V I N T E E N O V E
- Ah, aí está você! Quase não a reconheci sem o pijama!
Louise Campbell parou de andar e se virou para Harry White, que estava encostado no balcão de atendimento da clínica em que a mulher trabalhava, sorrindo como se algo realmente bom estivesse acontecendo. Irritante e inconveniente como ela se lembrava dele.
- Cancele os meus dois últimos pacientes - pediu com demasiada educação, dirigindo-se à mulher do outro lado do balcão em que o detetive se encostava. - Deixe o Sr. White entrar.
Louise fez um sinal com a cabeça, pedindo para que o detetive a acompanhasse. Os dois entraram em um corredor de luzes exaustivamente brancas e se dirigiram para a terceira sala à direita, que tinha uma placa com o sobrenome de Louise gravado em prata.
Enquanto entravam, Campbell observou o policial e segurou o suspiro cansado pela presença sempre tão fatigante do homem. Ainda guardava certo rancor pelo que ele fizera da última vez em que haviam se visto, a arrastando para a Scotland Yard e vasculhando o seu apartamento de forma rude.
- No que posso ajudá-lo? - perguntou.
Harry passou a andar pela sala com o olhar se dividindo entre diversos interesses, não se dando ao trabalho de virar para ela ao dizer, ignorando a sua pergunta:
- Consultório interessante. Foi difícil encontrar outro lugar para trabalhar com uma explosão no currículo?
- É uma clínica grande e de renome. Aquela era uma filial; essa é outra - respondeu.
Harry concordou com a cabeça.
- Foi o que eu imaginei - virou-se para ela. - Sabe, eu demorei para perceber, e é até mesmo impressionante, porque isso nunca acontece comigo, mas... Olsen! Olsen... Um nome que apareceu duas vezes na minha lista de problemas dos últimos meses, ambos em tragédias peculiares - fez uma pausa, observando a expressão neutra de Louise diante de suas palavras. Esperou que ela fizesse uma pergunta ou mostrasse confusão, mas isso não aconteceu, e ele continuou: - São dois irmãos. O dono desta clínica e da que foi vítima da explosão, que é o seu chefe, e o dono da clínica no centro de Londres, que é o chefe de Angelica.
Louise finalmente esboçou reação, parecendo confusa.
- Desculpe, quem é Angelica?
- Acho que uma recepcionista... Isso não importa! O que importa é que ela foi baleada essa semana.
- Isso é trágico, mas o que eu tenho a ver com o assunto?
Harry tirou um pedaço de papel do bolso da jaqueta e o balançou no ar.
- Você sabe.
- Sinceramente...
- Dois irmãos Olsen, ambos psicólogos, só que um tem filiais por toda a Inglaterra e o outro apenas um pequeno consultório em Londres... De repente, os dois morrem. A única conexão entre essas tragédias é uma garota ruiva, que está morta... E você. Este bilhete - balançou a prova coletada no quarto de Angelica.
- Eu não sei do que está falando.
- Eu estou falando de um erro, Srta. Campbell. O mais comum dentre toda a humanidade: a compaixão.
A psicóloga encarou o bilhete suspenso no ar durante todo o tempo em que o detetive o exibiu, contendo uma leve expressão de reconhecimento. Ela balançou a cabeça como se acordasse de um transe e abriu a porta do consultório, dizendo em um tom casual:
- Eu tenho clientes esta tarde, então se não for importante, eu peço que o senhor...
- Sabe o que eu me perguntei? - Harry continuou, a interrompendo. - Eu me perguntei uma coisa bem simples: de onde você poderia conhecer Robert Olsen e sua recepcionista-barra-assistente Angelica Marshal?
Louise parou com a porta meio aberta, olhando-o confusa. Harry aproximou-se dela e sorriu, empurrando a porta para que esta voltasse a isolá-los do resto do mundo. Parecia uma conspiração, mas não passava do ego do detetive e do amor que Harry White sentia por mistérios.
- Eu fiz uma pesquisa sobre os irmãos Olsen. Descobri que não se suportavam. Eram concorrentes, pois um acreditava em métodos de tratamento totalmente diferentes do outro. Então, é claro que o seu chefe não apresentou o irmão odiado, que ele julgava amador, para os seus tão aclamados funcionários. Você não conheceu Angelica por conta de alguma reunião entre profissionais da sua área. Outros meios também seriam praticamente impossíveis uma vez que Angelina nem ao menos mora em Londres.
Louise estreitou os olhos.
- Então, detetive, se eu a conheci mesmo... Como foi? Como conheci Angelica Marshal?
Harry sorriu. Odiava e adorava o jeito como Louise o desafiava, como se ela soubesse, de algum modo, que ele não tinha como acertar o palpite. Como se a mulher pudesse perceber o seu desespero interno por respostas, mas fosse curiosa demais sobre os limites do detetive para simplesmente cooperar.
- Eu acho que você a procurou nos meios tradicionais: foi até a clínica de Robert Olsen para marcar uma consulta.
Ela cruzou os braços.
- E por que eu faria isso? Já tenho um psicólogo.
Harry concordou.
- Simples: - aproximou-se mais dela, como se quisesse encurralá-la, como se daquele jeito ela não pudesse escapar - Você sabia sobre a identidade falsa de Sofia Spilman e sobre as suas consultas às escuras, porque foi você que a indicou para Robert Olsen. Ele era tão bom quanto o irmão e a sua clínica era discreta o suficiente para que Sofia pudesse ir sem ser notada. Foi assim que conheceu Angelica; foi assim que não resistiu ao impulso de se mostrar simpática para a recepcionista amorosa e lhe mandou um cartão de condolências.
- Isso não me faz uma assassina - foi o que ela respondeu.
O homem sorriu.
- Eeu sei que não - respondeu. - Por um tempo, pensei que você era a culpada, mas eu estava errado. Tudo o que sempre escondeu foram os segredos de uma amiga.
O homem estreitou os olhos e se aproximou mais, perguntando:
- Mas por quê? Por que teve todo esse trabalho?
Os olhos de Louise marejaram. Ela engoliu a seco, sentido a proximidade que emanava do homem, a ameaça que agora não passava de compreensão. Ele não estava mais acusando Louise, mas sim vendo a verdade.
A psicóloga deu um passo para trás e sentiu as costas baterem contra a porta de madeira.
- Eu tentei conversar com ela de todos os jeitos possíveis - confessou a mulher. - Mas Sofia não queria a minha ajuda, então eu a mandei para outro psicólogo.
- E é por isso que não queria me contar sobre as consultas: elas nunca aconteceram. - White completou. - Não havia nada para você me contar. Teve até sorte com a explosão. O que iria fazer quando a polícia pegasse as gravações e elas estivessem vazias?
Louise concordou com a cabeça e continuou a explicar:
- Eu não sei, não pensei nisso. O fato é que Sofia estava tendo problemas com os pais. Ela era obrigada a se consultar comigo porque eles tinham medo de ver informações pessoais vazando por aí, ao redor de Londres, e eu sou de confiança. A mídia é muito cruel nesses dais. Então Sofia decidiu que não falaria mais nada durante as sessões, como se por birra. Como ela parecia mal, nós fizemos um trato: se Sofia procurasse ajuda com outra pessoa, eu diria aos seus pais que as nossas sessões estavam ocorrendo normalmente. Eu passaria o pagamento dos Spilman para o novo psicólogo, mas sua agenda diria que ela estava aqui, comigo. Eu sabia que não poderia ajudar se ela não quisesse a minha ajuda, mas pensei que indiretamente as coisas poderiam melhorar.
- E por que não me contou?
- Eu não confio em você - disse, olhando-o duramente. - O que quer que Sofia tenha passado, foi sério e envolveu segredos inimagináveis. Ela não confiava em ninguém, nem em sua própria família. Vinha ficando paranoica e cansada. Isso a estava afetando de todos os modos. Eu não entregaria algo que ela provavelmente deu a vida para esconder. Além do mais, o que eu fiz foi errado.
Harry imaginou todos os motivos pelos quais Louise poderia ter escondido aquele fato da polícia. O porquê de ela não ter contado desde o início que Sofia possuía um nome falso. Harry cogitou os medos pela carreira perdida e o terror que os Spilman a fariam passar quando descobrissem a mentira, mas apenas um motivo realmente pareceu ser o verdadeiro quando se tratava de Louise Campbell e de toda a sua teimosia iminente:
- Você estava sendo leal a uma amiga.
Louise levantou os olhos e assentiu, pensando que ele sabia de tudo agora. A Scotland Yard tinha chegado onde ela sabia, de algum modo, que Sofia não queria que chegasse.
- Como descobriu? - ela perguntou. - Como soube que eu estava ciente de tudo?
Harry sorriu.
- Bem, na verdade, eu não descobri. Soube que você conhecia Angelica por conta do bilhete, e deduzi que fosse algo relacionado à Sofia. Mas a partir daí, eu não sabia de nada - deu de ombros. - Dei um chute e acertei... Você me contou o resto.
Louise abriu a boca, mas fechou depois de não conseguir achar palavras suficientes para expressar o seu ódio por Harry White.
- Espero, detetive, que saiba manusear essas informações - recompôs sua postura sempre tão confiante. - Eu não sei o que estava acontecendo com Sofia, mas tenho certeza, assim como o senhor, de que isso não acabou com a sua morte.
A psicóloga observou enquanto o homem andava de um lado para o outro, analisando o local com interesse, como sempre fazia em qualquer lugar. Ele parou com as mãos nos bolsos da calça jeans e, por alguns instantes, ficou em pé diante da mesa de trabalho da mulher, sem nunca tocar em nada.
O silêncio incômodo e incerto que seguiu deixou Louise ansiosa, pois ela não havia recebido uma resposta do policial.
Por fim, o detetive balançou a cabeça e disse:
- Você tem razão: não acabou com a morte de Sofia, e muito menos começou. Eu acho que já aconteceu antes - virou-se para a mulher. - Sofia estava com medo antes mesmo de morrer... Sabia, de alguma forma, que algo iria acontecer com ela, e mesmo assim não procurou ajuda. Isso indica que ela provavelmente já tinha visto a mesma situação, em algum lugar, antes. Ela sabia que não havia saída.
- Acha que Sofia estava sendo perseguida por um Serial Killer, ou algo do tipo?
- Pense nas roupas que faltavam no armário de Sofia; pense no bilhete e no comportamento estranho que ela estava tendo com você! Essas coisas provam que ela estava aterrorizada, que ela tinha até mesmo pensado em fugir. Sofia chegou a pedir ajuda ao gentil e desconhecido atendente do café ao lado. Ela sabia que estava correndo riscos, o que nos leva a crer que ela tinha feito algo de errado para receber toda aquela atenção. Pode ser um assassino, um stalker, ou..
- Ou problemas com drogas - completou Louise. - Dívidas, talvez.
- É possível.
- Eu não consigo imaginar Sofia envolvida em algo assim, detetive. Digo, ela tinha os seus problemas, mas era uma boa garota - argumentou Louise. - Não arrumaria tanta confusão.
- Por qual outro motivo ela planejaria uma fuga e agiria de modo tão estranho? Pense, Louise, e me diga: Sofia era uma garota corajosa?
- Muito - respondeu, certa.
- E ela sairia da cidade e abandonaria tudo, assim, do nada, se não tivesse um bom motivo?
- Não.
- Então algo a fez sair. Algo tão ruim que conseguiu intimidar um membro da família Spilman.
Louise franziu o cenho.
- Quem, em Londres, poderia fazer isso? Ninguém desafio um Spilman.
- Você mesma disse que ela estava tendo problemas com os pais. Alguém descobriu isso e, sabendo que ela era orgulhosa e não pediria ajuda, fez da vida dela um inferno.
- Mas o que poderia ser tão grave que Sofia preferiu morrer a recorrer aos pais?
Harry parou por um segundo. Toda a energia que tomou o seu corpo com a excitação das deduções e das respostas conquistadas se esvaiu e ele suspirou.
- Eu não sei. É uma das várias coisas que não se encaixam.
Louise se sentou em uma das poltronas destinadas aos seus pacientes e encarou o chão, desnorteada. Sentia-se culpada pela morte de Sofia, perguntando a sim mesma se mandá-la para outro psicólogo tinha mesmo sido a escolha certa. Começou a imaginar se Robert Olsen ainda estaria vivo se ela não tivesse feito aquele acordo, assim como Jared, Sofia e até mesmo a recepcionista da clínica. Todos estavam mortos em um claro efeito colateral do que quer que Sofia Spilman tinha se metido antes de morrer.
- Todas as pessoas às quais Sofia poderia ter contado qualquer coisa sobre o que estava acontecendo estão mortas agora - comentou em voz alta. - Parece que alguém quer garantir que nada seja descoberto.
Harry estava escorado contra a mesa de trabalho da psicóloga, com o braço esquerdo cruzado sobre o peito e os dedos da mão direita vagando pela barba rala do queixo, quando olhou para a mulher, sua expressão mudando drasticamente.
- Menos você - disse ele, andando na direção dela.
Louise franziu o cenho.
- É, mas não há motivos para me matar: Sofia nunca me contou nada.
- Quem quer que seja o assassino, Louise, não sabe disso. Caso contrário teria economizado explosivos e poupado a clínica do seu chefe.
Harry se sentou na poltrona de frente para a dela e a encarou com seus olhos escuros, como se pudesse encontrar em suas feições a resposta para as novas perguntas que assombravam a sua mente.
Se alguém, em algum lugar, por algum motivo, teve todo o trabalho de matar cinco pessoas e explodir um prédio para proteger uma informação que Louise poderia ter, por que pouparam a vida dela até então?
Louise pigarreou, visivelmente transtornada com a notícia de que poderia ser o próximo alvo, e perguntou:
- Você acha que eu deveria estar dentro do prédio na hora da explosão? Acha que o plano era me matar?
Harry tentou manter a voz suave.
- Baseando-se nas coisas que você viu ao longo desta semana, srta. Campbell, me responda uma coisa: se alguém a quisesse morta, você acha que ainda estaria aqui, neste exato momento, conversando comigo?
- Não, eu não acho. Provavelmente já estaria morta.
Harry concordou com a cabeça.
- No momento, o fato de você não obter informações é a única coisa que a mantêm viva - completou, logo depois refletindo: - O que contradiz com a explosão da clínica. Afinal, logicamente, o que quer que eles poderiam achar ter nas fitas de áudio automaticamente seria uma informação que você, como psicóloga de Sofia, também teria. Deve existir um motivo que justifique a destruição do seu consultório e a preservação da sua vida. Eu só não consigo pensar em nada no momento.
O homem fechou os olhos e tentou estabelecer conexões novamente, mas a voz de Louise o fez acordar:
- Harry?
White saiu do transe conspiratório em que se encontrava e levantou os olhos para ela.
- Existe mais uma pessoa no mundo para quem Sofia poderia ter contado tudo o que estava acontecendo com ela antes de morrer.
Harry franziu o cenho.
- Quem?
- Marie Spilman.
...
CONTINUA
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