taehyung correu o mais rápido que pôde, se esgueirando pelas bifurcações do Palácio.
Por sorte, viu uma porta entreaberta e lá se escondeu para ganhar algum tempo, até pensar em como contornar aquela grande maluquice. Por isso, quase gritou ao virar e ver uma quantidade considerável de figurinos de época, inclusive a mesma espécie de bata verde na qual seu professor estava vestindo.
Com o coração aos pulos, tirou suas roupas encharcadas e procurou algo que não ficasse tão pequeno no seu corpo, mas não achou. As pernas longas ficariam à mostra, precisaria andar curvado para o traje não ficar tão desproporcional.
— Isso pode ser um bom disfarce. — pensou em voz alta ao se olhar em um espelho modesto entre as pilhas de roupas e acessórios. — Já sei!
O moreno remexeu em sua mochila vermelha, de lá tirando uma caneta de seu estojo. Rabiscou com a tinta preta o rosto liso, simulando uma barbicha mal feita. Por último, e não menos importante, prendeu os fios negros que já beiravam aos ombros em um coque frouxo, enfiando um chapéu pontiagudo para completar o disfarce.
Cauteloso, espreitou por uma brecha a movimentação do elenco de atores lá fora.
— Aigoo, eles são ótimos mesmo, parecem tão naturais. — comentou impressionado.
Taehyung aguardou mais alguns minutos ali, esperando o momento certo, até que viu a oportunidade perfeita quando um grupo vestindo a bata verde passou ali perto. Saiu do seu esconderijo, se enfiando no meio dos homens que conversavam algo aleatório. Sua cabeça continuava baixa, mas os olhos varriam em procura de uma saída, até visualizar um grande portal, sem ninguém aparentemente vigiando.
Com uma certa euforia, deixou de seguir o grupo, indo na direção contrária. Mas, ao dar dois passos rumo ao tal portal, uma parede humana se chocou contra si, fazendo o garoto gemer em frustração.
[...]
Enquanto isso, o rei Min Yoongi gritava com um dos eruditos responsáveis por resolver os problemas de logística avançada. Os homens eram especialmente treinados e cobrados para entregarem um resultado satisfatório, contudo não era o que estava acontecendo.
— Não consegue, pelo menos, resolver menos o Teorema de Pitágoras?! — esbravejou o loiro, já exausto, sentindo-se desanimado devido a inércia em que se encontravam. — Será possível que não há uma alma viva nesse reino que seja bom em aritmética? — perguntou dessa vez dirigindo-se ao seu conselheiro.
— Sinto muito, majestade.
— Deveriam se esforçar mais! — trincou os dentes já saindo da sala, sendo acompanhado pelo ministro a cada passada. — Preciso ser mais inteligente e perspicaz que aqueles anciões. Não posso deixar que eles me influenciem por pura ingenuidade. Um verdadeiro homem se mede pela sua sabedoria! — enfatizou Yoongi pensativo, recebendo o apenas o silêncio do outro. — Compreende o que digo? — parou no meio do corredor, se voltando para o mais velho, querendo que entendesse de uma vez a urgência em suas palavras. — Você sabe o verdadeiro motivo de insistir nisso, então...
— Vossa majestade! — alguém gritou tentando ultrapassar os dois guardas que vigiavam o recinto.
O rei fez um gesto com as mãos, logo os homens armados, baixaram novamente suas espadas, abrindo espaços para o outro se aproximar.
— Como ousa dirigir desse jeito ao rei?! — acusou o conselheiro enraivecido.
— Perdão, vossa majestade. Creio que achei o falso duende.
O homem era Seokjin.
Ele não era um nobre, muito menos fazia parte dos eunucos, ministros, guardas ou qualquer um que tivesse uma função ali. Jin era apenas um jovem camponês que teve a infeliz sorte de crescer entre os príncipes e todo clero, devido a generosidade do falecido rei após uma tragédia. Órfão ainda criança, foi acolhido pela coroa, mas mesmo vivendo no luxo, não esquecia de suas raízes humildes. Por isso, assim que Yoongi assumiu o trono, decidiu voltar para antiga vila de casas ondes os pais moravam.
Jin voltava vez ou outra ao palácio a pedido de sua majestade para lhe dar aulas de música ou distrair o rei com suas piadas. Contudo, seu coração apaixonado sabia perfeitamente que não voltava ali para fazer apenas companhia ao rei.
O mesmo guardava um segredo no qual nunca ousaria contar.
[...]
O homem loiro com uma cicatriz no rosto era tão lindo quanto Taehyung supunha. Ele observou cada detalhe da pele leitosa, dos olhos repuxadinhos. Reparou nas sobrancelhas escuras que franziam, vez ou outra, nos lábios finos que formavam um bico adorável ao falar, admirou até a voz graciosamente rouca, que mais parecia um ronronar de um felino. Taetae parou de prestar atenção na conversa desde que o mesmo falou "Joseon".
— A água que foi recolhida ficou ruim e os poucos vales existentes, já secaram em Joseon...
— Joseon... O mesmo Joseon da história? Oh, isso é incrível... — disse o rapaz chocado, piscando seguidas vezes até começar a olhar ao seu redor, ainda surpreso demais em saber que voltou no tempo. — Foi a poça d'água? Ou talvez a chuva... É isso! Então posso voltar quando chover de novo. — balbuciou.
— A última vez que choveu foi há três anos.
— Três anos?! — Tae repetiu incrédulo.
Yoongi fez um gesto e Jin se aproximou, lhe entregando a mochila vermelha.
— Infelizmente não acredito nas coisas que não posso ver. Mas, por outro lado, se não gosto do que meus olhos veem, preciso saber a lógica e o princípio.
— Hã?
— Suas vestes e penteados são peculiares. — continuou o rei. — Mas isto aqui chega a ser perturbador...
— Oh, meu celular!
— A chuva neste lugar. Onde fica isso? — perguntou, apontando para a tela.
— Ah, acho que entendeu errado, sou apenas um colegial. — tentou se explicar, tropeçando nas próprias palavras. — Vim do futuro através da chuva!
— Futuro?!
— Sei que parece absurdo, mas isto não é chuva de verdade, é apenas um aplicativo que diz o tempo.
— Pode saber sobre o tempo através desta coisa?! — perguntou assombrado, tocando em seguida na tela. A câmera do celular foi acidentalmente ligada, logo saindo o flash e som de foto. — Aaaaaaah!!!
Yoongi gritou desesperado, soltando o objeto no chão como se fosse algo mortal, para se esconder atrás de Jin, que por sua vez também estava assustado.
— Aish... Espero que não esteja quebrado. — lamentou Taehyung, pegando com cuidado.
— O que... O que você fez? — questionou o rei se aproximando de novo. — Onde foi parar a chuva?!
— Desliguei para poupar a bateria. — Taehyung deu de ombros.
— Fale de uma maneira que eu consiga entender!
— Acho que o intruso não leva sua soberania a sério, majestade. — se manifestou Seokjin, pressionando os joelhos de Taehyung por trás para o garoto se curvar.
— Sim, você tens razão! Me dê isto. — Yoongi, com um sorriso torto nos lábios, manuseou a katana com destreza, mirando o rapaz.
— Oh, espere, espere! — choramingou Taehyung. — Isso é uma espada de verdade?!
— Óbvio que sim.
— Ooooooh, espere, espere! — suplicou mais uma vez, fechando os olhos com força. — Sou do futuro, eu sei de tudo, é só me perguntar!
— De tudo mesmo? — questionou desconfiado, mas abaixando a espada.
Estava extremamente curioso para saber do que o viajante do tempo era capaz. Então devolveu a katana a Jin e pegou uma folha que estava sobre sua mesa, com um problema matemático. Queria desafiar a inteligência do estranho.
— A soma do lado pequeno e do lado grande é sete, e a diferença entre a hipotenusa e o lado pequeno é dois. — Tae ainda estava ajoelhado, encarando a folha à sua frente. — Darei dois dias para que encontre o comprimento do lado pequeno, do lado grande e da hipotenusa.
— O que é isso? Não consigo ler.
— Não sabe hanja, o dialeto chinês?
Taehyung negou, então o Rei bufou, pedindo a Jin sua espada para aflorar mais uma vez com os nervos do outro.
— Mas isto é... Pitágoras. — continuou o estudante, alcançando sua mochila para abrir o estojo. Logo começou a rabiscar no papel. Por isso, de duas uma: ou o problema matemático era simples demais, ou devido a situação inusitada, sua mente aguçou seu raciocínio. — Estou conseguindo entender claramente...
— Como consegue escrever sem tinta? — perguntou o rei chocado.
— Isto é uma caneta. — sussurrou concentrado, logo resmungou mais baixo ainda. — O que estou fazendo aqui se ainda nem fiz vestibular?
— Caneta?
— Bingo! X é igual a três, quatro e cinco, respetivamente. — disse Tae orgulhoso, mostrando o resultado.
O loiro arrancou o papel de suas mãos com um certo assombro.
— Como resolveu tão rapidamente, quando um erudito demorou três dias para responder... e ainda sim, ele errou?
— Bom... — Taehyung começou um pouco hesitante, já que nem ele sabia como tinha conseguido com tanta facilidade. — No futuro, se for um colegial, terá que resolver problemas matemáticos constantemente.
— Quer dizer que no futuro as pessoas se tornaram eunucos voluntariamente para estudar aritmética?
Ambos ainda faziam confusão com a pronúncia dos nomes, por isso Taehyung confirmou, fazendo Yoongi ficar mais impressionado.
— Sim, a maioria das pessoas se tornam colegiais!
— Que incrível. — o Rei encarou Taehyung de perto. Parecia mais animado do que nunca. — Todos os problemas estão ligados à matemática! Certo, eunuco, tem minha palavra que, se me ensinar suas habilidades em aritmética, terei piedade e o livrarei de qualquer punição.
— Hã?
— Eunuco-chefe! — disse o Rei, fazendo seu servo trazer uma pepita de ouro, a maior que Taehyung já viu. — Duende, acho que você será útil.
— Eu?
— Sim. Depois que me ensinar tudo, pode ir embora quando a chuva cair. Você tem minha palavra.
O estudante concordou, vendo que não teria muita escolha. Pensando bem, poderia até tirar algum proveito daquilo.
— Quem sabe voltarei rico? — sorriu sonhador, depois de morder a pepita de ouro.
— Leve ele para um lugar seguro e fique de olho. Não confio nos que rondam o palácio, principalmente dos que souberem das destrezas de...
Yoongi parou de falar, percebendo que não tinha perguntado o nome do rapaz, por isso olhou sugestivamente para ele, esperando que completasse a frase.
— Me chamo Taehyung.
— Certo. Leve o eunuco Taehyung. Cuide para que o mesmo se sinta confortável.
— Sim, majestade. — disse Seokjin se curvando, antes de puxar Tae pelo casaco úmido, fazendo com que se levantasse.
— Estamos sozinhos aqui, Jin, pode falar informalmente. — disse o loiro apertando os ombros largos do mais velho. — Obrigado por tudo.
O mais alto concordou sem jeito, não se sentia muito confortável quando Yoongi se mostrava tão amigável, pois a culpa dos seus sentimentos controversos pesavam mais em seu coração.
[...]
— Me dê isto. — disse Jin em tom pacífico, estendendo a mão. — Vamos, me dê. É para pagar a estalagem... Ou quer dormir no relento?
Taehyung foi levado para a vila humilde onde o músico morava. Porém, ainda se mostrava relutante ao entregar o ouro que pretendia trocar por alguns milhares de wons quando voltasse. Já Seokjin, não se importou com os protestos do outro, muito menos com o bico enorme que fez.
— Hey! E o troco? — Jin, que já tinha se virado, voltou apenas para tirar algo atrás da porta e lhe entregar. — Acho que já vi isto no meu livro de história. É um pluviômetro?
— Pluvi... o quê?
— Não é com isto que se mede a quantidade de chuva?
O músico lhe encarou como se tivesse nascido uma segunda cabeça, tamanha estranheza pareciam suas palavras.
— Beba água com isto ou morrerá de sede. — grunhiu antes de se virar mais uma vez.
— Oh, hyung, mais uma coisa! Onde fica o banheiro?
O mais alto fingiu não escutar o honorífico e apontou para uma vasilha no canto do quarto, que mais parecia uma panela.
— Se quiser fazer algo mais sólido, use o quintal. — completou vendo os olhos esbugalhados do rapaz. — É só imaginar como os gatos fazem. — disse simplista.
Apesar de gemer em frustração quando se viu sozinho, Taehyung varreu os olhos pelo espaço minúsculo, tentando se conformar com os pouquíssimos móveis. Mas sentiu falta do básico, como por exemplo, uma cama.
— Okay, ainda que feio e desconfortável, parece limpinho. — tentou se convencer, até ouvir nas vigas do telhado forrado de palha, sons inconfundíveis de pequenos roedores.
— Oppaaaa! — ouviu uma garotinha com os cabelos bagunçados e vestido encardido falar ao abrir desastrosamente uma porta pequena que dava acesso ao quarto vizinho.
Em outra ocasião, Tae teria perguntado o nome da criança banguela, mas preferiu segurar gentilmente os ombros da mesma e tirá-la de sua visão. Obstruiu a porta com a única mesa tinha ali e começou a arrastar uma esteira de madeira que iria forrar para dormir.
— O plano é simples: só preciso descansar agora e tentar não enlouquecer.
Esse seu plano brilhante foi por água abaixo segundos depois, quando um camundongo repugnante pulou em seu ombro. Logo Taehyung estava berrando e saltitando pelo quarto.
Continua ☔
Fazendo uma ressalva de que a palavra eunuco e estudante tem a pronúncia bem parecida no dialeto coreano, por isso a confusão inicial dos dois.
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