D E Z E N O V E
— O que é isso?!
O causador do susto não esperou por um convite e adentrou o apartamento de Louise Campbell. A mulher vestia um pijama completamente negro, pantufas e tinha os cabelos castanhos presos em um desengonçado rabo-de-cavalo. Olhava o homem como se ele fosse algum tipo de assassino ou estuprador — o que ele certamente deveria estar parecendo simplesmente por bater em sua porta às onze horas da noite de um dia extremamente aleatório.
— Boa noite — o detetive fingiu simpatia. — Precisamos conversar.
O estado surpreso de Louise passou quando ela reconheceu que o homem era Harry White. Ele era um dos detetives que investigava a morte de Sofia Spilman, mas aquilo ainda não a fazia entender o porquê de ele estar parado no meio da sua sala de entrada, olhando-a com os olhos castanhos como se estivesse tendo uma ótima noite.
Louise ouvira falar dele, de suas excentricidades. Não pensou que fossem verdadeiras, entretanto, e aquela cena a assustava, principalmente por não saber o que esperar de suas ações. Se Harry White estava ali, no seu apartamento, era porque a considerava suspeita. Aquilo não era bom.
— Se essa é a sua ideia de educação, detetive, precisa rever alguns dos seus conceitos. — Louise fechou a porta do apartamento, percebendo que aquela seria uma longa conversa. Ainda se lembrava do último encontro dos dois, que também não fora muito agradável. — Além do mais, pensei ter sido bem clara ao falar que não quero contato com você.
— Muitas pessoas não querem contato comigo, senhorita Campbell, espere a sua vez na fila.
Louise desviou o olhar diante do meio sorriso que o homem deu. Parecia mais relaxado do que quando chegou, mas aquilo também não era algo que lhe tranquilizava.
— Não sei o que você quer, mas tenho certeza que pode esperar até amanhã.
— Você tem razão, pode. — White deu de ombros, andando até o sofá e sentando nele.
O dia tinha sido cansativo e ele queria manter o falso bom humor durante aquela conversa. Se ficasse em pé, não duraria muito.
—Então o que faz aqui?
— É que eu não sou conhecido pela minha paciência, senhorita Campbell, e estou com um problema que preciso resolver urgentemente.
— Não tenho relação com os seus problemas, detetive.
— Bem, eu procuro uma informação — ele continuou no mesmo tom casual de antes, como se não tivesse notado a impaciência de Louise. — E você a tem. É por isso que estou aqui e que, consequentemente, a senhorita tem relação com os meus problemas — sorriu e completou: — Mas serei breve, prometo.
Louise não pareceu concordar com a lógica de Harry. Exalava uma expressão tão confusa quanto enraivecida e tinha o queixo franzido, como se tentasse conter palavras dentro da boca. Harry admirou a educação da mulher quando ela não o xingou, apesar da visível vontade.
— Como descobriu onde eu moro? — ela perguntou.
— Sou policial, senhorita Campbell — seu tom indicava que aquela era uma resposta mais do que óbvia. — É o meu trabalho.
Louise arriscou suspirar.
— Se você puder ser breve, eu tenho que acordar cedo amanhã..
Harry mordeu o lábio inferior, e ele teria partido diretamente para o ponto interessante da conversa — a que ele perguntava o que tinha ido ali perguntar —, mas Louise usou a combinação errada de palavras e aquilo o motivou a fazer o contrário.
— Por que vai acordar cedo? Pensei que, com a explosão da clínica, você estaria de férias. Tem algum outro lugar para ir?
A psicóloga parecia ainda mais impaciente, quase a ponto de perder toda a educação que lutava para manter.
— Sim, eu tenho. E isso não é dá sua conta. Aliás, eu nem sei o que você quer. Então, por favor, mostre o distintivo, pergunte o que quer saber e saia do meu apartamento.
— Você não pode me dar ordens.
— E você não pode invadir o meu apartamento sem antes se apresentar como policial. Aliás, você não pode invadir o meu apartamento a não ser que eu seja considerada suspeita e perigosa, e eu sei que esse não é o caso, já que está sozinho e sem reforços. Então estou sendo extremamente educada ao te dar a oportunidade de perguntar o que quer que seja. O meu direito é o de te colocar para fora.
Harry sorriu, mínima e divertidamente, achando graça no modo como ela estava visivelmente irritada, mas não elevava o tom de voz uma escala sequer. Era curioso, mas Louise parecia ter classe. Algo inabalável, mesmo que ela tivesse todos os motivos para explodir.
— Conhece muito da lei, senhorita Campbell? — Harry se levantou depois de um tempo em silêncio, diminuindo os dois passos que os separavam. — Estou intrigado com isso. Poucas pessoas procuram saber desse tipo de coisa, e a maioria só o faz porque quer seguir carreira. Ah, sim, também há aqueles que têm problemas com a lei e precisam se defender com o que sabem. Qual das duas situações é a sua?
Campbell permaneceu com os braços cruzados. Olhava-o diretamente nos olhos, como poucas e corajosas pessoas raramente faziam. Ela não hesitou em momento algum, o queixo levantado e os ombros para trás em uma pose quase ameaçadora. Louise não se intimidava com Harry, ou pelo menos tentava mostrar que não, mas as pupilas da mulher dilataram-se quando ele continuou:
— Bem, a resposta é óbvia, já que se formou em psicologia. — Harry falava lentamente, dando para a mulher a chance de absorver cada uma das palavras com calma. — Mas não se preocupe, não estou interessado nos seus problemas com a lei. O que eu quero saber é uma única e simples coisa. Se você me disser, não farei perguntas pessoais — mentiu.
Harry havia acabado de descobrir um ponto fraco da mulher. Ele exploraria o máximo que pudesse, com certeza, mas não seria ali, perguntando diretamente a ela. Faria as suas próprias pesquisas mais tarde, sozinho, e não contaria nem mesmo aos colegas de equipe. Ele precisava da vantagem; talvez pudesse até mesmo chantageá-la para conseguir o que queria.
Lousie, não sabendo o que se passava na mente do homem, concordou com a cabeça e Harry continuou:
— Para onde Sofia Spilman queria fugir na noite em que foi assassinada?
A psicóloga ficou um tempo em silêncio. Respirou e pareceu pensar, mas no fim apenas disse:
— Eu não posso te contar.
— O quê?
— Não posso. Quebraria uma regra importante do Código de Ética Médica. Desculpe.
— Isso é sério? — Harry usou o tom errado de voz, o que fez Louise levantar uma sobrancelha e olhá-lo como se o repreendesse. — Você estava prestes a dar as gravações das consultas para a polícia. Qual é a diferença?! Além do mais, a sua paciente está morta e eu tenho certeza que esse Código de Ética Médica tem uma brecha para isso.
Louise respirou fundo. Harry se ofendeu com o ato, pois aquilo demonstrava desprezo e impaciência, e como geralmente era ele quem exalava aquilo, se sentiu em desvantagem.
— A diferença, senhor White, é que eu assinei um contrato com a família Spilman. Vai além do Código de Ética Médica uma vez que o acordo continua sendo judicial, pois ele não morreu junto com a minha paciente. Eu não posso falar nada sobre Sofia a não ser que Constance ou Bernardo me permitam, como fizeram com as fitas, que, aliás, foi ideia deles. Falar é bem diferente de lhe entregar algumas gravações. Eu estaria participando diretamente, sem restrições e expondo minhas opiniões profissionais, não só o que a Sofia disse. Não posso concordar com isso, e se quiser me prender, prenda.
Harry ficou um tempo em silêncio. Era impressionante o modo como a mulher conseguia mudar de alguém que não falava nada para alguém que não calava a boca. O policial observou o rosto da psicóloga e toda a pose quase indestrutível dela, sua confiança profissional e a certeza de que estava certa e nada poderia abalar aquilo.
No fim, ele sorriu, concluindo que só poderia fazer uma única coisa para resolver aquela situação.
...
— Você o quê?
Harry afastou o telefone do ouvido quando a voz de Steven Hemmings gritou do outro lado da linha. Esperava uma reação mais calma do sempre tão controlado Steve, mas não se impressionou com a explosão, principalmente por causa da notícia que dera.
— Eu a prendi — White repetiu, segurando o celular entre o ombro e a orelha enquanto dirigia.
— Você não pode fazer isso!
Ao fundo, Harry notou que o barulho característico do escritório não estava presente. Era tarde e a maioria das pessoas estavam indo embora. Harry tinha que chegar lá antes que o prédio fechasse, mas também precisava do lugar vazio. O meio termo que procurava seria difícil de alcançar, mas o policial estava confiante. Só precisava da ajuda de alguém, e, como Angelina ainda estava de licença, ligou para Steven.
— Não conte ao Enzo — White ordenou, percebendo a intenção de Steven enquanto, do outro lado da linha, não parava de se mover. — Pare onde está e não dê um passo. Estou chegando, falarei com o chefe sobre isso pessoalmente. Não estrague os meus planos.
— Harry, eu só fiquei até agora no prédio porque preciso checar algumas informações sobre Jared Norton. Não tem quase ninguém aqui, nem mesmo Enzo. E eu não vou participar disso sem a concessão dele.
— Você vai, Steven. Somos uma equipe.
Harry escutou o loiro bufar do outro lado da linha. Aquilo era o suficiente para ele saber que Steven travava uma luta interna na qual a razão, o certo e o errado pesavam em uma balança. Harry estava de um lado e o senso de honestidade de Steven do outro. White sabia qual deles geralmente ganhava, então ficou surpreso com a resposta que recebeu.
— O que quer que eu faça?
Harry sorriu, olhando pelo espelho retrovisor. Louise estava sentada no banco de trás com uma expressão de ira que não combinava em nada com o contorno angelical do seu rosto. O policial tentou não sorrir daquele jeito conspiratório que sempre fazia — o mesmo que David dizia ser psicopata — e respondeu:
— Só me espere em uma sala de interrogatório. Sozinho.
...
CONTINUA
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