D E Z E S S E T E

     — Com certeza, a explosão foi proposital — o bombeiro informou.

     Harry e Enzo estavam parados no centro do grande estacionamento da clínica Olsen, pertencente à Paul Olsen. Lugar que, apesar da vasta fumaça negra que do prédio exalava, não pegava mais fogo. Assim, os dois policiais finalmente podiam conversar com o Chefe dos Bombeiros sem ter que dividir a atenção do homem com algum imprevisto causado pela tragédia.

     — Seria muito legal se você me contasse algo que eu ainda não sei. — Harry sorriu irônico.

     — Por favor, senhor Miller, continue. — Enzo encorajou o profissional depois de, disfarçadamente, repreender White com um de seus olhares frios, porém insignificantes.

     — O edifício foi completamente danificado. Não sobrou nada. — Miller informou, quase lamentando. — O responsável por isso sabia muito bem o que estava fazendo. É trabalho de profissional. Colocaram dinamites em quatro pontos do prédio, uma, a que provocou a maior parte do estrago, estava perto dos botijões de gás, na cozinha. As outras três apenas prolongaram o efeito; como um dominó que derruba o outro.

     Enzo e Harry ficaram em silêncio por um ou dois segundos, processando as informações. O chefe, então, suspirou e deu um aceno com a cabeça, agradecendo o bombeiro e se retirando com Harry em seu encalço. Bastaram alguns passos para que ele dissesse:

     — Perdemos todas as gravações.

     Harry concordou lentamente com a cabeça, e, apesar do silêncio externo, sua mente nunca estivera em um estado tão crítico de funcionamento. Ele podia ver as imagens passando diante de seus olhos. Relatos da hora exata em que o responsável pela explosão instalara a bomba, e então a fuga e o encontro inesperado com os policiais, do lado de fora do local. Era um tanto óbvio que a pessoa encapuzada que ele seguira não esperava encontrar Harry e Angelina ali. Mais do que isso, ela não esperava encontrar ninguém. Viera antes do horário de funcionamento da clínica justamente para obter paz no ato, e provavelmente esperava sair de fininho depois da conclusão. O modo desesperado do suspeito ao correr pelas ruas de Londres denunciou toda a falta de planejamento da situação.

     Quem tinha feito aquilo estava atrás das gravações e queria escondê-las. O porquê, claro, Harry não sabia ao certo, mas não era muito difícil deduzir que havia alguma informação preciosa e comprometedora naqueles áudios.

     — Quem sabia que vinhamos buscar as gravações hoje?

     — Ninguém além de nós, a própria família, Louise e o dono da clínica. — Enzo respondeu distraído, andando pelo estacionamento lotado demais e tentando desviar de todos os bombeiros que esbarravam em seu ombro quando passavam.

     Harry assentiu, em silêncio, e só depois de alguns segundos que o chefe notou o que aquela combinação de palavras significava. Ficou em estado de alerta, seus olhos passeando pelo rosto de Harry em uma advertência silenciosa. Sua expressão dizia claramente que os Spilman não tinham nada a ver com aquilo. Que não era para Harry nem ao menos pensar em acusar a família, já que não havia provas e o assunto só iria gerar burburinhos pela imprensa.

     Harry, porém, não suspeitava dos Spilman. Suas acusações estavam em outra pessoa, especificamente, e ela não possuía cabelos ruivos e olhos esverdeados. Alguém que o intrigava muito mais e que atiçava todos os seus instintos policiais.

     — Você falou com Paul? — perguntou Harry, tirando um maço de cigarros do bolso da jaqueta. Precisava mudar o rumo da conversa antes que Enzo percebesse algo de errado. — Sabe se tem algum inimigo, dívida, ou filho rebelde que possa ter causado a explosão?

     Enzo West pareceu aliviado por Harry esquecer o assunto principal, achando que aquilo significava, no mínimo, que o homem tinha abandonado a ideia.

      — Ainda não falei com ele. O homem foi para o hospital por causa das queimaduras e nem sabemos se ele vai sobreviver — parou e olhou feio para Harry, vendo que o homem puxou um isqueiro do bolso. — Não acenda um cigarro! Acabamos de ter um incêndio aqui.

     Harry conteve o impulso de revirar os olhos, guardando o maço.

     — Ok...

     Enzo suspirou.

     — Vou até o hospital ver qual a situação de Paul Olsen — parou e olhou para Harry, que parecia esgotado. — Você pode tirar o resto do dia de folga.

...

     — Você está bem?

      Steven levantou os olhos para David. Estava sentado em sua mesa no escritório da Scotland Yard, com as mãos dando suporte ao queixo e o olhar perdido em algum ponto do chão. Em seu pescoço, a corrente dourada que usava há anos balançava e fazia seus ombros pesar, e mesmo que ele soubesse que o cansaço e o estresse eram os único motivos para aquela sensação de desgaste, não se livrava dela.

     Quando Smith chegou, trazendo café, o homem arrumou a postura e deu um longo suspiro. Pegou o copo que o companheiro lhe ofereceu e sentiu a ponta da língua queimar quando bebeu um gole.

      — Não tinha chá? — perguntou.

     — Não.

     — Tudo bem — e continuou bebendo.

     Os dois ficaram em silêncio por alguns minutos. David queria muito perguntar o que havia acontecido na hora da explosão, mas Steven parecia ter receio de tocar no assunto. Tudo o que Smith sabia era que o parceiro, depois de deixar a casa dos Norton para atender às ordens de Enzo, chegou ao local marcado e encontrou o local já em chamas. Ligou para a emergência e para o chefe, e depois daquilo ficou vendo tudo queimar.

     Claramente se sentia culpado por não ter conseguido prestar socorros à Angelina; culpado por não ter conseguido ajudar Harry a perseguir o suspeito. Era como a noite em que o Caso Ryan fora encerrado passando na frente de seus olhos, de novo, só que ao contrário do que fora nos últimos meses, daquela vez era real. Não um pesadelo.

     — Você acha — começou Steven, limpando a garganta — que isso vai ser como o Caso Ryan?

     David cruzou os braços. Seus ombros ficaram visivelmente tensos. Ninguém gostava de lembrar do que havia acontecido, mas Smith pensou sobre o assunto por um tempo antes de responder:

     — Não temos como saber — suspirou. — O que podemos fazer é ficar de olho.

     Hemmings concordou, tomando mais um gole do seu café.

     Ele estava certo. Não podiam viver com aquele fardo para sempre. Precisavam manter os olhos abertos para não cometer o mesmo erro duas vezes. Só assim tudo acabaria bem.

...

     Harry White não sabia o que um dia de folga deveria significar. Não era como se ele tivesse muitas coisas para fazer na vida, afinal, e o fato de Natallie estar no hospital o deixava em um estado crítico de tédio — o que não ajudava muito na sua recuperação física e psicológica.

     O homem gastou as primeiras horas de solidão ficando sentado no sofá da sua casa, olhando para a TV desligada enquanto sentia o seu peito queimar. Recusava-se a tomar os remédios concedidos para ajudar na dor, deixando os frascos enfileirados sobre a mesa de centro da sala e buscando algo que realmente o ajudaria naquele momento: uísque.

     Depois de repassar tudo o que tinha acontecido durante o dia, Harry começou a andar de um lado para o outro, deixando marcas de sapato no tapete e não se importando com aquilo — mesmo sabendo que Natallie o mataria depois. Tinha uma mão no queixo e a outra cruzada em frente ao peito dolorido, e tudo o que ele podia fazer ali, sozinho, era pensar em fumar mais um cigarro — e claro, gastar mais um pouco de seus neurônios no Caso Spilman.

     Quem poderia ter provocado a explosão?

     De repente, acusar Louise não parecia tão promissor. Afinal, quais seriam as vantagens dela em destruir o consultório no qual trabalhava? O que ela ganharia arriscando a própria vida em uma explosão para danificar gravações que ela poderia simplesmente esconder, já que era a única que sabia a localização delas?

     Por fim: Por que ela mataria Sofia Spilman?

     Harry White não sabia. Ainda.

     Pegou a pasta que continha os arquivos do Caso Spilman, sentando-se no sofá e espalhando as folhas na mesa de centro, que era baixa demais para um homem de seu porte físico. Olhou todas as fotos e todas as pistas que tinham encontrado, mas nenhuma de suas teorias conseguia estabelecer uma ligação segura entre Louise Campbell e a morte de Sofia Spilman.

     Tudo estava muito desconexo, e o único consolo que ele usava para não entrar em crise era o fato de que a polícia quase não tinha usado recursos na investigação. Ainda restavam muitos amigos de Sofia para os policiais interrogar e tirar informações, além das duas cidades que Angelina achara no mapa e outros resultados de exames.

     Ah, também tinha Jared Norton.

     Perguntou-se qual seria a relação do garoto com Sofia Spilman, e, também, por que ele tinha sido assassinado junto a ela. Seriam eles namorados? O que ele teria feito de errado ao lado da ruiva?

     Harry duvidava que Sofia fosse algum tipo de traficante. Duvidava que ela precisasse se meter com qualquer coisa ilegal, e, igualmente, duvidava que Jared pudesse querer algo que, para conseguir, tivesse de arriscar a própria vida.

     Entre overdoses, suicídios, e álcool combinado com direção, dívidas financeiras (geralmente com traficantes) era um dos maiores motivos para mortes entre os jovens de Londres. Mas como poderia dinheiro ser o principal problema de Sofia Spilman e Jared Norton? Os dois eram membros de duas das famílias mais ricas da cidade e, talvez, da própria Inglaterra. Seus pais tomavam chá com a família real; seus irmãos viajavam para outros países simplesmente porque queriam fazer as unhas. Não havia motivo para uma dívida pendente.

     A única hipótese que rondava a cabeça de Harry era a de um sequestro. Justamente por serem tão ricos, os dois poderiam ter sido vítimas de bandidos que, mais tarde, exigiriam recompensas pelo resgate dos dois. Mas, de novo, nada fazia sentido, já que ambos estavam mortos e, assim, seriam inúteis para quem quer que pudesse tê-los sequestrado.

     Suspirou, pegando uma foto no meio de todas as outras. Seus olhos focaram a reprodução exata do bilhete que ele havia encontrado em um dos bolsos de Sofia, mas que, como todo o resto, era apenas mais um pedaço torto do quebra-cabeça.

     O papel era rabiscado pela letra curva de Sofia, que parecia ter um tanto de pressa quando escreveu aquelas palavras. A última sílaba era exageradamente puxada, como se alguém a tivesse interrompido.

     "Espero que um di... " era o que dizia, simplesmente.

     Qual seria o final da frase? E o que a teria feito parar?

     Harry sentia que estava prestes a ficar louco. Eram muitas perguntas e dúvidas para alguém com o corpo tão dolorido e a alma tão cansada. Sobretudo e apesar de enxaqueca que, de repente, ele notou ser tão parte de si quanto as batidas do seu próprio coração, o homem não conseguiu parar de se torturar com todas aquelas perguntas sem respostas. Precisava saber qual era o sentido daquele bilhete, assim como precisava saber mais sobre Louise Campbell, Sofia Spilman e Jared Norton. Sentia que, de algum jeito, havia uma ligação entre os três que ia além da profissional. Sabia que estava perdendo algo importante. O problema era que a vida de Sofia Spilman parecia ser uma grande lacuna vazia que, ele achava que, por algum motivo, nunca iria conseguir preencher.

     Um telefone tocou, fazendo-o acordar. Olhou para a tela do seu celular e viu uma série de números piscando no fundo azul extremamente irritante. Ficou um ou dois segundos tentando reconhecer a combinação numérica, pensando em quem poderia ser. Amaldiçoou a si mesmo pela mania de não salvar o contato de ninguém, logo depois reconhecendo que era uma questão de autopreservação. Dava muito trabalho lembrar todos os números de todas as pessoas que conhecia, mas ele preferia aquilo do que simplesmente colocar tudo na agenda. Era uma medida de segurança que tomava desde que encerrara o Caso Ryan.

     Por fim, reconheceu que era Natallie. Pegou o celular sobre a mesinha e levou ao ouvido.

     — Ela acordou. — A voz da esposa era suave do outro lado da linha, mas ela parecia cansada. — E quer falar com você.

     Harry agradeceu, feliz com a notícia de que Angelina estava consciente. O homem precisava ir ao hospital vê-la, então arrumou todos os papéis de volta na pasta amarela e deixou-a ali mesmo, sobre a mesa, ao se levantar e decidir que precisava de um banho antes de sair.

...
CONTINUA

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