V I N T E
— Enzo vai matar você.
O aviso de Steven não fora dos mais amigáveis. Mesmo assim, Harry não deu atenção e continuou guiando Louise pelo corredor estreito que os levaria para a sala de interrogatório do terceiro andar. Mesmo que todos soubessem que aquilo não era necessário, a psicóloga estava algemada. Harry achava a situação engraçada e preferiu manter toda a dramatização da cena. Era quase poético ao seu ver, principalmente porque fazia muito tempo que não prendia alguém, de fato — Enzo não permitia. Deixava a ação para Angelina.
Mas apesar do bom humor e todos os traços de uma noite progressiva para o caso, Steven não parava de olhar por sobre os ombros, com medo de ser pego, e Harry estava ficando cansado dele.
— Pensamos no que o Enzo vai fazer depois — respondeu, pela quinta vez.
Steven avançou três passos e abriu uma porta à direita. Harry conduziu Louise para dentro do lugar. Ela ainda vestia seu pijama negro, de calças cumpridas e blusa de manga. Harry até tentou ser um ser humano menos cretino e ofereceu a sua jaqueta a ela quando saíram do prédio da mulher e a noite se mostrou fria, mas a única coisa que recebeu como resposta foi um chacoalhar de ombros que derrubou a peça no chão e um suspiro desacreditado.
Ele tentou ser gentil, Louise não podia culpá-lo. Particularmente, Harry a achava uma mulher extremamente mal agradecida.
— Isso é ridículo. — Louise pestanejou quando foi praticamente forçada a sentar atrás de uma mesa vazia. — Você não pode me prender!
— Está se negando a cooperar com uma investigação. Posso deter você.
— Você não pode! As informações que tenho foram adquiridas em consultas, sob restrições de um contrato. Eu não posso te falar nada além do que é estritamente necessário. Não tenho culpa se o que quer ultrapassa esse pequeno limite. Você é maluco!
— Desacato também é crime.
— Vá para o inferno!
Harry riu. Steven estava parado atrás da porta fechada, com os braços cruzados, e assistia a cena com uma expressão de desaprovação contida. A sala de interrogatório era azulada e escura; a mesa estava bamba e visivelmente velha. Era um cenário bem diferente do que os filmes mostravam: menos luxuoso e dramático, quase decepcionante. Mas era o que tinham.
Harry ainda se lembrava da primeira vez que interrogara alguém. Fora exatamente naquela sala — algo sobre um adolescente vendendo drogas em festas — e era engraçado como, anos depois, tudo naquele lugar parecia a mesma coisa.
— Sou policial, querida, visito o inferno todos os dias — ele puxou a cadeira do outro lado da mesa e sentou, olhando-a com certa curiosidade. — Mas podemos falar sobre o inferno, se você quiser. Diga-me, qual era o de Sofia?
— Eu quero um advogado.
— E eu quero um cigarro, mas não estou fumando um, estou? Vamos continuar falando de Sofia.
— Você é desprezível! — ela virou para Steven. — Esse homem apareceu no meu apartamento sem se identificar como policial, invadiu a minha residência e me prendeu porque eu não quis infringir o Código de Ética Médica. Isso é ilegal, e eu quero um advogado.
— Senhorita Campbell — a voz de Harry saiu forte e tomou todos os cantos da sala. Ele estava cansado de brincar. — Sofia Spilman foi assassinada. Isso vai muito além do seu Código de Ética e do seu contrato com os Spilman. É uma vida; uma garota inocente que morreu. Eu só quero achar o responsável e fazer justiça, não quero prejudicar ninguém.
Louise parou e, como ainda olhava para Steven, virou-se na direção de Harry enquanto estreitava os olhos. Avaliou o policial por alguns segundos, e, então, sorrindo minimamente, aproximou o corpo da mesa e disse:
— Esse seu discurso está ultrapassado, detetive — a mulher parecia extremamente mais calma em comparação aos segundos anteriores. — Você sabe qual é uma das coisas que eu faço para viver? Analisar pessoas. E analisando-o, senhor White, eu posso ver que você não dá a mínima para a honra e a vida inocente de Sofia Spilman.
Aquilo pegou Steven de surpresa. O loiro estava distraído em seu posto temporário de guarda-costas, e não esperava por uma resposta de Louise — muito menos uma daquele tipo. As pessoas geralmente ficavam quietas depois que Harry falava do jeito que falou, então a combinação de palavras fez o loiro arregalar os olhos e apurar os ouvidos para ouvir e ver melhor a reação do colega de trabalho. White, por outro lado, não pareceu tão impressionado quanto Steven e apenas riu.
— Você não sabe nada sobre mim — respondeu.
Louise inclinou a cabeça para o lado. Não disse nada além da seguinte frase:
— Sei o suficiente.
Harry olhou para o seu relógio de pulso, checando a hora. Naquele momento, todos já estavam fora do prédio e indo para as suas devidas casas. Harry permaneceria ali, e Louise também.
— Eu não me importo com o que sabe sobre mim, senhorita Campbell. Estou interessado no que você sabe sobre Sofia Spilman.
Louise voltou para o seu lugar na cadeira, mas sentava-se ereta demais.
— Dezoito anos, ruiva, solteira, da família Spilman... — a psicóloga começou, mas foi interrompida.
— Você não vai querer testar a minha paciência.
— Só estou respondendo a sua pergunta.
— Steven — Harry virou para o outro, que continuava parado como se aquilo fosse torná-lo menos cúmplice. — Pode me deixar sozinho com a senhorita Campbell por alguns minutos?
O loiro concordou, hesitando um pouco antes de deixar a sala. Quando a porta bateu em um sonoro click, Harry se virou para Louise e encontrou a mulher mordendo o lábio inferior. Era visível a maneira como ela se sentia injustiçada.
— Posso detê-la por 48 horas. Sabe disso, não sabe?
— Não pode me obrigar a falar.
Harry sorriu.
— Eu, não. Mas vou encontrar algo que faça, não se preocupe.
— Você não entende, detetive. Eu quero ajudar, mas não posso...
— Você tem razão, eu não entendo — ele a cortou. — Mas não preciso entender, de verdade. A única coisa que preciso são das 48 horas que a lei me concede para mantê-la aqui. E então vou ter o que quero, porque eu sei que você vai ceder em algum momento. Até lá, fumarei um cigarro. Volto daqui a pouco, e, se estiver disposta a conversar, pode sair mais cedo.
Harry se levantou com calma. Andou até a porta que o levaria para o corredor, onde Steven o esperava, e, quando saiu, o loiro parecia em estado de alerta, olhando para os lados como se estivesse no meio de um tiroteio.
— Relaxa, Steve. — Harry fechou a porta atrás de si. — Preciso de uma ou duas horas, você pode ficar de olho para mim? Não deixe que ela saia.
— O que você vai fazer?
— Umas coisas. Mas preciso que ela fique nessa sala, entendeu?
— Tudo bem.
Harry deu um tapa no ombro do outro, piscando. Quando começou a se afastar, Steven o chamou. White se virou, já tirando um cigarro do bolso e colocando-o nos lábios.
— O prédio está vazio, Steven. Todos foram embora — disse, já sabendo qual seria a preocupação do outro.
— Exatamente. O prédio está fechado e não devíamos estar aqui. E se algum segurança aparecer?
— Diga que ficou para rever algumas coisas de algum caso.
— Tudo bem.
Harry se virou, continuando o seu caminho. Há exatos três dias a explosão na clínica em que Louise trabalhava desencadeou uma série de reportagens até mesmo ofensivas de jornalistas ousados sobre a Scotland Yard e sua aparente ineficiência. Eles zombavam dos policiais, alegando que tinham sido enganados bem debaixo de seus próprios narizes e que rebeldes com bombinhas caseiras estavam transformando-os em palhaços públicos.
Harry estava com aquilo atingindo todos os nervos que ele nem ao menos sabia ter. Cada reportagem publicada causava tensão em uma parte diferente de seu corpo. O homem já não conseguia mais dormir. Não conseguia comer ou até mesmo trabalhar pensando no que tinha acontecido e em como tudo aquilo era uma grande piada.
Angelina estava de licença, transformando tudo em um pesadelo completo quando ele ao menos a tinha para debater teorias. E enquanto a parceira se recuperava, em casa, com a sua namorada cuidando de seu bem estar físico, Harry White torrava o próprio cérebro com teorias irremediavelmente conspiratórias.
A maioria delas eram dúvidas sobre Louise Campbell ser culpada. E como ele precisava tirar aquilo da cabeça, decidiu agir.
Quando foi ao apartamento de Louise naquela noite, ele procurava respostas para uma pergunta específica: queria que ela dissesse a ele quem eram os melhores amigos de Sofia, entre outras coisas. Mas quando chegou lá, viu uma outra oportunidade. E essa oportunidade veio no momento em que Louise sugeriu que Harry a prendesse, mesmo que a mulher não acreditasse que ele o faria. Quando isso aconteceu, White pensou que, se a tivesse presa, imobilizada em uma sala de interrogatório mesmo que brevemente, ele teria a chance de vasculhar um pouco da vida da mulher. O apartamento de Louise estaria vazio e ele poderia procurar por provas.
Era a chance perfeita para encontrar respostas, e agora ele a tinha.
...
CONTINUA
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