queime a atração fatal
TRÊS MESES DEPOIS QUE ELIZE PRESCOTT NÃO MORREU
Rosa abriu a porta da frente com cuidado, se esforçando para fazer silêncio. Greg costumava dormir na poltrona da sala sempre que bebia demais. Seu corpo gordo e seu cérebro embargado eram incapazes de conduzi-lo ao andar de cima, então era ali que ficava. Uma vez, Rosa o acordou sem querer. As séries de xingamentos e resmungos que recebeu em protesto a fizeram tomar cuidado nas próximas vezes.
Foi uma surpresa, porém, quando encontrou a poltrona vazia. Notou, ao fechar a porta, que a sala exalava um cheiro agradável de desinfetante. O chão estava limpo, do carpete ao ladrilho da cozinha.
— Greg? Scott?
Pendurou o casaco no cabide e andou até o começo dos degraus da escada. Não ouviu nada no andar de cima, mas sabia que o filho estava em casa pelo carro estacionado na frente da garagem. Talvez ele tivesse saído a pé para fazer algo. Era comum que Scott sumisse de vez em quando, ele nem sempre tinha dinheiro para colocar gasolina e também gostava de tomar um ar quando se sentia muito pressionado.
Subiu as escadas com cuidado. Greg não estava na sala, então podia ter conseguido chegar ao quarto. Suspirou ao pensar que seu banho havia sido comprometido. O chuveiro daquela casa era muito barulhento. Mas, por outro lado, ficou feliz de pensar que Greg não havia bebida tanto assim. Há anos ele não saia daquele ciclo vicioso de desmaiar sobre a poltrona por causa do efeito do álcool. Talvez estivesse tentando mudar.
A porta do quarto de Scott estava fechada, mas alguns movimentos pela fresta faziam sombras dançar pelo chão. Rosa se aproximou para perguntar se ele estava com fome, já que o filho era péssimo cozinheiro e provavelmente morreria antes de preparar o próprio café da manhã, e notou que estava muito silencioso lá dentro.
Ela bateu levemente na porta e os movimentos das sombras pararam. Chamou por Scott, mas não houve resposta. Uma respiração curta e contida começou a dançar pelo ar, saindo do quarto. Rosa apurou os ouvidos e aproximou ainda mais o rosto da madeira velha com adesivos colados por todos os lados. A respiração, antes baixa, pareceu mais alta e, em um instante, foi como se estivesse às suas costas.
— Bom dia.
O susto que Rosa levou poderia ter lhe causado um infarto. Ela levou a mão ao peito e encostou as costas na porta do quarto do filho, respirando pesadamente. À sua frente, com um sorriso cordial, estava Elize Prescott. Era absurdo como aquela garota sempre estava perfeita. Nenhum fio de cabelo seria encontrado fora do lugar se você procurasse. Rosa gostava dela, mas não entendia como aquele relacionamento com Scott, que era tão desleixado, havia acontecido. Eram diferentes demais um do outro.
— Bom dia, querida — Rosa finalmente se recuperou. — Eu não sabia que você estava aqui.
— Ficou um pouco tarde, então Scott ofereceu de eu dormir aqui. Desculpa não ter avisado.
— Sem problemas. Você já tomou café?
— Não estou com fome.
— É claro que está, Elize! Vou preparar algo para você. Nem pensar que te deixo sair daqui com fome. Seus pais vão pensar que não cuido de você direito.
Rosa estava brincando, então Elize sorriu com ela. Por um segundo, porém, seus olhos marejaram e entraram em um estado de transe emotivo que Rosa não entendeu. Foi como se tivesse dito algo errado. Pensou em pedir desculpas, mas logo a garota ruiva voltou ao normal.
Elas desceram as escadas em silêncio. Rosa ainda pensava na sobriedade de Greg. Era tolo e precipitado, mas aquelas pequenas fagulhas de esperança mantinham seu casamento funcionando. A promessa de que as coisas um dia iriam melhorar para a sua família eram tudo o que Rosa tinha para segurar. Se não permanecesse otimista, afundaria no mar de decepções que cercavam a sua vida. A fuga do alcoolismo era seu maior sonho inalcançável, a solução de quase todos os problemas.
Elize sentou na mesa da cozinha enquanto Rosa pegava uma frigideira e alguns ovos. Ela pediu desculpas pela falta de bacon, já que não havia conseguido comprar, e disse que compensaria com uma omelete e panquecas deliciosas. Elize sorriu como uma criança na manhã de natal, nada acostumada com aquele tipo de tratamento. Os pais não estavam em casa na maioria dos dias e os empregados que a acompanhava pelas manhãs tinham ordens diretas para balancear a sua alimentação. Elize não tomava café três vezes por semana e, nos outros dias, recebia uma bandeja com apenas frutas picadas na cama.
Aquela era a primeira manhã desde os seus doze anos que comeria panquecas e ovos antes do meio dia.
Elize aceitou um copo de suco de laranja enquanto ouvia Rosa agradecer pela oportunidade de emprego na mansão Prescott.
— Posso estar errada, mas acho que você me indicou para entrar no lugar da sua antiga funcionária — Rosa, com um sorriso terno, sentou na cadeira ao lado da de Elize e tocou o seu ombro. — Muito obrigada, querida. As coisas não estavam muito boas no meu antigo emprego.
A falta de bacon na casa dos Adams passou rapidamente pela mente de Elize. Ela não tinha feito a ligação até aquele momento. Achou que fora falta de tempo para ir ao mercado, e não uma questão financeira. Se sentiu mal e até envergonhada com aquilo.
— Você ainda tá aqui.
A voz de Scott preencheu a cozinha em um som rouco, amanhecido e grosseiro. As duas mulheres levantaram os olhos para a figura descabelada que praticamente arrastava os pés pelo chão de ladrilho. Ele usava a camiseta preferida de Elize, tão larga que descia por um de seus ombros tatuados. A calça do pijama, vermelha, era grande demais também. Por algum motivo, aquele era o Scott preferido de Elize. A influência que a inocência das manhãs de Westwood tinha no relacionamento dos dois poderia ser definida naquela imagem. Os primeiros dias deles juntos, recheados de sorrisos matutinos, voltaram como se pudessem abraça-la; foram sentidos na pele, no coração e no estômago embrulhado. A fizeram perceber, de repente, que aquele homem era o mesmo que amou com todo o seu coração poucos dias atrás. E que sentia falta dele.
Sentiu os olhos marejarem. Doía mais que tudo no inferno pensar no quanto havia perdido, de si e dele, naquele tempo desde a primeira briga entre os dois. Eles poderiam ter conquistado tudo, mas nada sobreviveu ao fogo.
— Senta, Scott. Vou preparar seu prato.
Agora Rosa puxava o filho para longe do seu balcão. Ele costumava ser péssimo fazendo qualquer atividade doméstica, por mais simples que fosse, então ninguém queria que ele terminasse de fritar os ovos. O garoto ainda sonolento sentou na cadeira ao lado de Elize e ficou jogado contra o encosto, em silêncio, por longos segundos.
— O Greg vai se atrasar se não levantar logo — Rosa resmungou antes de colocar dois pratos cheios de ovos sobre a mesa.
No segundo em que a porcelana bateu contra a base de madeira, Scott arregalou os olhos. Foi como se de repente tivesse se lembrado de tudo o que havia acontecido na noite anterior. Não foi um pesadelo, sua expressão dizia, foi real. Nós matamos o Greg.
E agora Scott estava com medo de Elize de novo.
Elize havia matado Greg.
— Ele saiu ontem à noite — disse Elize. — Ouvi a porta abrir lá de cima.
Rosa franziu o cenho e limpou as mãos na saia florida. Pareceu tão... magoada. Elize conhecia aquela expressão. Era a mesma que sua mãe apresentava quando o marido ficava até muito tarde na frigorífica — o que era só a desculpa perfeita para transar com outras mulheres após o expediente.
Elize sentiu o maxilar tenso.
Rosa não merecia ser traída.
Greg não deveria tê-la magoado daquele jeito.
— Comam, crianças. Vou descansar um pouco.
Os passos rápidos dela denunciaram que Rosa tentava contar o choro. Elize até mesmo imaginou: primeiro, Rosa chegou em casa e ficou feliz de não encontrar o marido desmaiado no sofá. Teve esperanças de uma recuperação, e elas foram destroçadas por outra decepção.
Se sentia suja por ter mentido. E quis que Greg estivesse vivo para poder matá-lo de novo.
— Elize?
Scott estava inclinado na frente dela. O cabelo despenteado caia sobre os seus olhos. Aquele rosto tão bonito deveria ser o lar do coração partido de Elize, mas foi-se o tempo que ela poderia chorar nos braços dele.
— Quantas vezes Greg traiu a sua mãe? — perguntou.
Scott piscou algumas vezes, um pouco desconcertado pelo assunto repentino.
— Muitas. Quando eu era criança, ele costumava trazer as amantes aqui em casa assim que minha mãe saía para trabalhar. Eu ouvia os gemidos pela parede. Não tinha como escapar.
Elize imaginou um pequeno Scott encolhido no chão, com as mãos nos ouvidos. Ele não queria ouvir aquilo, queria que parasse; queria seu pai de volta.
— Ela sabe desde quando?
— Desde o início. Mas sempre preferiu fingir que não via. Era melhor do que ser abandonada de novo.
Elize engoliu a seco. O prato na mesa, cheio de ovos, fez seu estômago revirar. Quis perguntar a Scott quantas vezes havia sido traída por ele, mas já sabia a resposta. Não faria diferença alguma ouvir as palavras saindo da boca dele. Scott era como Greg, e Elize como Rosa e a própria mãe.
Algumas pessoas se tornam aquilo que um dia as destruiu, Elize pensou. Tudo o que repugnava em uma relação, todos os péssimos exemplos que viu no casamento dos pais estiveram presentes no seu relacionamento com Scott; e ele também, agindo como os homens que destruíram a sua vida. Como podiam continuar daquele jeito? Como não se impediam?
— Arruma uma boa desculpa para o sumiço do merda do seu padrasto — Elize levantou da mesa. — Se ela sofrer, você sofre. Vou garantir que sim.
Elize marchou para a sala de estar e saiu da casa dos Adams. Pegou a caminhonete de Greg, já que ele não a usaria mais, e ignorou Scott quando ele saiu pela porta da frente. Mastigava alguma coisa de um pacote suspeito enquanto olhava confuso o demônio de Westwood roubar o carro do padrasto morto. Foi deixado para trás sem respostas, mas ainda pensando em como falaria com a mãe sobre o sumiço de Greg.
Elize continuou dirigindo. Seus dedos apertavam o volante e, quando chegou na mansão Prescott, tinha lágrimas escorrendo pelo rosto.
Tudo o que pensava era que poderia ser ela ali, anos à frente, casada com um Scott violento que levaria amantes para casa. Se sentia tão tocada, tão burra, tão vulnerável... Como pudera se arriscar tanto? Era como se não valesse nada. Como se nunca fosse valer.
Não para homens como Scott.
Talvez nunca para homens.
CONTINUA
...
N/A:
VOCÊS VOTARAM e eu ouvi! Como Queime Tudo foi a história mais comentada do meu post no Insta, então a atualização veio. Muito obrigada por sempre me acompanharem e participarem das interações! Com a falta de tempo, vou precisar mesmo da ajuda de vocês na hora de escolher qual história escrever com prioridade.
Hoje vou passar lá e perguntar de novo qual história vocês querem. Então, se estão ansiosos para Queime Tudo, passem por lá!
Outra coisa: infelizmente perdi acesso ao meu perfil de histórias. Lá eu postava quotes, spoilers e edits com a ajuda de leitoras fofas demais pra serem reais. Fiz um novo, então sigam lá para ajudar a recuperar o que perdemos.
Beijão
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