Capítulo Três:

Dora escancarou as portas do refeitório, deixando o caos se espalhar atrás de si.

Ela achava que Júlia provavelmente viria atrás dela para infernizar um pouco mais sua vida, exigindo saber o motivo pelo qual ela "se jogou" em cima do seu namorado. Ed também viria, é claro, mas ela esperou que ele entendesse sua saída repentina como um pedido desesperado para ficar sozinha.

— Eu não acredito! Eu. Não. Acredito! — ela resmungou para si mesma, andando às pressas pelo corredor, o sangue fervendo nas veias.

Não era para as coisas acontecerem daquele jeito. Júlia deveria beber a poção, Júlia, não Owen!

Andando pelos corredores desertos como um furacão zangado e confuso, Dora desejou que também possuísse o dom de vidência. Se soubesse que Owen beberia a droga do suco, jamais teria preparado aquela poção.

— Theodora, espera!

Dora congelou no lugar, sentindo o corpo encolher.

— Ah, não...

— Você tem certeza que tá bem? Foi uma queda feia...

Devagar, ela girou o corpo, encarando Owen, que vinha em sua direção.

— Eu estou bem — ela respondeu, desejando desaparecer da face da terra. — Preciso ir agora.

Antes que conseguisse sair dali, uma mão forte segurou seu pulso com cuidado.

— Na verdade, será que a gente não pode conversar?

Dora olhou para Owen, que a fitava com seus olhos de cor indefinida. Aquelas írises, uma mistura de castanho escuro, mel e verde, sempre tinham sido um mistério para ela.

— Não temos nada para conversar — Dora rebateu, ao mesmo tempo em que se esquivava, determinada a não ceder a ele. Owen estava enfeitiçado e ficaria apaixonado por ela por poucos dias. Se mantivesse distância e não desse brecha para aproximações, logo o problema estaria resolvido.

E eu nunca mais toco em um livro de poções, Dora jurou para si mesma.

— Eu te devo um pedido de desculpas — ele falou de repente, sem se deixar abalar pela rispidez dela. — Sei que não te tratei como Júlia te tratou durante os anos, mas também nunca fiz nada para impedir.

Ao ouvir aquilo, Dora sentiu ainda mais raiva. Se tivesse força suficiente, daria um belo murro na cara daquele imbecil.

— Como é? — ela indagou, semicerrando os olhos e batendo o indicador no peito dele. — Você e seus amigos idiotas atormentam Ed e eu desde o primário! Por acaso se lembra de quando Erik colou um chiclete na minha carteira e eu fiquei o dia todo com aquela coisa grudada no traseiro?

—Isso foi cruel, mas não fu...

Dora empurrou-o mais um pouco, satisfeita com a possibilidade de finalmente colocar tudo para fora.

— E, se me lembro bem, você estava lá quando enfiaram a cabeça do Ed na privada pela primeira vez, não foi? E em todas as outras vezes depois disso.

— Foi um pouco babaca da minha parte, eu admi...

Um pouco?! — Olhando para Owen ali, parado com aquela cara de inocente, Theodora quis retalhá-lo como papel. — E quando Ed e eu finalmente fomos aceitos nessa droga de escola e eu pensei que me veria livre de você, percebi que estava enganada no primeiro dia de aula, quando você me deu as boas-vindas colocando uma lagartixa no meu armário.

— Mas você não teve medo da lagartixa! Você pegou ela na mão e disse que era a coisa mais fofa que já tinha visto.

Não importa! Seres humanos descentes não colocam animais, em especial répteis, nas coisas de outras pessoas. — Dora grunhiu como uma maluca, jogando os braços para cima. — Olha, Owen, se eu fosse você, sumia da minha frente nesse exato momento.

— Dora...

— Não me chame assim!

Antes que fizesse algo de que se arrependesse mais tarde – e ela já tinha arrependimentos de sobra – Dora deixou Owen no meio do corredor e se afastou a passos firmes.

— Eu só quero pedir desculpas! — ele disse atrás dela. — Sei que devia ter dito isso muito antes, mas... Não sei, parece que só agora percebi que não deveria ter feito as coisas que fiz. Nem eu, nem Júlia e os outros.

Dora balançou a cabeça, sentindo o coração apertar.

Tudo aquilo, o pedido de desculpas e as palavras que pareciam sinceras, só eram o efeito de magia. A poção do amor era bem mais traiçoeira do que ela pensava.

Dora olhou para trás, observando Owen com sua calça jeans escura, o casaco do time de futebol e os cabelos escuros bagunçados, olhando para ela com deslumbro. Ele voltaria a ser o mesmo babaca de sempre quando o efeito da magia acabasse, e tudo aquilo só passava de uma tática fajuta para conseguir se aproximar dela.

Era isso que a poção do amor fazia, com que o único objetivo da pessoa enfeitiçada fosse conquistar aquela por quem estava apaixonada.

— Palavras não funcionam para mim — Dora disse, encarando Owen como se estivesse de cima, apesar de ser bem mais baixa que ele. — Gosto de atitudes. Nunca mais atormente Ed, e talvez eu perdoe você.

— Vou fazer isso, e vou convencer os outros a fazer também — ele prometeu, mas então franziu as sobrancelhas, como se algo não estivesse encaixando. — Mas por que não pediu por você também?

Dora não respondeu, em vez disso, virou o corredor, torcendo para que Owen não lhe seguisse de novo.

Por que não pediu por você também? a pergunta ecoou em sua mente.

Porque, pensou ela, dói bem mais quando é a pessoa que ama sofrendo e não você mesma.

***

Cinquenta mensagens?!

— Pois é...

— Meu Deus, Dora... Você está encrencada.

— Sério? — ela perguntou com ironia, olhando para Ed, deitado do outro lado de sua cama. — Encrencada não chega nem perto do que vou estar se minha mãe descobrir isso.

— Tá, vamos olhar pelo lado bom — disse Ed, ajeitando seus óculos. — Pelo menos você tem um cara bonitão na sua cola pelos próximos dias, além dele ser rico, charmoso e...

— Podre por dentro? — ela sugeriu, lançando um travesseiro na cara do amigo. — Sei que você quer tentar deixar as coisas engraçadas, Ed, mas elas não são nem um pouco engraçadas. Owen me mandou mensagens o dia todo! Está agindo como um tolo apaixonado.

— Essa não é a função da poção do amor? — perguntou ele, revirando os olhos. — Deixar as pessoas babonas de tão apaixonadas?

Gemendo de desgosto, Dora deixou-se cair de cara na cama, pensando em como aquele dia tinha sido horrível.

Depois daquele vexame no refeitório, Júlia praticamente seguiu Dora pela escola inteira, exigindo explicações de coisas que ela não fazia nem ideia de ter feito. Aparentemente, Owen havia saído do radar de Júlia o dia todo, e ela jurava que a culpa era de Dora. E, bom... era mesmo.

Como os melhores amigos sempre devem fazer um com o outro, Ed soube que Dora estava uma pilha de nervos e, mesmo sabendo que corria o risco de morte iminente, ofereceu-se para dormir na casa dela.

Naquele instante, com o aplicativo do Spotify ligado no notebook de Dora, a música Black Magic de Little Mix começou a tocar.

— O destino só pode estar de brincadeira com a minha cara... — resmungou ela. Ed segurava tanto a risada que ficou vermelho como um pimentão. — Por favor, troca essa música.

— Mas ela é ótima — protestou o amigo. — E condiz muito com a sua vida atual...

Outro travesseiro foi jogado, e, desta vez, Dora conseguiu fazer com que Ed fosse derrubado da cama.

Segundos mais tarde, quando Ed voltou para a cama e os dois conversavam quase amigavelmente, Dora ouviu barulhos estranhos vindos da janela do quarto.

— Ei, desliga a música — ela pediu e, quando o quarto caiu no silêncio, percebeu que algo estava batendo contra o vidro.

Pedrinhas.

Juntos, os dois foram até lá, destravaram a janela e olharam para baixo.

— Acho que você tem problemas — sussurrou Ed, começando a rir no segundo seguinte.

Completamente embasbacada, Dora observou o grupo de pessoas que se reunira no seu quintal.

Owen, com a banda completa de músicos da cidade, estava parado lá embaixo, com um sorriso no rosto e um violão nos braços.

— Hoje, nessa noite tão linda, percebi que tudo o que queria fazer é torná-la ainda mais especial para você — recitou Owen, olhando para Dora. — Como um pedido de desculpas e uma súplica por reconciliação, ofereço essa canção para você, Theodora.

— Por favor — sussurrou ela para Ed, o coração batendo descontrolado no peito. — Me mata.

A banda começou a tocar naquele instante, preenchendo a noite com o som melodioso que produziam.

Wise men say / Only fools rush in / But I can't help / Falling in love with you.

A voz de Owen se espalhou pelo ar e, como se já não bastasse ele estar cantando uma das músicas preferidas de Dora, sua voz era irritantemente maravilhosa.

— É Elvis Presley! — exclamou Ed, olhando para a amiga com os olhos arregalados. — Como ele sabe que...

Naquele instante a porta do quarto foi aberta.

— É impressão ou minha filhinha está recebendo sua primeira serenata?! —perguntou Susana com um enorme sorriso. Ela se aproximou de Dora aos pulinhos, batendo palmas.

— Mãe! — Dora tentou protestar, com o rosto queimando de vergonha.

— Chega para lá, eu quero ver.

Susana se espremeu entre Ed e Dora, olhando para baixo.

— Espere um pouco. — Ela estreitou os olhos, como se não acreditasse no que estava vendo. — Esse não é o Owen Taylor? Filho do William, aquele gringo empresário?

— O próprio — confirmou Ed.

— Eu pensei que você não gostasse dele — ela estranhou, olhando para a filha.

— Eu não gosto! Isso é ridículo...

Shall I stay? / Would it be a sin / If I can't help / Falling in love with you?

Owen não dava sinais de que pararia com a cantoria tão cedo.

— Okay, já chega com essa palhaçada.

Com a cabeça latejando e pensando na grande enrascada em que tinha se metido, Dora foi até o banheiro e voltou com um enorme balde de água fria. Quando se aproximou da janela, Ed a olhou como se a amiga tivesse voltado do hospício.

— Você não vai fazer isso...

— Quer apostar?

—Dora, você não ouse... — A mãe tentou impedir, mas, passando por ela, Dora apoiou-se no parapeito da janela.

Olhando para baixo, gritou:

— Venha com uma serenata de novo, Owen, experimenta e a próxima coisa que vou jogar em você vai ser um tijolo!

E, sem hesitar, ela virou o balde de uma só vez, encharcando Owen e seu violão em menos de um segundo.

A música, graças a Deus, parou no mesmo instante, mas os burburinhos surpresos dos músicos não cessaram tão cedo. Dora então fechou a janela com um baque.

— Dora! — exclamou Susana, virando-se para filha com uma expressão horrorizada. — Não acredito que você fez isso com o pobre rapaz.

— Vai por mim, mãe, de pobre ele não tem nada. — Dora sentou-se na cama, escondendo o rosto nas mãos. Estava tão frustrada e nervosa que queria se jogar pela janela.

Mas aí teria que dar de cara com Owen...

— Parece que ele não vai sair dali tão fácil — disse Ed de repente. Dora ergueu os olhos e o viu espiando pelo vidro da janela.

— Está sentado na grama, encharcado e ainda sim com um sorriso no rosto. Na verdade, se olharmos por certo ângulo, ele está parecendo muito com um cachorrinho esperando pelo dono.

Dora soltou um grunhido. Será que ela realmente teria que jogar um tijolo na cabeça dele para ver se algum juízo poderia entrar lá?

— Acho melhor você ir conversar com ele — opinou a mãe, ao lado de Ed. — Não sei o que você fez, mas ele parece estar bastante apaixonado.

O que eu fiz?, pensou Dora com amargura. Eu o enfeiticei com uma poção do amor...

— Não vou descer para falar com ninguém — ela disse determinada. — Ele que congele lá embaixo com todos os seus músicos.

— Theodora, não foi essa a educação que te dei — a voz da mãe saiu dura, ríspida. Ela cruzou os braços e encarou Dora. — Se não quer nada com Owen, desça lá embaixo e diga isso a ele.

— Achei que meu balde de água fria e a ameaça do tijolo deixariam isso bem claro — Dora falou indignada.

A mãe continuou encarando-a, sem nem piscar.

Com um suspiro derrotado, Dora se levantou da cama e pegou seu casaco no caminho.

— Três dias... — sussurrou enquanto descia as escadas. — Três dias e essa tortura acaba.

Abrindo a porta que levava ao jardim da frente, Dora sentiu o ar frio no rosto. Quando o feixe de luz da sala escapou pela porta, Owen, que estava sentado na grama a poucos metros de distância, se levantou, caminhando na direção de Dora.

— Não pensei que seria recebido com um balde de água na cabeça — foi a primeira coisa que ele disse, sorrindo para ela. Ele estava encharcado, e os cabelos escuros grudavam na testa. — Mas tudo bem. Para falar a verdade, toda a euforia para montar a serenata em tão pouco tempo me deixou com calor.

— Você deveria saber que nós estamos no século vinte e um e serenatas estão terrivelmente fora de moda — Dora disse, cruzando os braços na frente do corpo.

— Prefere uma música mais moderna, então? Tipo Marília Mendonça ou...

— Prefiro que você saia do meu quintal e vá para casa — ela rebateu. — Por acaso perdeu o juízo? O que está pretendendo com tudo isso?

Mas ela já sabia a resposta antes mesmo de fazer a pergunta.

— Você disse que não acreditava muito em palavras e sim em ações — Owen falou. — Então decidi agir.

— Com uma serenata?!

— Foi o que meu pai fez para tentar conquistar minha mãe quando eles se conheceram. Ele ainda não falava português direito, mas cantou Roberto Carlos para ela.

Dora suspirou, massageando as têmporas para tentar aliviar a dor de cabeça que estava sentindo.

— Olha, Owen, eu sei o que está tentando fazer — ela começou, odiando-se pela delicadeza forçada nas palavras. Por que diabos ela deveria ser delicada com ele, afinal de contas? — Mas não vai rolar.

A expressão de Owen se fechou, e ele pareceu murchar como uma rosa seca.

— Theodora...

— Não — ela interrompeu, fazendo sinal para que ele parasse.

— Você tem namorada. Júlia, caso tenha se esquecido. E mesmo se...

— Eu terminei com ela — ele soltou de repente. Dora sentiu o mundo vacilar ao seu redor.

— Você fez o quê?!

Não, aquilo não podia ser. A ideia era que, depois que o efeito da poção passasse, a vida dos dois voltaria ao normal. Sim, talvez depois ele tentasse voltar com Júlia, mas e se ela recusasse?

— Owen, isso foi longe demais, eu... — Atordoada, ela tentou voltar para casa.

— Espera. — Ele entrou em sua frente, estendendo uma caixa em formato de coração que segurava. — Trouxe isso para você.

— Owen, se você acha que vai conseguir me conquistar com...

— Ele abriu a tampa da caixa, onde uma porção de chocolates de diferentes sabores e formas estavam perfeitamente encaixados. —

...chocolates...

Ótimo. Estupendo.

Owen sabia qual era seu cantor preferido – Elvis Presley – e seu maior ponto fraco – chocolates –, o que mais viria em seguida?

— Owen...

— Gosta deles, não é? — ele perguntou com um sorrisinho bobo.

— Como você sabe?

Os olhos dele encontraram os dela.

— Você é mais fácil de ler do que imagina. E... bom, eu meio que já notei que você sempre leva um doce para o refeitório.

Dora ficou em silêncio, pela primeira vez, sem uma resposta na ponta da língua.

— Theodora, me dê uma chance. Só uma — ele disse, se aproximando dela. Seu cheiro invadiu as narinas de Dora, perfume cítrico e masculino. — Não uma chance para que eu te conquiste ou nada disso, mas para me redimir com você. Pelo menos tentar ser... seu amigo.

Dora estava pronta para negar quando ele continuou:

— As coisas que fiz com você e Ed parecem estar pesando agora. Até mesmo as coisas que assisti e não fiz nada para impedir. Não quero continuar olhando para você no colégio e sentir essa culpa.

Ela poderia ter ficado feliz de ouvir aquelas palavras uma semana antes ou no dia anterior, mas agora... Elas não passavam de ilusão. A culpa dele iria embora quando o efeito da poção passasse, assim como suas boas intenções.

— Por favor, Theodora. Me dá uma chance de te mostrar que posso ser seu amigo. Sai comigo?

Ela suspirou, tentando manter a calma.

Ele não a deixaria em paz se não aceitasse, deixaria?

Droga! Que escolha ela tinha afinal de contas? Dora tinha enfeitiçado Owen, e por mais desprezível que ele fosse, parecia cruel demais deixá-lo sofrendo de amor daquele jeito.

Se bem que ele até merecia um pouco de dor... Mas Dora não era assim tão má, era?

— Quando? — ela perguntou, a palavra saindo quase como um rosnado.

Os olhos de Owen se iluminaram como duas estrelas, e, naquele momento, Dora percebeu o quanto ele estava ainda mais bonito.

Se concentre.

— Sábado — ele respondeu sem hesitar. — Pego você às oito horas, pode ser?

— Tudo bem. — Ela inclinou-se para ele com as sobrancelhas franzidas, antes que ficasse empolgado demais. — Mas só dessa vez.

— Claro, tudo bem. — Owen então entregou a caixa de bombons para Dora, que nem por um segundo pensou seriamente em recusar.

Antes que ela pudesse entrar e Owen fosse embora do seu quintal, ele segurou sua mão e lhe deu um beijo na bochecha. Ao sentir seus lábios quentes contra sua pele, Dora congelou no lugar.

— Até amanhã, na escola. E então ele se foi.

Parada no hall de entrada, com o vento frio no rosto e uma caixa de bombons nos braços, Dora pensou que jamais tinha se metido em uma confusão tão grande.

Mas, então, por que agora não estava mais tão incomodada com aquilo?

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