S E T E

     O celular comprado em 2010 numa liquidação de uma loja em falência parecia extremamente pequeno nas mãos de Harry White. O aparelho era de um modelo antigo que provavelmente não resistiria por muito mais tempo se o detetive continuasse depositando tanta força na hora de segurá-lo rente ao ouvido, mas era uma coisa que White não podia evitar. Ele odiava conversar com pessoas daquele jeito. Era como se estivesse falando sozinho, como um palhaço.

     — Tá, ela bebia... E daí? - questionou Enzo West, do outro lado da linha.

     Quando soube que o parceiro iria entrar naquela discussão com o chefe, Angelina resolveu sentar no sofá plastificado do apartamento de Sofia e esperar. Era sempre daquele jeito: os dois discutindo por causa de alguma teoria maluca que Harry White havia montado com base em poucas provas e muitas deduções. Com o tempo havia se tornado cansativo para ela.

     — Existe uma grande diferença entre beber e esconder garrafas de bebida dentro de ursos de pelúcia, Enzo. Sofia tinha problemas — argumentou Harry, segurando o telefone perto do ouvido como se aquilo fosse fazer o chefe entender o seu ponto. — Se Sofia bebia, podia muito bem ter depressão ou problemas com drogas.

     — Ela poderia ter dívidas com gente errada— completou Angelina, gritando ao fundo.

     Enzo West suspirou, e Harry soube que ele se esforçava para não concordar com a teoria dos dois parceiros. Era assustador sequer pensar em dizer em voz alta que um Spilman tinha defeitos, principalmente defeitos que envolvesse álcool e drogas. Tudo tinha que ser perfeito quando se tratava daquela família.

     Se aquele rumor se espalhasse, o caos se tornaria pior.

     — Ela era a adolescente mais rica da cidade. Por que teria dívidas?! - Enzo, por fim, achou um ótimo argumento.

     — Por que ela moraria em um prédio no centro da cidade, longe da mansão dos pais? — Harry rebateu. — Talvez as coisas não estivessem muito boas entre ela e a família. Talvez Sofia estivesse com problemas financeiros...

     — Vou pensar sobre o assunto. — Enzo resolveu ceder, cortando-o antes que o homem falasse mais alguma coisa.

     Harry agradeceu e, então, desligou o telefone. Angelina levantou do sofá e se aproximou dele, oferecendo um cigarro ao amigo, e os dois fumaram na sacada do apartamento da vítima por trinta minutos enquanto observavam o movimento do centro. 

       — Ela se jogou daqui — comentou Angelina, como se notasse o lugar em que estavam pela primeira vez.

     Harry concordou com a cabeça. O parapeito da sacada não tinha nada de extraordinário ou mórbido, mas a visão do asfalto andares abaixo dos pés dos dois foi o suficiente para fazer o detetive sentir um frio na barriga. 

     — Ou que alguém a jogou— lembrou White.

      Angelina estreitou os grandes olhos azuis para ele.

     — Deus, quem teria coragem de matar um Spilman? 

     Harry White tragou o cigarro, mas não conseguiu encontrar uma resposta. Por isso, balançou a cabeça, se inclinou sobre o parapeito e olhou para o chão metros abaixo pensando em como aquela provavelmente fora a última coisa que Sofia Spilman havia visto na vida.

     Quando seus olhos pararam no café e no funcionário que colocava as mesas e cadeiras dispersas na calçada para dentro, provavelmente por já ser a hora de fechar, Harry White pensou em algo importante. 

     — Steven disse que havia um colega de Sofia naquele café— comentou, já deixando o cigarro cair sacada abaixo— Vamos ver se ele está por lá. 

      Antes que Angelina pudesse entender, Harry já havia saído. Ele desceu apressado pelas escadas enquanto ela esperou o elevador, acostumada com o comportamento eufórico do parceiro, e os dois se encontraram no térreo praticamente ao mesmo tempo. 

     — Ele vendia café para Sofia todos os dias — disse Harry enquanto atravessavam a rua— Então deve ter notado algum padrão.

     O garoto que juntava as mesas e cadeiras limpou a mão no uniforme e levantou as sobrancelhas quando Angelina e Harry se aproximaram. Seu olhar demorou na detetive, logo passando para o homem ao seu lado, e ele parecia saber do que se tratava mesmo antes de White anunciar sua profissão e nome.

     — Boa noite, detetives— ele cumprimentou— Eu já... Falei com o detetive Hemmings hoje, pela manhã.   

     Ah, claro. Steven.

     O certinho.

     Steve sempre ficava responsável pelos interrogatórios. Enzo dizia que a personalidade calma dele passava intimidação e confiança na medida certa. White, claro, sentia-se profundamente enciumado com aquilo, mas nunca admitiria. 

     Puro orgulho.

     — Sim, mas, se não se importa, gostaríamos de conversar com você... informalmente. 

     O garoto concordou sem hesitar, pedindo para que os detetives o esperassem terminar de fechar o café para que pudessem conversar sem seu chefe lhe dar uma bronca ou advertência. Angelina e Harry aguardaram pacientemente, sendo acometidos pelo frio, até mais ou menos onze horas da noite, quando o jovem saiu do estabelecimento já sem o uniforme.  

      Harry tentou se lembrar do nome dele. Sabia que Steven havia mencionado naquela noite, quando chegara com a informação de que havia encontrado o funcionário do café...

     — Matthew Horan — disse Angelina—Você poderia repetir o que aconteceu na noite da morte de Sofia?

     Um dos dois havia lido os relatórios do caso, aparentemente.  

     Horan respirou fundo um vez, e, então, começou:

     — Eu saí pra fumar um cigarro quando Sofia surgiu na sacada. Ela parecia assustada. Começou a gritar por ajuda quando viu que eu a via também, e eu corri para ajudá-la, mas, quando estava no meio do caminho...

     O rosto do garoto se contorceu. Ele fechou os olhos e suas bochechas ficaram vermelhas.

     — Tudo bem, Sr. Horan— confortou Angelina— No seu tempo. 

     Mais um momento se passou até que Matthew tivesse coragem de terminar.

     — Ela caiu. Fui eu quem ligou para a polícia, aliás. Quando vocês chegaram já estava muito cheio, com vários repórteres, e eu me senti tão mal que fui para casa. Eu ia ligar para a polícia, mas o detetive Hemmings me encontrou antes que eu tivesse a oportunidade.

     Harry analisou o garoto dos pés à cabeça.

     — Matthew — pronunciou o nome com se fosse um mantra. — Você lembra de ter visto Sofia cair? Ou só viu quando ela atingiu o chão?

     Matthew entreabriu os lábios, nervoso, como se o enjoo tivesse voltado ao pensar na cena. 

     — N-não. Eu tirei os olhos da sacada para atravessar a rua. 

     Harry pareceu satisfeito, mas não durou muito porque, em um segundo, estava fazendo perguntas de novo:

     — E o que mais sabe, Sr. Horan? Você e Sofia se viam todos os dias, então deve ter algo de especial para nos contar. Algo que só quem está dentro de uma rotina sabe.

     Matthew olhou para Angelina como se buscasse uma explicação literal para o sentido das palavras de White. 

     Especial

     O que era especial? 

     Angelina também agiu como se ele soubesse:

     — Pode nos contar— disse ela— Sabemos que não está envolvido com o crime porque tem um ótimo álibi, mas ainda pode ser útil com qualquer outra informação sobre Sofia, seu comportamento ou seu cotidiano. 

     O garoto respirou fundo. Então, despejou tudo de uma vez:

     — Sofia me procurou alguns dias antes de sua morte. Eu estranhei porque, apesar de sempre nos falarmos pelas manhãs, não tínhamos intimidade; nem ao menos éramos amigos, e ela era muito bonita e...

     — Seja breve, por favor — Harry cortou, impaciente.

     Matthew se apressou:

     — Ela disse que precisava da minha ajuda. Parecia muito preocupada.

     — No que ela precisava de ajuda?— Angelina aguçou os ouvidos.

     — Eu... Eu não sei. Quando concordei em ajudar ela disse que me procuraria assim que o momento certo chegasse, mas isso nunca aconteceu. Não contei antes porque não há detalhes. É só isso: o pedido de um favor que nunca foi feito.

     — Obrigada por contar. — Angelina fez um sinal para que Harry anotasse tudo um bloco de notas. — Quando foi isso? — voltou a Matthew. — Quando ela pediu ajuda?

     — Há umas duas semanas.

     — Tudo bem. Se isso for tudo, você já pode ir. Qualquer coisa, entraremos em contato.

     Horan concordou com a cabeça e, lentamente, começou a se retirar, dando boa noite e se afastando alguns passos. Harry e Angelina se entreolharam, aflitos, sabendo que aquele favor não era um favor comum, mas sim algo que provavelmente causaria muita dor de cabeça para os detetives do caso. 

     — Sr. White— Horan chamou, surpreendendo o detetive por ter voltado para dizer:— Sofia era... Incrível. Ela não tiraria a própria vida. Por favor, encontrem quem fez isso.

     O pedido foi sincero, longe de parecer ameaçador. Não foi uma cobrança, nem uma curiosidade: foi uma súplica. Um apelo que, mais tarde, Harry notou ter importância maior do que todos aqueles tabloides em jornais e declarações da família.  

     Pois até mesmo White, que não conhecia a relação dos dois, notara que Matthew era apaixonado por Sofia. 

     E que mesmo se Sofia ainda estivesse viva, ele nunca teria uma chance com ela.

...

CONTINUA

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