20

Consegui me esconder atrás do entulho e caixas velhas empoeiradas daquele depósito a tempo despistando-os. — Nós temos poderes quase ilimitados minha cara, podemos nos passar por quem quisermos. — Oculta entre as caixas eu pude ouvir ela zombar de minha ignorância.

Quando foi que essa infeliz escapou do desabamento?

Contudo o que ela disse fez cair a ficha. Matei a charada.

Foi ela. Desde o começo. Não foi só o assassinato da Jéssica com aquela máscara idiota.

Foi tudo.

A maldita está pertinho de mim, ela sabe onde estou, mas eu não sei onde ela está.

Sim, foi ela. Tudo isso é coisa dela. Desgraçada.

Foi essa cretina que fez o acordo com a senhora Reed para que Jéssica fosse entregar os arquivos naquele beco no Expurgo. Essa falsa Jéssica foi quem impôs as condições se fazendo passar por um dos poderosos políticos prejudicados pelo dossiê.

É só pensar um pouco, é verdade que o dossiê que a Jéssica verdadeira jogou na rede prejudicou muita gente, mas para os mandachuvas, os caras que estão lá no topo, aquilo tudo não fez nem cócegas, eles estão blindados e inatingíveis. Inocência mesmo foi achar que esses figurões iam perder o tempo deles se preocupando com acusações de uma repórter de quinta categoria que escrevia para uma coluna marrom ou mesmo com um expurgado que gostava de bancar o detetive particular.

Logo se "eles" não estavam perdendo o sono por causa do dossiê então quem se incomodaria a ponto de ameaçar a Jéssica e a senhora Reed?

Ninguém se incomodou, aí é que está a charada.

Mas a resposta estava aqui, bem perto de mim.

— Foi você que ameaçou a senhora Reed e a Jéssica. O dossiê foi um pretexto para apavorá-las. Não houve envolvimento de nenhum figurão do governo desde o começo. Nunca houve. — Afirmei com convicção. — Foi você que combinou aquele encontro no Expurgo. Era uma armadilha.

Tudo foi coisa dela.

Desde o começo.

— Exato. — Ela riu com satisfação.

Tudo fica claro agora, essa falsa Jéssica só queria que, por conta da influência que a senhora Reed tinha sobre a Jéssica original fizesse a pobre coitada ir sozinha para aquele lugar ermo.

Para poder matá-la.

Mas tem uma coisa que ainda não faz sentindo. Para que se dar a todo esse trabalho?

Se o problema era matar Jéssica para tomar seu lugar havia outros milhões de modos de fazer isso mais fácil.

Mas não.

Ela fez tudo isso de tal maneira que praticamente forçou a polícia a investigar o caso.

Uma mente tão sagaz como a dela não ia cometer um erro tão infantil.

Só que não foi um erro. Isso foi proposital, ela queria a polícia envolvida na jogada.

— Por que raios você queria que a polícia investigasse um assassinato que você mesma cometeu? — Gritei para que ela pudesse me ouvir entre as caixas.

Pude notar o vulto dela correndo em ziguezague entre as mesmas.

Cadê ela? Os barulhos dos tiros não me deixam ouvi-la se mover.

Fui surpreendida com uma das caixas arremessada contra mim. A destruí em pleno ar com um soco antes que ela me acertasse.

Só que essa Jéssica não queria realmente me acertar com aquilo, ela só queria tirar minha atenção.

E conseguiu. Ela me acertou fortemente nas costelas com um pesado chute indo rapidamente pelo meu flanco.

Recebi outro chute. E outro, outro e mais outro.

Não conseguia me levantar, fui me arrastando para longe dela. E ela veio caminhando em minha direção.

— Parece que você descobriu quase tudo, não é? — Ela falou como se estivesse saboreando sua vitória.

— Tem razão. — Tossi. — Quase, eu não sei sua motivação. — Falei arfando. — Eu não sei o que a fez causar tudo isso.

Ela me agarrou pelo colarinho e olhou ameaçadoramente nos meus olhos.

— Jéssica morta. Eu precisava matá-la de uma maneira que justificasse uma investigação policial, por isso fiz toda aquela encenação e alarde. Do contrário ela seria só mais um caso de homicídio empilhado entre outros milhares sem solução.

Ela apertou meu pescoço.

— Eu apenas valorizei a cena. — Ela falou devagar, como se me torturasse com suas palavras. — Mas o caso dela não era só mais um, afinal tratava-se de uma pessoa com informações sensíveis, capaz de ruir com todo um governo.

Eu precisava de ajuda. O tiroteio corria solto no local, eu não fazia ideia de onde Sam estava e ele tampouco tinha a minha posição.

Eu ia ter que me virar sozinha agora.

— Eu precisava que o caso valesse a pena ser desvendado para fazer a polícia se mexer e fazer o que eu queria. — Ela explicou. — Contudo o assassinato de uma fofoqueira de quinta em si ainda continuava irrelevante.

Isso era verdade, as informações que Jéssica divulgou na internet foram facilmente contestadas sem provas. Só os peixes pequenos foram apanhados nas negociatas, os chefões cercados de testas de ferro e laranjas ficaram sem seus envolvimentos comprovados.

Sequer foram citados.

— Eu me passei por um assessor daqueles figurões citados no dossiê e, por meio de e-mails, enalteci ao secretário de segurança a necessidade de se descobrir o paradeiro dos arquivos que corroboravam as denúncias.

— O secretário era um corrupto que devia muitos favores para o pessoal do topo. Ele não ia recusar ajudar. — Ela completou a informação.

Essa criatura, esse arremedo de gente é além de muito inteligente muito imatura. O mundo estava caindo sobre nossas cabeças, mas a vaidade dela fazia questão de me contar tudo.

Ela não podia apenas me vencer, ela precisava provar que era melhor que eu.

Para de alguma forma poder negar a si mesma que era igual a mim.

Que era uma reles máquina. Ela precisava se sentir superior.

Enquanto era estrangulada não podia deixar de reconhecer que ela era mesmo bem engenhosa — ainda que eu tivesse problemas mais pertinentes, como sair viva, por exemplo — mas tenho que admitir que fazer dos arquivos uma desculpa para mobilizar toda a polícia foi uma ótima jogada.

Afinal de contas, segundo ela mesma, ela precisava de mim. E isso não era uma coisa muito simples de se conseguir.

Mas o resto seguiu como ela previu: o secretário delegou para Filipe Casamata a missão de encontrar e eliminar os arquivos para salvar a elite política local de um provável escândalo. Filipe, por sua vez, usou a desculpa de investigar o assassinato da Jéssica para assim poder usar todo o aparato e recursos ilimitados da polícia para esse fim.

Elucidar todas as intenções dessa louca teriam que ficar para um segundo momento, primeiro precisava salvar o meu pescoço.

Era agora ou nunca, fiz um movimento acrobático jogando minhas duas pernas para cima e prendendo o pescoço e o braço dela que me apertava em uma tesoura.

Girei meu corpo para o lado e a derrubei jogando-a contra uma das caixas.

Escapei.

Mais tiros. Desta vez eles nos acharam, estava atirando na gente.

Ela urrou de ódio. Eu provei que podia ser igual ou melhor que ela.

Isso devia ser pior que a morte para ela.

Afinal ela não aceitava o fato de ser um androide. Não precisa ser um gênio da psicologia para sacar isso.

Tive que me ocultar entre as caixas velhas novamente. O labirinto de madeira e entulho estava se acabando. Logo eu estaria encurralada na parede do fundo do depósito.

Ainda que estivesse como prioridade salvar minha vida não parava de pensar nas estratégias dessa louca. Os arquivos nunca foram de interesse dela, esse era o ponto principal.

Como já havia deduzido aquela porcaria toda sobre Jéssica verdadeira ir ao Expurgo para trocar os arquivos com as provas que sustentavam a veracidade do dossiê por dinheiro ou passaporte para fugir eram só um embuste.

Uma armadilha.

Isso também explica o descaso desta farsante agora a pouco em se desfazer desses dados dando-os para Sam sem nenhuma dor na consciência ou cerimônia.

Mas ardilosamente ela fez de tudo para parecer que o crime girava em torno desses arquivos e, logo após cometê-lo, se passou pela falecida Jéssica entrando naquela academia conseguindo assim pegar os arquivos antes do armário se revistado pela polícia.

Ela precisava deixar os arquivos ocultos. De modo a forçar a polícia a continuar a procurar por eles.

Isso explica meu nascimento, sem pistas Filipe se viu obrigado a apelar a esse último recurso acreditando estar numa corrida contra o tempo: ressuscitar a Jéssica, processo que deu origem a mim.

Era isso que ela queria, desde o começo.

Fazer a polícia ressuscitar Jéssica.

Para que eu nascesse.

Mas, de novo, para quê?

O que essa louca pretendia?

Eu posso ter entendido a razão dela envolver tanto a polícia nisso, mas nem tanto o motivo de precisar tanto de mim, mas o que mais eu não entendo nisso tudo é porque ela também prejudicou a vida do pobre Sam no processo.

Ah, mas é claro. Ele também era uma peça no tabuleiro dela. Só pode ter sido isso.

Foi ela que acabou com o patrimônio que ele se esforçou tanto para construir e fez parecer que a culpa por isso era das pessoas que ele indiretamente atingiu no dossiê.

Acabar com a vida dele era o mesmo que lhe dar um propósito de vingança.

Ele — assim como todos nós — achou que tudo envolvia a divulgação do dossiê, ele acreditou que quem lhe fez mal só podiam ser os caras citados naquela delação. E a falsa Jéssica sabia que ele tinha conhecimentos suficientes para fugir e se esconder.

E que para se vingar ele ia tentar terminar o que Jéssica verdadeira começou.

Mas para isso Sam também precisava dos arquivos. E para consegui-los ele precisava de mim.

— Acho que entendi... — Arfei. — Você precisava de alguém para me tirar de perto de Filipe. — Falei na esperança dela me ouvir.

— Pois é, eu não podia chegar perto de você com tanta segurança a sua volta. — Ela respondeu se achando muito esperta.

Ela estava do outro lado da mesma caixa de madeira em que eu me escondia do tiroteio. Cada uma escorada em uma face oposta da caixa.

Essa Jéssica de araque precisava me manter longe de Filipe e Sam precisava de mim para conseguir os arquivos. Isso faz sentido, Sam ia fazer de tudo ao seu alcance para me tirar das mãos da polícia.

Ela mesma podia se passar por minha aliada me cedendo pistas ao invés de usar o Sam para isso, mas desta forma ela me exporia menos.

A cretina precisava deixar sua existência incógnita de qualquer maneira e quanto mais contatos ela fizesse maior seriam as chance de ser desmascarada.

Se alguém tivesse que ser descoberto que fosse ele, não ela.

— Como você ajudou o Sam a se aproximar de mim? — Pergunto esperando uma resposta dela, já que eu podia senti-la se esgueirando bem próxima.

— Eu também gravei a conversa desesperada da Alice com a Jéssica sobre as condições do encontro para troca dos arquivos por detrás da porta. — Ela se moveu como uma felina na escuridão me espreitando — Eu mesma dei esse arquivo de áudio para o Sam, o tolo pensou que os tinha achado por conta própria.

Por isso ela deu pistas a Sam para que ele conseguisse se aproximar de mim.

Isso explica a qualidade do áudio. Ela seguiu Jéssica em todos os seus momentos finais. E de certa forma influenciou Sam para que, com esse áudio, ele ganhasse minha confiança e me tirasse debaixo das asas e da segurança do Filipe Casamata.

Deu certo. Já que eu, apavorada com o acordo de Casamata e Abigail, não pensei duas vezes em fugir com o Sam.

— Você teve envolvimento no acordo de Abigail com Filipe? — Faço outra pergunta.

— De certo modo, talvez.. — Ela falou mais baixo dessa vez. — Eu apenas sugerir a ela lhe dar um corpo.

— Como?

— Ora, mandando uma mensagem para a mesma me passando por um diretor dela dando-lhe carta branca para fazer como bem lhe aprouvesse.

— Você me queria em um corpo?

— Somente presa em um corpo você me teria serventia! — Ela afirmou categoricamente.

Mesmo com essas informações eu ainda não entendi a razão dela me querer tanto.

Ela forçou a criação de uma força tarefa, uma investigação policial só para caçar os arquivos do dossiê.

Investigação essa que ela contava que se veria obrigada a ressuscitar um fantasma da Jéssica para ajudar por falta de pistas.

De certo modo ela é realmente a responsável pela minha criação.

Somente a própria Jéssica saberia dos arquivos, por isso herdei a mente dela. Para ajudar Filipe a colocar a mão no dossiê e salvar a pele de seus chefes.

Agora vejo que ela também é responsável por Abigail me dar um corpo.

Para quê?

Tanta informação, sendo digerida pela minha mente em questões de milissegundos. Não tem nem um minuto que saímos daquele buraco, mas para mim é como se houvesse se elucidado toda uma vida.

Ressuscitar a Jéssica.

Me dar um corpo...

Ah, merda... agora entendi a razão dela me querer tanto.

A caixa explode em milhares de pedaços, ela atravessou a madeira e veio direto em minha direção.

Fui arremessada muitos metros à frente derrubando uma pilha de caixas. Uma reação em cadeia se deu, dezenas de outras caixas empilhadas foram derrubando uma as outras.

Ela quer a minha mente.

Minha não, a da Jéssica.

Ela é incompleta. Fisicamente ela é idêntica a Jéssica, mas nem de longe pensa ou se comporta como ela.

É como uma gêmea univitelina. Idêntica, mas completamente diferente.

Ela quer ser a Jéssica em todos os quesitos. Ela quer ser completa.

Seu objetivo é se apropriar das memórias, da psique da Jéssica. Ela quer o meu programa.

Meu código, e consciência, salvo e seguro nos servidores da polícia era inacessível para ela.

Eu me lembro da vez em que quase fui apagada ao invadir informações que eram restritas apenas a humanos na rede.

O que estava disponível de informações para mim nos servidores da polícia não me era suficiente, eu precisava de mais e por isso invadi a segurança dos servidores da Sociedade de Supressão ao Vício e, entre outras coisas, copiei a lista de contatos da Jéssica. Aquilo foi muito arriscado, devo dizer. Se eu tivesse sido desmascarada teria sido apagada pelo sistema de segurança fortíssimo projetado para impedir que inteligências artificiais como eu ficasse bisbilhotando as memórias dos humanos "confiscadas" por essa organização.

Só consegui porque me passei pela verdadeira Jéssica com maestria enganando a segurança do sistema.

Pois, afinal de contas, eu tenho a mente dela.

Essa falsa Jéssica não, ela teria sido apagada se tivesse tentando acessar meu programa enquanto eu ainda estava salva nos servidores.

Para ter acesso ao cérebro da Jéssica ela precisava do meu programa intacto aprisionado em um corpo, longe da intervenção da polícia.

Porcaria, ela conseguiu o que queria.

Eu sou um disco rígido ambulante com tudo o que ela precisa.

Divagações a parte ela me acertou mais uma vez e com isso bati de costas no que parecia ser um pilar de aço.

Pronto, já juntei todas as peças do quebra cabeça.

Só que saber a verdade não resolve todos os meus problemas.

— Você foi o mascarado que apunhalou Jéssica naquela noite. — Eu comecei a me irritar, deixei meu ódio vir à tona e sai daquela postura de vítima. — Sua desgraçada, eu tenho aquelas memórias, eu ainda posso sentir o frio daquela lâmina perfurando a carne, ainda que não tenha sido a minha!

Eu revidei e a encontrei no breu acertando um forte soco nela também. Em matéria de força nós duas estávamos equiparadas.

— Eu não tenho problema nenhum em danificar este corpo — eu disse para ela como escárnio — mas acho que você precisa do seu intacto para continuar fingindo ser a Jéssica, não?

— Não toque em mim! — Ela gritou ao me esmurrar mais uma vez.

Eu acertei uma de esquerda nela, se ela fosse humana tinha beijado a lona.

— O que aconteceria se eu destruísse você todinha, hein? Quem poderia te consertar?

Finalmente eu vi o medo pousar no olhar dela.

— Afinal, você mesma matou seu próprio Gepeto! — Gritei e a soquei novamente.

— Você não vai conseguir isso sua idiota. — Ela gritou comigo se escondendo entre as caixas novamente. — Eu sou muito melhor que você.

Novamente a necessidade de afirmação dela. Ela precisa mostrar que é algo além de uma máquina.

Antes de provar para mim ela precisa provar e se convencer disso

A procurei sem sucesso entre todo aquele amontoado de entulho.

Até que pude ouvir ela apertar com as próprias mãos uma daquelas enormes colunas de aço danificado que sustentavam o pesado teto do galpão.

— Pare, o que você acha que está fazendo? — Gritei. — Pare!

Cadê a polícia quando se precisa dela? Estavam atirando na gente agora a pouco, bem que podiam acertá-la agora.

Só que ela continuou a esmagar aquela viga de aço. Aquilo deu origem a uma reação em cadeia. Passei a ouvir o estalar e retorcer de todo o metal enferrujado.

— Merda. Isso tudo vai vir abaixo. — Disse baixinho para mim mesma enquanto dava passos para trás.

Dito e feito. O teto que estava sob nossas cabeças desmoronou sobre a gente interrompendo a luta frenética que também acontecia entre a polícia e Sam quase do outro lado do galpão.

Há males que vem para bem, os policiais já haviam jogado gás de efeito moral em Sam naquele cerco para força-lo a se render.

A coisa foi ficando pior a ponto de uma boa parte do chão também vir abaixo. O galpão todo parecia que desmoronaria.

Em meio ao caos corri até meus amigos. Inclusive passando entre os policiais que estavam mais perdidos que cego em tiroteio com aquilo tudo desabando.

Bom, de certa forma todos nós éramos cegos em meio aquele tiroteio.

— Sam? — Gritei — Cadê você? Sam?

Perdi a minha androide nêmesis de vista. Em meio a fuligem que subiu uma mão me puxou.

Por reflexo ia esmurrar fosse lá quem fosse, mas me detive.

Era a mão de Sam.

Ainda bem que hesitei.

— Vamos sair daqui rápido! — Ele ordenou.

Isabel vinha mancando sendo apoiada por Marcelo e Sam trocou de lugar com ele carregando ela.

— Sumam daqui, vamos nos separar. — Ele ordenou.

O teto continuava a desabar, uma viga de cada vez.

— Ainda estão atirando na gente, se abriguem! — Gritou Isabel.

O galpão veio abaixo completamente soterrando boa parte das forças policiais dentro do prédio.

Conseguimos sair a tempo.

Nos escondemos entre os destroços e os três humanos que me acompanhavam ficaram tossindo sem parar por causa da poeira dos escombros.

— Sam, me dê sua arma. — Pediu Isabel.

— Para quê?

— Enquanto protejo a gente você sobe os arquivos para internet. — Ela sorriu. — Se a gente não sair vivo daqui quero que você ferre com os desgraçados que destruíram sua vida.

— Não! — O impedi colocando a minha mão boa no ombro dele. — Não perca tempo com isso, não o faça ainda.

— Por quê? — Sam perguntou confuso.

— Porque não foram as pessoas que você está pensando que forma que destruíram sua vida na cidade. — Afirmei. — Foi a falsa Jéssica.

— Como é que é? — Ele ficou alarmado. — O que mais ela te disse?

— Que eu só existo porque isso fazia parte dos planos dela e que ela precisa de mim para ser a Jéssica de verdade. — Expliquei. — Ela é uma louca.

— Acho que as coisas começam a fazer sentido para mim. — Sam falou.

— Só que para mim, ainda que haja uma lógica por trás disso, não está fazendo sentido nenhum. — Protestei.

Ouvimos mais sirenes. Reforços haviam chegado. Uma nuvem negra de drones também estava a caminho.

— Merda, estamos perdidos. — Isabel murmurou.

Nessa hora ouvimos um grito gutural, animalesco. Era a falsa Jéssica que emergiu dos escombros com o exterior de seu corpo bastante danificado. Ela gritava como se estivesse uivando para lua e chamando uma alcateia.

E estava mesmo.

Centenas de robôs operários, de diversas categorias apareceram, todos ao mesmo tempo e de diferentes direções. Estavam obedecendo ao chamado dela.

Ela tinha infectado todos eles, mesmo modus operandi do atentado que sofri anteriormente quando voltava do IML com Filipe.

A androide deixou os robôs se digladiando com os policiais os ocupando e seguiu em nossa direção.

Ela não queria ser interrompida.

Se já não bastasse isso ouvimos um novo disparo vindo do nosso flanco. Era Casamata tentando acertar Sam.

Ele também tinha conseguido sair vivo do desabamento.

— Eu te achei desgraçado. — Disse o policial também bastante machucado, mas com a arma ainda em punho.

Alheia a presença de Filipe a falsa Jéssica já estava próxima de mim e saltou em meu pescoço.

— As suas memórias, eu as quero! — Ela gritou. — São minhas por direito, me dê elas!

Ela tentou apertar meu crânio, como se quisesse arrancar meu cérebro na unha.

Eu a chutei com os dois pés no estomago e a joguei para longe.

Nós duas ficamos nos encarrando com a luz do luar sobre a gente.

— Eu entendi o que você pretendia esse tempo todo. — Disse a desafiando. — E você não vai se safar dessa.

— Ah é? — Ela zombou de mim. — Vamos ver, não planejei isso tudo para fracassar justo agora.

Os policiais que não foram soterrados circundaram o prédio e passaram a atirar em nós atrapalhando nosso embate. Nos distanciamos uma da outra e nos escondemos entre as ruinas do que no passado pode ter sido parte de todo aquele complexo industrial.

Enquanto nos ocultávamos esses policiais e os reforços que chegaram decidiram recuar tamanho o contingente de robôs zumbis sob as ordens da imitação da Jéssica. As baixas da polícia haviam sido enormes, continuar naquela luta era suicídio.

Recuaram.

Enquanto isso Filipe e Sam trocavam tiros entre os escombros. Eu finalmente tinha o contato visual deles. Queria correr até lá e esganar Filipe eu mesma.

— Eu vou te achar, pode ter certeza que vou te achar miserável. — Gritou Filipe entre as pilastras retorcidas. — Não adianta se esconder.

Sam atirou e quase acertou Filipe, ele acabou acertado a quina de onde o policial se escondia fazendo uma lasca de concreto ser arrancada dos escombros como poeira.

— Cala a boca miserável. — Retrucou Sam atirando novamente.

Os intervalos entre os tiros dos dois ficaram mais espaçados, era óbvio que estavam economizando munição.

Sam falou algo bem baixinho para Isabel que mesmo machucada ainda estava ao seu lado. Pelo que consegui entender com leitura labial ele disse que só tinha mais um tiro no pente.

Isso era um problema. E dos grandes.

Acho que Filipe também percebeu isso, já que Sam parou de atirar. Pude vê-lo se aproximando pelas laterais, ia flanquear Sam por sua direita se ocultando entre as ruinas.

— Acabou seu desgraçado. — Filipe apontou sua arma para Sam. Pensei em correr na direção dele, mas não chegaria a tempo e ficaria exposta para um ataque da falsa Jéssica.

Então joguei uma pedra nele.

Filipe se esquivou, Sam não atirou para não perder o projétil.

Filipe saiu de sua proteção e se jogou contra Sam o surpreendendo. Os dois trocaram alguns golpes e o detetive terminou desarmado.

Filipe chutou a arma de Sam para longe e engatilhou sua pistola na fronte do mesmo.

— Acabou idiota. — E atirou.

Pude ouvir o grito de desespero de Isabel.

Só que Filipe ao puxar o gatilho ficou espantado por nada ter acontecido.

O tambor da arma estava vazio.

— Merda. — Gritou o policial.

Sam se ergueu e revidou afastando Filipe.

— Venha seu idiota, com as mãos. — Desafiou Filipe.

— Não amor, você não precisa fazer isso. — Implorou Isabel para Sam.

— Amor? — Filipe riu ao olhar o desespero dela. — Isso explica muita coisa. Então era você mesma que dava acessos para esse bandido conseguir invadir a rede da polícia e ter informações privilegiadas. Eu vou adorar te prender traidora e jogar a chave fora.

— Primeiro você precisa acabar comigo antes de resolver encostar em um fio de cabelo dela seu bastardo. — Sam devolveu o desafio.

— Que seja. — Filipe fez um sinal com a mão para que Sam viesse até ele. — Se eu perder aqui vocês serão dados como mortos e poderão ir para onde bem entenderem, do contrário sempre haverá alguém na cola de vocês.

— Eu não tenho razão nenhuma de fazer a besteira de acreditar em você. — Disse Sam hesitante.

Filipe com um mover de mãos usando seu terminal de realidade ampliada mandou todos os drones que assistiam a cena recuarem. Em segundos não havia mais nenhum no céu.

— Tudo bem. — Sam sorriu e dobrou a manga de sua camisa indo em direção a ele.

Marcelo, que estava escondido aquele tempo todo, correu entre os dois e pegou a arma caída de Sam do outro lado. A pistola ainda contava com um único tiro restante.

Achei que ele ia acudir Sam, mas não, ele correu para o lado em que eu e a Jéssica androide estávamos e ignorou o detetive.

— Vem! — Filipe chamou Sam aos gritos ignorando Marcelo que ia embora com a arma.

— Isabel. — Sam ordenou. — Saia daqui, procure um abrigo. Eu te encontro assim que possível.

— Amor eu...

— Vai! — Sam ordenou de novo de forma mais enfática. — Eu ainda tenho assuntos não resolvidos com este miserável.

E então Sam e Filipe começaram a lutar em meio aos escombros.

Isabel sequer teve tempo de protestar mais uma vez, em pânico ela se viu cercada de androides operários, eles se aproximavam já que não tinham mais o empecilho da polícia que foi embora com o rabo entre as pernas.

Sam e Filipe continuavam lutando e ignorando tudo isso.

— Sam? — Ela chamou. — Sam? — Da segunda vez ela gritou.

Sam se desconcentrou da luta quando também notou a multidão de maquinas a se aproximar deles.

Filipe aproveitou e o golpeou. Em seguida lhe aplicou uma rasteira e o detetive particular caiu de costas no chão.

Para o terror de Sam Filipe sacou um canivete e expos a lâmina. Em seguida se jogou sobre ele e repousou o fio bastante afiado do objeto sobre sua pele do pescoço quase a furando.

— Idiota, minha carreira acabou, — ele falou com os dentes cerrados — mas saiba que sua vida também!

— Não! — Gritou Isabel sem poder correr para ajudar seu amado em apuros.

Enquanto isso eu e a falsa Jéssica nos reencontramos entre as ruinas. Também entraríamos em um embate que já deixava claro que seria o último.

A SEGUIR O CAPÍTULO FINAL!

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