Parte I
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Na solitária escuridão a única luminosidade despontava da mediana fogueira, as chamas engoliam a madeira e o cheiro da erva-doce repassava entre os corpos presentes que dançavam em euforia por entre o fogo ardente, circundando a lenha com sorrisos grandiosos e radiantes.
O céu enegrecido mantinha apenas a redonda lua cheia que estava em seu pico, completamente vazio de estrelas naquela fatídica noite. A música ressoava e as vozes cantavam, braços foram erguidos e seus esqueletos balançados no ritmo energizante aquecendo o coração daqueles que comemoravam as festividades.
Vaga-lumes cintilavam por entre as mulheres que gargalhavam e o som das palmas intercalava com o das cigarras em meio aos arbustos, além do relinchar do gracioso cavalo de pelagem escura. A comemoração que declarava o fim da colheita e anunciava o início da hibernação dos animais selvagens. A morte da vegetação se aproximava após o fim do verão e o começo do inverno, sacrificando animais para que conservassem sua carne durante o período difícil que se seguiria.
A morte retumbava por entre as sombras proclamando o falecimento do Deus-Sol, enquanto a grandiosa Deusa-Mãe lamentava por sua partida até que a Roda do Ano trouxesse o renascimento do Deus retornando consigo a regeneração da terra e sua prosperidade.
Naquele momento as figuras femininas refletiam sobre seus velhos costumes repensando nos novos comportamentos que surgirão, a partir da morte e ressurreição, esperando a travessia para o país do Verão onde as almas iriam descansar até poderem enfim renascer mantendo o véu entre os mundos tênues. Buscando a sua própria evolução da alma, relembrando o amor dos entes queridos que tinham partido e homenageando os seus antepassados de sangue, de terra e de espírito.
Aggie remexia seus quadris, pulando com as irmãs mais velhas e rindo divertidamente durante a comemoração de Sabbat de Samhain. Seus cabelos negros chacoalhavam na altura de sua cintura caindo em ondulações por suas costas, seus olhos azuis como safiras cintilavam em harmonia resplandecendo o fogo ardente em suas pupilas. O sorriso lhe rasgava os lábios em contentamento, a mãe e a avó olhavam admiradas paras as garotas com orgulho de suas meninas que a cada ano cresciam com graciosidade.
A noite agraciou cada uma delas com todo o seu esplendor, a brisa gélida abraçava seus corpos que foram aquecidos pelo calor das chamas. Tudo encontrava-se em perfeita sincronia, mas não duraria por muitos dias.
As tropas militares aproximavam-se sorrateiramente dos vilarejos, atrás de denúncias acusatórias que poderiam destruir famílias e arrancar a vida de inocentes, banhando o chão de suas cidades com o sangue daqueles que eram acusados de bruxaria.
O sol despontava e o céu enegrecido tomado pelo violeta firmando o azul celeste que lentamente encobria-se pelas nuvens e os pássaros que ateavam voos por entre as árvores em busca de seu alimento e no meio da majestosa floresta estava Aggie colhendo as plantas medicinais para sua mãe que muitas vezes utilizava-as para curar enfermidades na comunidade em que viviam. Sua avó Angèle, uma excelente parteira e reconhecida entre as pessoas e com isto também precisaria de tais ervas para a realização do procedimento que geralmente acontecia em sua casa.
A jovem começou a aprender o ofício ainda em sua infância ao completar seus dez anos recebendo os conhecimentos de suas matriarcas e irmãs mais velhas. Ela sorriu estendendo a mão acima de sua cabeça mirando o céu, mais precisamente o sol enquanto escutava o canto dos animais a sua volta, faltava apenas algumas luas para que completasse seus dezenove anos e estava animada para a comemoração que realizaria com a sua família.
Ninguém em seu vilarejo tinha ciência de sua habilidade medicinal, sempre foi uma mera ajudante em sua família e a mãe, Bridgit, escondia a identidade da menina para que boatos sobre a sua grande capacidade de aprendizado não fosse alvo de denúncias errôneas e que poderiam colocar a vida da jovem em perigo. Durante diversos atendimentos, Aggie aparecia somente quando o enfermo estava completamente vedado de modo que este não pudesse ver o seu rosto ou reconhecê-la, vislumbrando apenas o seu vulto e mexia-se durante os preparativos e os cuidados realizados.
Segurava a cesta firme em seus braços e retornava para casa, o suor escorria por sua testa limpando-o com a manga surrada de sua vestimenta, o vestido verde esmeralda havia sido costurado após encontrar alguns tecidos velhos comprados por sua avó e as suas vestes desgastadas estarem ao ponto de se partirem feito pó pelos anos usados.
Seus pés travaram no solo ao notar as diversas pessoas em frente ao seu casebre, os gritos e murmúrios fizeram a garota estranhar principalmente as diversas lanças e rastelos nas mãos de seus vizinhos que proferiram palavras de baixo calão referentes a sua família.
Repousou os olhos no padre Gregório que mexia seus lábios em sussurros baixos como se rezasse e no segundo seguinte sua família foi retirada a força por cavaleiros armados de espadas rentes a suas gargantas com pulsos e tornozelos acorrentados, sendo arrastadas com brutalidade para fora de seu lar e empurradas em direção a carroça que possuía uma jaula.
Aggie quis gritar, porém o som não saia por sua garganta como se o ar ficasse preso em seus pulmões impedindo-a de falar e esbravejar tal desrespeito.
Correu o mais rápido que pode e se aproximou das pessoas que seguiam os soldados, enquanto o padre agora fazia as suas preces em alto som para que todos escutassem.
Não demorou para que chegassem à praça pública de seu vilarejo, Aggie se contorceu entre as pessoas buscando aproximar-se mais de sua família.
Notou os troncos partidos e a forca montada diante de si com quatro cordas penduradas em sua extensão acima das madeiras. Seu corpo arrepiou e a sensação ruim se apossou de seu interior ao vislumbrar um dos cavaleiros puxar sua avó seguido de sua mãe e logo após arrastar suas irmãs.
Seus corpos foram posicionados e erguidos, os pés ficaram firmes nos troncos, mas qualquer movimento em falso elas seriam levadas ao chão e este pensamento lhe angustiou ainda mais ao ver a corda ser amarrada e enrolada no pescoço de cada uma.
As lágrimas começaram a se formar nos olhos de Aggie que queria correr até elas e tirá-las daquela situação.
Podia escutar os burburinhos de pessoas que sua mãe havia curado, dedicado todo seu cuidado e sua atenção e mulheres que a avó tinha realizado o parto salvando elas e seus bebês.
— "Bruxas!" — as vozes gritavam em coro ecoando por toda a praça.
— "Adoradoras do diabo! Merecem queimar no fogo do inferno!" — mais ofensas foram proferidas, pulsando na cabeça de Aggie que não compreendia o que estava acontecendo.
As lágrimas escorriam dos olhos de Merga e Elizabeth, inundando o rosto de suas irmãs que encontravam-se em sofrimento e desespero clamando por suas vidas. Seus corpos tremiam enquanto tentavam se manter firmes em seus troncos.
— Vocês foram consideradas culpadas de bruxaria e pactos colaborativos com o demônio. - A voz solene do padre ressoou calando os presentes — se desejam salvar as suas almas da perdição arrependam-se agora e confessem os seus pecados.
O silêncio repercutiu e Aggie esperava que sua mãe falasse algo, porém nada foi proferido de seus lábios.
— Estou dando a oportunidade para que se convertam e paguem as suas penitências ao praticarem tais atrocidades.
— E o que nós fizemos de errado? — questionou sua avó — apenas ajudamos aqueles que convivem conosco, nada mais do que isto! — declarou amargurada com o olhar baldio e desgostoso.
— Vocês foram denunciadas de possuírem dons sobrenaturais, apenas aqueles que fizeram pacto com o satanás conseguem tais feitos. — Cuspiu um dos soldados aos pés de suas irmãs com o nojo estampado em sua feição.
— Por favor, poupe nossas vidas! — Elizabeth murmurava com as lágrimas densas que escorriam por suas bochechas, segurando as mãos em frente ao corpo em súplica.
— Se vocês declararem-se arrependidas, as pouparei. — Declamou o padre Gregório.
— Nós nos arrependemos! — Merga exclamou fitando o homem que a encarava com desdém.
— Todas nós! — Sua mãe reforçou, abrindo um sorriso nos lábios do padre ao ver as outras duas concordaram em uníssono.
— Ótimo, agora terão suas almas purificadas durante suas passagens! — exclamou contente — podem queimá-las. — Completou, fitando os soldados que acenderam as tochas em direção as quatro mulheres que imploravam desesperadamente por suas vidas.
Aggie tentou gritar, contudo novamente o berro ficou preso em sua garganta. A raiva tomou seu interior, sentindo seu coração bater descompassadamente e suas mãos fecharem tão violentamente que as unhas fizeram marcas em sua pele, enquanto a ventania aumentava em torno de todos os presentes daquela calamitosa cena. As árvores balançavam e os galhos mexiam-se com velocidade e força acertando quem estivesse próximo a eles.
— São as bruxas! — alguém gritou em meio a multidão, aumentando o desespero entre todos que se afastaram horrorizados.
A jovem reparou sua mãe fechar os olhos, logo após suas irmãs e por fim sua avó, suas bocas mexiam lentamente proferindo palavras em ruídos inaudíveis.
— Parem elas! — o padre bradou, porém todos que ousaram se aproximar a ventania circundava os seus corpos, impedindo-os de chegarem perto das mulheres.
O som melodioso dançou pelos ouvidos de Aggie escutando o dizer de sua família, um último aviso e a sua despedida.
Gritos intensificaram-se e espadas foram erguidas em direção a elas, mas nada lhes atingiu, não enquanto cada uma delas deixassem o seu próprio recado para a caçula.
— "Nós amamos você" — a voz de suas irmãs ecoaram em sua mente — "sempre se lembre disso Agg!" — Elizabeth sorriu em sua direção, mas existia dor refletida em seus olhos. — "Mesmo quando não estivermos ao seu lado, estaremos presentes em seu coração." — Completou Merga docemente.
A morena sentia as lágrimas molharem suas bochechas, passando a manga do vestido em seu rosto esperando que ninguém notasse o quão abalada estava diante da morte das bruxas.
— "Você é uma garota especial querida, está fadada a grandes feitos, confie em seu potencial, ele te levará às alturas!" — sua avó Angèle proferiu com o orgulho estampado em sua face.
— "Tudo o que você precisa saber estará descrito no livro de nossa família, a história de cada geração da família Carrier, o leia com sabedoria e guarde cada palavra em sua memória, as decore com maestria e perfeição." — Sua mãe ainda mantinha os olhos fechados, mantendo toda sua atenção no que precisaria repassar para a filha. — "Volte para a casa, pegue o máximo de comida que conseguir e itens que precisará em sua longa jornada e fuja para o mais longe possível de Elsma, nunca retorne para este vilarejo! Nós amamos você até a lua minha preciosa Aggie." — E com um último olhar entre as quatro e a caçula, o sorriso foi selado nos lábios de cada uma e a rajada se findou levanto junto a vida delas.
O fogo foi ateado e os corpos queimados, mas não foram ouvidos gritos de dor e sofrimento, apenas o silêncio se firmou entre os presentes.
A garota manteve o olhar fixo na morte de sua família, observando seus corpos serem carbonizados e desfalecendo lentamente diante de si sem poder fazer nada, ela sentia-se impotente diante de tudo. Suas pernas estavam fracas, mas obrigou-se a correr de volta para a casa montando uma trouxa de roupas e recolhendo o máximo de alimentos que poderia precisar durante o caminho. Apressada pegou alguns livros pertencentes à sua mãe a respeito das ervas medicinais e o de sua família, aquele que a guiaria durante todo o seu trajeto.
Trocou seu vestido verde por roupas confortáveis, prendendo os longos cabelos negros em uma trança e escondendo-o por debaixo do capuz preto que colocou e cobriu seu rosto com o lenço de modo que não a vissem, em suas costas a aljava foi firmada. Andou para o estábulo retirando Ruffos, seu cavalo e melhor companheiro de pelagem preta com a parte de seu focinho esbranquiçado, puxando-o para que partissem.
As cavalgadas tornaram-se velozes e com um último olhar Aggie pode avistar seu vilarejo, Elsma, distanciando-se lentamente enquanto a fumaça cinza erguia-se ao céus revelando a destruição que foi feita pelas chamas que engoliam com precisão todos os cômodos de sua residência deixando para trás o que uma vez ela pode chamar de lar.
Oie bruxinhas(os), deixa um comentário do que achou desse primeiro capítulo que me ajuda a melhorar a história! Vou amar saber a sua opinião.
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