💀4- SAINT BRIGHT (HAZEL)💀

No orfanato - 10 anos atrás

Dentro do carro da assistente social, avistei um gramado na entrada do prédio antigo de dois andares, eram umas 9 da noite, nós duas pegamos um grande engarrafamento na estrada. Olhei de relance para Rachel e perguntei:
- É aqui?

Ela sorriu e assentiu. Respirei fundo, vendo que o portão de ferro escuro cheio de arabescos se abria depois que fui anunciada pelo interfone.

O carro atravessou pelo caminho de cimento e parou perto das escadas de pedra. Algumas crianças se aproximaram para observar quem surgiria, umas, um pouco acuadas, carregando brinquedos em suas mãos, dando a triste ilusão de que ali era um lugar feliz. E outras pareciam avaliar que tipo de garota invadia o seu espaço. Não estavam com cara de receptivas, de braços cruzados, cochichando entre si e apontando descaradamente.

Fiquei duas semanas praticamente morando no hospital e os médicos e psicólogos me avaliaram como apta para estar entre outras crianças em um abrigo, mas não tinha certeza se estava pronta para tudo que iria encontrar. Olhei um pouco desconfiada, procurando um rosto familiar naquele meio. Mordi o canto dos lábios, odiando toda aquela atenção, peguei minha mochila enquanto descia do veículo e ajeitei o boné e os óculos escuros, que eu usava para disfarçar as marcas de agressões no meu rosto.

- Menina! - chamou a educadora-chefe descendo a escada. Virei-me para ela e forcei um sorriso. Ela não retribuiu, apenas continuou o discurso com um leve jeito de imperadora, senti que de fato não era para eu estar ali: - Retire esses acessórios agora mesmo. Eles não são permitidos aqui dentro. É uma falta de educação se dirigir a algum funcionário nesse estado. Temos disciplina, mocinha. Não sei se está acostumada a isso, mas aqui...

Ela não sabia mesmo. Sua fala foi se perdendo em meio aos meus pensamentos. Tinha sido o excesso de disciplina que me impediu de desobedecer uma ordem grotesca: a de tocar no corpo de um adulto. Eu tinha vergonha de ter feito aquilo, me sentia culpada de ter alimentado toda a loucura. No entanto, o medo de não cumprir a ordem foi o responsável. Imaginei que se eu não fizesse o que me exigia, acabaria morta.

Encarei apreensiva a assistente social e ela provavelmente reparou na minha expressão corporal, um tanto encurvada e cabisbaixa, que eu sucumbia internamente e não podia me defender daquele ataque. Então resolveu se intrometer:

- Senhora Thompson, nós, da assistência social, não tivemos tempo de avisar que ela vinha, nem explicar toda a situação. Mas a Hazel passou por uma fase difícil, se puder deixar ela...

- A partir de hoje essa garota estará sob os meus comandos. Ande, retire esse boné e esses óculos! Ou será que é tão mal educada assim? Isso não vai prestar aqui dentro! Nenhuma família vai querer adotar uma adolescente atrevida. Ande logo! Ande!

Engoli em seco, assustada. Tirei os óculos exibindo os hematomas já esverdeados numa extensão de pele amarelada na testa e perto da maçã esquerda do rosto. Ganhei olhares sobressaltados e sussurros intrigados. A educadora franziu a testa e imediatamente fitou Rachel como se quisesse uma explicação pública sobre aquilo, porém óbvio que ela não o fez. Depois tirei o meu boné, que deixou exposta a falta de cabelo num pequeno trecho da cabeça, reflexo de uma tentativa de fuga anteriormente frustrada, quando fui puxada de volta para a casa.

Meus olhos marejaram ao notar que as vozes das crianças amplificaram de altura. Rachel fez um gesto sutil com as mãos para que a educadora a olhasse e, intrigada, observei de relance os seus lábios se movendo silenciosamente, exprimindo uma frase dolorosa: "Hazel sofreu abuso". Suspirei.

A Sra. Thompson, em choque, levou as mãos à boca e as tirou disfarçadamente. Ficou sem palavras por um momento, mas tentou voltar ao estado normal, pois não tinha a intenção de alarmar o trágico ocorrido. Ela abriu os braços e falou:

- Seja bem-vinda a sua nova casa, Hazel. Vamos entrar!

Fiquei me perguntando se era preciso causar pena para ser tratada bem naquele lugar?

Depois que me despedi da assistente social, uma menina de cabelos ruivos todo bagunçado me puxou pela mão. Seguimos as outras crianças e eu fui vislumbrando da porta o enorme hall de pé direito duplo, onde no meio os moradores se dividiram, correndo, escolhendo subir pela escada da esquerda ou da direita. As duas deram no mesmo destino, um corredor que levava ao quarto das meninas, no extremo oeste, e ao dos meninos, localizado no extremo oposto.

- Tasha, mostre a cama para ela... - gritou a educadora, parando na entrada de um corredor central, perpendicular ao que estávamos. Olhei para ela, em seguida para a menina ruiva que não cansava de me puxar. - Mostre a cama que fica perto da janela... Para que ela veja novos horizontes... Boa noite, meninas! - concluiu Sra. Thompson e desapareceu.

O quarto feminino tinha aspecto de presídio. Foi agoniante ver que todas as janelas do estavam completamente gradeadas com uma malha quadriculada de tamanho pequeno.

Coloquei minha mochila na cama e fui até a janela que ficava ao seu lado. Quase dava para ver as famosas montanhas que cercavam a cidade de Utah. A vista seria incrível no inverno, com elas cobertas com neve, mas a ala do quarto dos meninos bloqueava a maior parte da visão.

- Novos horizontes? Sei... - falei baixinho. E foi assim, resmungando da positividade de Sra. Thompson que eu o reparei.

O garoto alto de cabelos pretos no corte em asa delta e de franjas longas, estava sem blusa, mostrando o seu físico naturalmente definido, com uma camisa cinza amarrada na cintura sobre um moletom azul marinho, ele se atracava com um colega no quarto da frente.

- Eles vão se machucar... - Soltei de repente.

- O Dickson sempre faz isso. Eles estão brincando. - Tasha parou do meu lado e revirou os olhos.

- Brincadeiras com socos? - indaguei, sem deixar de bisbilhotar. Caminhei pelo meu quarto, de janelas em janelas, conforme eles conduziam a briga.

Dickson finalizou o colega com uma cotovelada no nariz, depois subiu numa das camas, levantou os braços e todos os que o acompanhavam vibraram. Meu coração tamborilou exasperado, no mesmo ritmo das batidas de seus amigos no tampo de suas mesinhas laterais. Sei o que faziam porque não me contive de curiosidade, também estava de pé sobre uma cama, junto com algumas meninas, completamente intrigada com a maneira esquisita de brincar.

- Onde está a Sra. Thompson que não foi ainda reclamar? - critiquei, já que meu boné e óculos a fez surtar.

De repente, eles se calaram e Dickson pulou da cama. Do outro quarto, fizemos o mesmo, um tanto ansiosas para sabermos o que aconteceria a ele.

- Acho que ela chegou, ela chegou...- sussurraram como se a educadora pudesse nos punir por fofocar. Mais tarde descobri que podia mesmo.

- O que está acontecendo aqui, meninos? - Gritaram na outra ala, mas não foi a mulher que eu cogitei.

Mordi o lábio e encarei Tasha falando baixinho: - É a senhorita Garcia.

Do outro lado, Dickson a cumprimentou com sarcasmo, pegando sua camisa amarrada na cintura e a colocando:

- Olá, senhorita Garcia! Não está acontecendo nada demais... É só coisa de garotos. E, bom... Você é uma garota, né? Não devia estar aqui...

Respirei fundo, surpresa com o seu desaforo.

Garcia tinha cara de nova. Estava com um coque mais arrumado do que o da Senhora Thompson. Cabelo num tom de preto que me deixou com inveja. Ela andava calmamente por entre os meninos e eles se afastavam conforme a educadora avançava no espaço. Então parou face a face com Dickson e murmurou algo que não deu para escutar. Deu para perceber que o garoto não sentia medo, apenas assentiu com a cabeça.

- Bom, meninos, agora acabou! Vamos para enfermaria - finalizou ela, levando o garoto de nariz machucado para fora do quarto.

Em seguida, as luzes dos quartos se apagaram.

Todo aquele espetáculo me pareceu esquisito. Muito esquisito.

As horas se passavam. Meu estômago roncava de tanta fome. O jantar já havia passado faz tempo. Todo dia sempre às 19 horas em ponto, avisou Tasha. Porém cheguei após esse horário, praticamente na hora de nos deitarmos, coisa que nunca podia passar das dez. Só em dias festivos.

Deitada, puxei a minha mochila que estava em cima da minha mesa lateral e a abri na esperança de encontrar um biscoito perdido, mas o último do pacote eu tinha comido há uma hora atrás. Eu não conseguia dormir daquele jeito. Tudo me incomodava, o cheiro do mofo, os lençois num tecido grosso, o travesseiro bastante gasto... Tudo.

- Você está bem, Hazel? - reparou Tasha. Certamente a tinha acordado de tanto que eu me mexia de um lado para o outro, fazendo com que o metal da cama berrasse por falta de óleo.

- Você tem alguma coisa para comer? Uma bala, pirulito, qualquer coisa?

- Não... Mas às vezes, eu dou um pulo na cozinha. Pega uma coisa na geladeira... - sugeriu. Assustei-me com a dica e franzi a testa.

- Mas se as educadoras me pegarem?

- Hoje só tem duas educadoras na casa. A Thompson dorme à base de remédios, não vai acordar tão cedo. E a Garcia faz vista grossa. Não viu como ela não fez nada com os meninos?

Demorei a criar coragem para seguir o seu conselho. Mas eu não tinha muita opção, a fome já me deixava zonza, entretanto, não me fazia desmaiar como eu desejava.

Automaticamente meu cérebro fez uma projeção de como se localizavam os cômodos que Tasha descreveu antes de pegar no sono. A cozinha ficava no andar debaixo, na primeira porta à direita de quem desce a escada.

Saí do quarto devagar e fui caminhando pelo corredor escuro, iluminado apenas por uma luz fraca que vinha do hall. De repente, notei um movimento vindo do extremo oposto ao que eu estava, corri e virei à esquerda no corredor do meio e entrei na primeira porta que vi. Minhas vistas foram clareando e reparei que me encontrava no banheiro. Infelizmente, ao detectar os mictórios, me dei conta de que não era o feminino.

Ouvi os passos se aproximando e depois se afastando, a pessoa andava no mesmo corredor em que eu estava. Eu não tinha ideia em quais cômodos ele dava, senão para o quarto da educadora-chefe.

Eu estava muito nervosa. Não conhecia Tasha direito, não sabia se devia ter confiado nela. E se a garota tivesse armando uma emboscada para eu ser vista por uma das educadoras? E se fosse uma espécie de trote para novata?

Ansiosa para fugir de uma punição, cogitei correr enquanto provavelmente ela ainda estaria caminhando de costas para mim. Então saí do banheiro. Virava à direita, obstinada a voltar ao quarto, mas parei quando enxerguei Dickson de frente a uma porta que se abria, sendo iluminado por uma luz amarelada vinda do interior do cômodo. Ele sorriu e minha cabeça incendiou com vários questionamentos. O que ele fazia ali às 2 da madrugada? Quem Dickson foi visitar? Entretanto, o mais intrigante ocorreu quando uma mão o puxou pela blusa porta à dentro.

Não resisti, com passos acelerados, fui em busca de respostas. Nessa hora, nem lembrava que há minutos sentia fome, nem que tinha medo de ser pega. Eu só queria ver, ouvir, saber... Logo, cheguei perto da porta e meu corpo começou a tremer. Suspeitava o que eu poderia encontrar ao escutar risadas abafadas em meio às conversas de teor duvidoso que tinha com uma mulher. Inclinei para frente e fui posicionando o olho no buraco da fechadura, mas o impacto da claridade ofuscou minha visão. E antes que eu tivesse a certeza que algo errado acontecia dentro do orfanato, a alguns metros do quarto da Sra. Thompson, ouvi o garoto gemer.

- Você tem me provocado, Dick... - sussurrou a senhorita Garcia. Pisquei meus olhos exageradamente, tentando acelerar o processo de desembace da minha vista. - Já falei que precisa ser mais cuidadoso, ou uma hora todo mundo vai descobrir o que temos...

Foi quando a vi de pé com os cabelos pretos e cacheados soltos, completamente nua.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top