Capítulo IX

— Lara você tem que procurar ajuda! — Mateus está agachado e segurando minhas mãos firmemente — Já se passaram três anos. — Ele leva a mão direita até meu rosto e suavemente enxuga as lágrimas — Oh minha princesa, não chore.

— É...é muito difícil esquecê-la — digo entre lágrimas.

— Eu sei disso, mas agora chegou a hora. Temos que seguir nossas vidas. Eu já te falei isso. O que você achou que viu hoje foi produto da sua imaginação. O remorso por não termos visto ela em um caixão, para confirmar que ela realmente se foi, nos corrói. Eu sei disso. Você acha que eu não fico triste também? — Ele faz uma pausa dramática antes de continuar — Claro que sinto. Mas não deixo esse sentimento dominar minha mente. Você tem que fazer isso também! — ele se levanta e faz eu levantar do sofá me puxando — Vamos tomar sorvete. Sorvete melhora o humor de todo mundo.

Mesmo a contragosto eu o acompanho.

Desde que Eva se foi Mateus tem sido meu esteio. Sempre me apoiando e me dando forças. Mesmo que ele também estivesse sofrendo. E muito.

Mas hoje vou me aproveitar do ombro dele.

Pensar ter visto a Eva na academia me deixou extremamente mal. Estou até cogitando a possibilidade de loucura.

Ainda bem que Mateus está de férias. Se ele não estivesse aqui comigo, não sei o que aconteceria.

Minha mãe não é uma boa ouvinte. Meu pai não para em casa.

Nem me arrumo antes de sair – o que prova o quão mal estou!

— Você está horrível maninha! — Mateus diz assim que entramos na sorveteria e as pessoas começaram a olhar em minha direção.

— Dane-se. Hoje beleza é o que menos importa para mim. — Digo e cruzo os braços emburrada.

— Vou fazer nosso pedido. Senta aí e me espere. — Mateus diz e sai andando.

Até parece que sou uma criança e vou sair correndo se ele não avisar.

Olho para o vidro que está do lado esquerdo e reflete minha imagem.

Realmente. Estou horrível.

Sorrio enquanto tento ao menos deixar meu cabelo no lugar.

— Você sabe que sem um pente você não vai conseguir fazer muita coisa, né? — Mateus se senta à minha frente e me encara enquanto segura os dois sorvetes de casquinhas.

Ele nem precisa perguntar de qual vou querer, pois sabe que meu favorito é o de casquinha, sabor baunilha com morango.

— Quer apostar? — Encaro com expressão de desafio — Se eu conseguir ficar apresentável você me compra outro sorvete de casquinha.

— Fechado!

Solto meu cabelo – que estava preso em um rabo de cavalo mal feito – e abaixo a cabeça jogando-o todo para frente. Passo meus dedos para desembaraçar e em seguida, com um movimento rápido, eu o jogo para trás e passo os dedos da mão direita nele, da esquerda para a direita. Quando os dedos chegam às pontas eu balanço levemente. Para finalizar, passo o dedo indicador por minhas sobrancelhas, cílios e na área abaixo dos olhos.

Faço uma expressão sensual, olhando levemente para cima.

Quando olho para a mesa a frente, um rapaz moreno e musculoso está me olhando embasbacado.

Eu pisco para ele e sorrio, antes de voltar a encarar meu irmão.

— E então? Como estou?

— Lara, você não é normal. — Mateus sorri e então me entrega o sorvete. — Eu não sei se fico mais impressionado pela sua coragem de fazer toda essa estripulia dentro de uma sorveteria ou por ter realmente funcionado.

Rio.

Nem pensei na possibilidade do rapaz da outra mesa estar me olhando espantado.

Meu egocentrismo falou mais alto.

— O importante é que funcionou. — Tomo meu sorvete.

Ficamos conversando sobre coisas aleatórias. Ele me pagou mais dois sorvetes e depois voltamos para casa.

👻👻👻

Assim que chegamos tive que sair correndo para o banheiro.

Tanto sorvete não me fez bem.

— Eu avisei que ia te fazer mal. — Mateus cai na gargalhada assim que saio do banheiro.

— Seu infeliz. Você deu sorte. Mais o que é teu tá guardado. — falo indignada.

— Não adianta rogar praga maninha. — Ele vem até mim e beija minha testa — Aceita que dói menos.

Ele sai da sala gargalhando.

Babaca!

Sigo para meu quarto e coloco o mix de música do meu celular tocando no aleatório. Minha playlist de sertanejo é um arraso!

Pego meu notebook e me sento na cama, encostando-me à cabeceira. Na minha caixa de email abro o primeiro, marcado como importante. É do meu agente.

Leio atentamente e percebo que se trata do desfile de inverno, que vai ocorrer em Santa Catarina.

Fui convidada para protagonizar o evento. Além de ser a porta voz pelos comerciais e outdoor.

Todo o glamour que eu mereço. Com certeza.

Assim que respondo confiro os demais emails. Como não tem nada para responder, decido assistir um filme na Netflix.

Fecho o reprodutor de músicas do celular e em seguida dou play no filme "Esposa de Mentirinha".

👻👻👻

— Bom dia irmão mais gato do mundo! — digo a Mateus assim que me sento à mesa.

— Sonhou com passarinho azul? — Ele diz enquanto passa geleia em uma torrada.

— Não seria passarinho verde? — inclino um pouco o pescoço e fito o teto, pensativa.

Mateus sorri.

— Vamos lanchar hoje à noite? — Mateus leva a torrada à boca.

— Topo. — despejo o suco de maracujá em meu copo.

— Patrícia também vai. — Mateus estreita os olhos, esperando uma relutância de minha parte.

— Maravilha. Tô precisando de uma presença feminina. Conviver só com você está me deixando porca. — digo dando um arroto.

— Sua nojenta! — Mateus joga um guardanapo em meu rosto.

— Me sinto muito melhor agora. — gargalho e Mateus me acompanha.

— Que a mamãe não veja você agir assim.

— Que se dane etiqueta em casa. — falo enquanto corto um pedaço de bolo de cenoura — Eu tenho que conviver com essa chatice por mais de dez meses por ano. A qualquer momento posso ser fotografada por alguns paparazzi babacas, por isso tenho que me precaver. Ao menos aqui eu quero ser eu mesma. Por favor.

— Sem problemas maninha. Não sendo perto de mim, você pode até soltar pum. — Ele diz me fazendo gargalhar.

Estou me sentindo bem melhor. O final de semana passou voando. Acho que depois de Mateus ter me aconselhado eu compreendo que tenho que focar em mim. Afinal eu ainda estou viva e preciso de saúde para poder trabalhar e me divertir. Não posso transformar Eva em vilã.

— Quando você tem que voltar para Santa Catarina?

— Acho que vou poder ficar aqui por mais um mês. O designer responsável pela coleção teve que viajar para a Europa. Acho que foi para Milão. Sem ele aqui eu de nada sirvo. Afinal é ele quem vai definir o conceito dos vídeos do comercial.

— Que ótimo. Vou poder matar a saudade mais um pouco. — ele olha com expressão de bebê chorão.

— Quem vê até pensa que sentiu minha falta. — eu rio.

— Lógico que senti! — ele me encara com um olhar de criança sapeca — Preciso de alguém para sair junto comigo. Patrícia está sempre ocupada.

— Você quer dizer: uma babá para te trazer para casa se ficar bêbado.

— Isso também. — Ele me manda um beijo no ar, seguido de uma piscadela.

👻👻👻

À noite eu me arrumo e espero Mateus voltar com Patrícia. Ele queria que eu fosse junto para podermos ir de lá mesmo, mas como precisei lavar meu cabelo, pedi para que fosse buscá-la sozinho.

Tiro uma foto e posto nas redes sociais. Em menos de dez minutos já passavam de 1500 curtidas e centenas de comentários.

Me distraio respondendo alguns colegas do mundo da moda e outros que conheci em viagens.

— Lara você está pronta? — Mateus bate na porta do meu quarto.

— Eu nasci pronta, bebê! — Dou um sorriso sarcástico assim que abro a porta.

— Dá para entender porque você não tem namorado. — Mateus sorri e sai andando.

— Ei! Eu só não namoro porque não quero.

— Continue pensando assim...

— O que você disse? — Dou um 'pedala Robinho' nele.

— Isso dói! — ele diz esfregando a nuca.

— Não doeu em mim. — mostro a língua para ele — Ei Patrícia! — alargo meu sorriso quando vejo a figura esguia na sala de estar.

Patrícia é morena – o tom de pele dela lembra muito o chocolate, é lindo – e alta. As curvas do corpo dela são bem acentuadas. Nada exagerado, mas chamam a atenção.

— Oi Lara. Fiquei sabendo que você tem visto fantasmas ultimamente. — ela sorri, mas eu não acho graça.

Respiro fundo para não xingar o Mateus por ter falado sobre isso com ela. Não é que eu não a ache uma pessoa de confiança, mas falar sobre a Eva com ela nunca foi saudável.

Mesmo sem conhecê-la, Patrícia sempre critica minha amiga. Contudo é uma crítica infundada. Ela ouviu em algum momento o que falávamos sobre Eva e decidiu que fosse o suficiente para falar mal dela. Dizer que era apenas uma garota depressiva e blá-blá-blá.

Quando ela disse isso eu quase voei no pescoço dela. Só não fiz por respeito a Mateus. E também por saber que tudo não se passava de ciúmes.

Do jeito que Mateus fala sobre Eva, só um imbecil não percebe o amor que ele sentia por ela. Patrícia é inteligente e logo percebeu. Por fim decidimos não tocar mais no assunto "Eva" perto dela.

— Vamos então? — Mateus interrompe o clima hostil — Estou com fome já.

— Amor, você comeu um baita pedaço de bolo de chocolate lá em casa! — Patrícia diz perplexa.

— Vai se acostumando cunhadinha. — uso um tom um pouco irônico — Mateus parece que não tem fundo.

Ela olha emburrada para ele, o que nos faz rir.

Viu?

Tirando o assunto 'Eva', nos damos super bem.

👻👻👻

Escolho uma mesa logo que chegamos à lanchonete.

Por incrível que pareça, está lotada.

Isso é realmente raro em Muqui.

Às vezes acho que Muqui parou no tempo, pois passa anos e ela continua a mesma. Uma cidade pacata do interior com traços e casarões históricos.

Olho ao redor e sentado de costa para minha mesa vejo o rapaz que vi na padaria e na academia. Ele está conversando com uma mulher muito bonita. A expressão dela é séria e os olhos estão marejados.

Sinto uma curiosidade desgraçada de saber sobre o que estão conversando.

Será que é a namorada dele?

Mas olhando bem, ela não parece ser muito próxima a ele.

— Patrícia troca de lugar comigo? — sussurro e ela consente.

Fico de costa para os dois, mas perto o suficiente do bonitão e para ouvir a conversa.

Beleza. Isso é errado. Eu sei. Mais minha curiosidade está me matando.

Percebo que a mulher está falando sobre alguma ex-aluna dela, tal de...

Eva?

Por que o bonitão está perguntando sobre a Eva? Como ele a conhece?

Tenho vontade de me levantar e interromper a conversa, mas me contenho. Assim que ela for embora eu vou atrás dele!

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